Por Rodrigo Vianna, no site Brasil-247:
O retorno de Lula ao centro do palco reafirmou algumas certezas: ele é o único estadista em atividade no Brasil, e um dos mais importantes do Mundo; para a esquerda e o bloco democrático, faz toda a diferença serem comandados por um líder dessa grandeza, no duro embate para remover o bolsonarismo do poder.
Mas a volta triunfal de Lula, com um dos mais consistentes discursos de sua longa carreira, no último dia 10 de março no ABC, trouxe também dúvidas:
- por que o JN e as Organizações Globo (Globo News, G1, CBN) deram tanto espaço para Lula no ABC?
- por que, nos dois dias anteriores, a Globo abriu espaço também para a humilhante derrocada de Moro no STF, preparando assim a volta de Lula na figura de líder injustiçado?
Roberto Marinho tinha frase célebre: “o importante não é o que eu mostro nos noticiários, mas o que eu deixo de mostrar”.
Lula poderia ter recebido tratamento protocolar, ter sido colocado em segundo plano, em meio ao caos da pandemia. Não, a Globo abriu generoso espaço... E o motivo não é jornalístico.
O destaque para Lula - que, diga-se, volta à cena não por causa da Globo, mas graças à coragem e firmeza do estadista e daqueles que jamais desistiram de lutar para provar sua inocência - faz parte de uma operação lançada pela direita liberal no país.
A leitura política desse grupo, formado por Globo/PSDB/DEM e por setores mais inteligentes do empresariado e da mídia, é de que a única forma de romper a dicotomia Bolsonaro/Lula é apostar no enfraquecimento do primeiro.
Trocando em miúdos: a direita liberal topa reconhecer (e usar) a grandeza de Lula, como parte da estratégia para reduzir o tamanho de Bolsonaro.
Reparem que o JN chegou a veicular uma “reportagem” (com narração do próprio Willian Bonner), para mostrar que Bolsonaro só voltou a usar máscara por medo de Lula e de seu potente discurso sobre a pandemia.
A direita liberal age assim porque, entre Lula e Bolsonaro, talvez ache que o primeiro é mesmo um líder mais confiável para tirar o país do atoleiro (as mensagens de Rodrigo Maia, com elogios a Lula, indicam isso).
Mas age assim, sobretudo, porque aposta num cenário em que o crescimento de Lula tire votos de Bolsonaro na base da pirâmide social, ajudando a abrir caminho para algo que hoje parece inviável: a construção de um nome de centro-direita pra concorrer em 2022.
Quem de fato manda no país – bancos, mídia, agronegócio – não vai aceitar sem luta um cenário em que precise escolher entre um capitão tresloucado e um metalúrgico que até negocia mas não encampa o programa neoliberal.
É por isso que a volta de Lula foi acompanhada na última semana de uma articulação feita nas sombras, e que tenho chamado de “Operação Ciro-Mandetta”.
Os sinais são vários.
Tão logo Lula foi inocentado, a Globo News abriu espaço para os dois personagens.
Mandetta, em especial, virou uma espécie de “comentarista oficial” sobre a pandemia no canal de notícias da Globo. Como se fosse um Miguel Nicolelis da direita...
Nas pesquisas, Mandetta surge como o nome conservador com menor rejeição, com imagem simpática, além do tom conciliador de médico que se preocupa com a saúde de todos.
A eleição de 2022 deve ocorrer sob um duplo signo: saúde/pandemia + emprego/reconstrução da economia.
A chapa Ciro-Mandetta é a chance de a direita liberal dialogar com os dois temas, agregando o agronegócio (via DEM/Mandetta) e cravando uma cunha no Nordeste lulista com a presença de Ciro Gomes.
Ah, mas Ciro tem eternamente 12%! Sozinho, sim.
Com Mandetta e o DEM, talvez avance para 15% ou 20%. Imaginem que Ciro/DEM podem construir palanques estaduais fortes no Ceará, na Bahia e também em Pernambuco (onde o PSB, aliado de Ciro, é forte).
Ciro também sonha com o apoio de Kalil/PSD em Minas, e de Eduardo Paes/prefeito pedetista de Niterói no Rio.
A incógnita seria o papel do PSDB. Aécio e Tasso Jereissati com certeza topariam a aliança com Ciro comandando a centro-direita. Mas e Dória?
Os tucanos podem lançar um candidato no primeiro turno pra perder mas construir bancada (o próprio Dória, ou então Eduardo Leite, que de quebra tiraria votos bolsonaristas no Sul do país).
A operação Ciro-Mandetta poderia avançar até mesmo para um impeachment (hoje improvável) de Bolsonaro. Mourão faria um governo “técnico”, de transição, se o caos sanitário se aprofundar.
Mas a direita limpinha nem precisa ir tão longe: imagine um cenário em que Lula cresça mais, comendo votos do capitão no Nordeste; e um tucano enfraqueça (um pouco) o capitão no Sul e no Sudeste. Essa operação seria suficiente para baixar a votação de Bolsonaro a 20% ou 25% no primeiro turno. Isso abriria espaço para levar Ciro-Mandetta ao segundo turno contra Lula/PT.
Não é uma operação simples, mas é o jogo da direita hoje. Basta ver os elogios (não há coincidências nisso) de Reinaldo Azevedo e de Merval Pereira a Ciro Gomes.
O que falta, principalmente, é combinar com os russos.
Bolsonaro vai lutar até a morte.
Vai causar tumulto, ameaçar golpes/ditadura, tentando mostrar ao “mercado”: tentem brincar comigo, e eu incendeio o que restou do país.
Lula, por sua vez, pode se fortalecer tanto diante do caos bolsonarista que se tornaria o favorito.
Sim, concordo que hoje o quadro mais provável indica uma disputa PT x Bolsonaro – com favoritismo para a centro-esquerda.
Mas o verdadeiro poder (econômico e midiático) está se mexendo.
E a chapa Ciro-Mandetta começa a tomar forma, com a vantagem de dar uma cara nova para a centro-direita – que se veria livre do eterno rosto “tucano de São Paulo”, oferecendo ao eleitor uma pitada de “projeto nacional desenvolvimentista” (Ciro) num balaio em que caberiam também o agronegócio, os bancos e o sistema midiático tradicional, tudo temperado com o rosto humano de um médico preocupado com a pandemia.
A esquerda deve prestar atenção nesse jogo!
* As reflexões contidas neste artigo devem-se, em boa parte, ao diálogo com a professora Nilce Aravecchia (FAU-USP) e com o jornalista Florestan Fernandes Jr, também atentos às manobras da direita liberal para viabilizar uma chapa presidencial em 2022.
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