Por Vitor Nuzzi, na Rede Brasil Atual:
Em momento de aparente reviravolta no protagonismo da Lava Jato, o foco também se volta para o papel desempenhado pela mídia tradicional no destaque dado às ações do juiz e dos procuradores à frente da operação. Em debate realizado ontem (9) à noite, a jornalista e escritora Cristina Serra, por exemplo, lamentou que jornalistas tenham ido “comer na mão dos procuradores”, se sujeitando a determinados objetivos políticos. Para a jurista Carol Proner, alguns profissionais da comunicação “sacrificaram a sua independência e abandonaram o senso crítico”.
Promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e mediado por Rita Casaro, diretora da entidade, o debate teve ainda a presença de Tereza Cruvinel, colunista do portal Brasil-247 e ex-presidenta da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). O evento é parte de atividades alusivas ao Dia Internacional da Mulher, celebrado segunda-feira (8). “A Lava Jato foi uma conjunção de esforços em que a mídia teve um papel muito importante. Essas figuras públicas terão seu acerto de contas, mas a mídia não. A mídia não irá a tribunal algum. Mas que sirva para uma reflexão importante”, diz Tereza.
O aquário e a redação
Para ela, as redações perderam sua pluralidade, a diversidade de pensamentos. “Terrível é quando o aquário e a redação começam a pensar a mesma coisa”, comenta. Aquário é antigo jargão usado para designar o local onde costumam ficar as chefias, geralmente em uma sala envidraçada.
Mas o que ela chama de “processo de transfiguração da imprensa brasileira” não começa na Lava Jato, observa Tereza, mas em 2003, primeiro ano de mandato de Lula. E se aprofunda com a operação. “Muitos processos contra o ex-presidente Lula nascem na imprensa.” Segundo a jornalista, havia uma “sintonia fina” entre matérias que eram produzidas e o uso desse conteúdo por parte dos procuradores.
Debate político salutar
Cristina Serra, que antes de se tornar um rosto conhecido na TV Globo (da qual saiu em 2018, após 26 anos) passou por redações como as do Jornal do Brasil e da revista Veja, também apontou as transformações nesses locais de trabalho. Na passagem da ditadura para a democracia, diz, “as redações tinham uma efervescência de debate político extremamente salutar, de muito respeito”. Os profissionais separavam suas convicções do trabalho jornalístico. Em certa medida, o “reportariado” pressionava as chefias em determinadas coberturas, buscando certo equilíbrio. Sem nunca perder de vista que as empresas de comunicação tinham (e têm) donos, com interesses próprios.
Atual colunista da Folha de S.Paulo, Cristina dá o exemplo da cobertura durante o escândalo de corrupção no governo Fernando Collor e seu tesoureiro Paulo César (PC) Farias, no início dos anos 1990. “A investigação e o próprio impeachment foi todo abastecido por material produzido pela imprensa. A imprensa produziu sua investigação, com total independência dos órgãos públicos”, lembra. “Na Lava Jato, os jornalistas foram comer na mão dos procuradores e se sujeitaram aos objetivos políticos desses procuradores. Foram usados. Todo o timing dos vazamentos, isso tudo feito com parceria da imprensa.”
“Jornalismo de acesso”
Casos extremos do que se passou a chamar “jornalismo de acesso”. Aquela atitude em que o profissional sacrifica sua independência para ter acesso privilegiado a determinadas fontes. Abrindo mão, por vezes, da necessária checagem de informações ou tolerando excesso no procedimento de autoridades.
Houve engajamento também, por propósitos político-ideológicos, lamenta a jornalista. “É uma coisa que fere muito a dignidade da profissão. A Lava Jato não teria tido a repercussão que teve sem a participação da mídia. Ele (o ex-juiz Sergio Moro) virou uma espécie de ‘prendo e arrebento’ do Poder Judiciário.” O termo foi cunhado por João Figueiredo, último general-presidente da ditadura, que deixou o poder em 1985. “Alguns jornalistas poderiam ter insistido mais em aprofundar a cobertura.” Por outro lado, ela acredita que Moro e operação começaram a “derreter” também a partir do trabalho da imprensa.
Sem autocrítica e autoritária
Outro problema, acrescenta Cristina, é o fato de a mídia brasileira ser “muito ruim de autocrítica”. Levou, por exemplo, quase 50 anos para fazer uma reflexão sobre seu papel no golpe de 1964. Tanto ela como Tereza Cruvinel lembraram do debate, que não foi adiante, sobre a necessidade de uma agência de regulação no setor. Algo que nada tem a ver com censura a conteúdo, mas diz respeito a tema como o da concentração econômica. Em poucas mãos, o veto à chamada propriedade cruzada (um mesmo grupo possuir diversos meios de comunicação).
“A imprensa brasileira tem o DNA autoritário”, diz Cristina. “Conexões com o poder muito visíveis durante décadas, que se beneficiaram de uma série de coisas.” “Eu considero que é papel do jornalista confrontar esse poder internamente. Abrir as brechas. (Fazer uma) leitura política interna da empresa onde ele trabalha, como manter sua integridade profissional, ética.”
Casos extremos do que se passou a chamar “jornalismo de acesso”. Aquela atitude em que o profissional sacrifica sua independência para ter acesso privilegiado a determinadas fontes. Abrindo mão, por vezes, da necessária checagem de informações ou tolerando excesso no procedimento de autoridades.
Houve engajamento também, por propósitos político-ideológicos, lamenta a jornalista. “É uma coisa que fere muito a dignidade da profissão. A Lava Jato não teria tido a repercussão que teve sem a participação da mídia. Ele (o ex-juiz Sergio Moro) virou uma espécie de ‘prendo e arrebento’ do Poder Judiciário.” O termo foi cunhado por João Figueiredo, último general-presidente da ditadura, que deixou o poder em 1985. “Alguns jornalistas poderiam ter insistido mais em aprofundar a cobertura.” Por outro lado, ela acredita que Moro e operação começaram a “derreter” também a partir do trabalho da imprensa.
Sem autocrítica e autoritária
Outro problema, acrescenta Cristina, é o fato de a mídia brasileira ser “muito ruim de autocrítica”. Levou, por exemplo, quase 50 anos para fazer uma reflexão sobre seu papel no golpe de 1964. Tanto ela como Tereza Cruvinel lembraram do debate, que não foi adiante, sobre a necessidade de uma agência de regulação no setor. Algo que nada tem a ver com censura a conteúdo, mas diz respeito a tema como o da concentração econômica. Em poucas mãos, o veto à chamada propriedade cruzada (um mesmo grupo possuir diversos meios de comunicação).
“A imprensa brasileira tem o DNA autoritário”, diz Cristina. “Conexões com o poder muito visíveis durante décadas, que se beneficiaram de uma série de coisas.” “Eu considero que é papel do jornalista confrontar esse poder internamente. Abrir as brechas. (Fazer uma) leitura política interna da empresa onde ele trabalha, como manter sua integridade profissional, ética.”
Concessão e concentração
Assim, citando a Globo como exemplo, a jornalista observa que o noticiário não se altera nos telejornais da emissora, “a ponto de você ver matérias de repórteres diferentes repetindo o texto do repórter anterior”. No caso de TV e rádio, Cristina lembra que a discussão sobre conteúdo é mais do que necessária, por se tratar de concessões públicas. “A raiz do problema está na extrema concentração do controle da mídia”, reforça.
Integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Carol Proner comentou a decisão de anular os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. e o julgamento sobre a suspeição de Moro pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para ela, o ex-juiz mostrou “evidente, ululante” parcialidade em seu trabalho na 13ª Vara Federal de Curitiba. “Razões não faltam para a suspeição”, afirma. “Na verdade, Sergio Moro significa a degradação do poder judicial.”
Além disso, os diálogos que foram sendo divulgados a partir da chamada “Vaza Jato” revelam o que Carol chamou de “degradação” do sistema de justiça. Tendo como uma das consequências o desenvolvimento de uma “cultura lava-jatista” na Justiça e na cobertura jornalística. Uma “aliança bem ajustada com setores da mídia”, incluindo notícias “espetaculosas” que comprometem o processo legal, atacam governos considerados indesejáveis e promovem a “antipolítica”. Atitudes que normalizam, em certa medida, condutas autoritárias.
Jornalismo e “mercado”
O debate constatou que a simples notícia de que Lula recuperou seus direitos políticos foi uma demonstração de que a mídia não mudou desde a Lava Jato. E isso pode se repetir nas eleições do anos que vem. O noticiário ainda se pauta pelas reações do chamado “mercado”. “Isso é uma doença. Não é isso que deve nos pautar como sociedade. Não pode ser esse o ângulo principal de cobertura da imprensa. Isso é uma distorção grave”, critica Cristina Serra.
Da mesma forma, não se pode falar em polarização entre “extremos” na possível disputa eleitoral. Trata-se de uma falsa equivalência, observa a jornalista. “Extremista só tem um. Do outro lado temos candidatos de esquerda, de centro-esquerda. Esse é um dilema falso, mas que vai se reproduzir, infelizmente, em 2022”, lamenta.
O debate constatou que a simples notícia de que Lula recuperou seus direitos políticos foi uma demonstração de que a mídia não mudou desde a Lava Jato. E isso pode se repetir nas eleições do anos que vem. O noticiário ainda se pauta pelas reações do chamado “mercado”. “Isso é uma doença. Não é isso que deve nos pautar como sociedade. Não pode ser esse o ângulo principal de cobertura da imprensa. Isso é uma distorção grave”, critica Cristina Serra.
Da mesma forma, não se pode falar em polarização entre “extremos” na possível disputa eleitoral. Trata-se de uma falsa equivalência, observa a jornalista. “Extremista só tem um. Do outro lado temos candidatos de esquerda, de centro-esquerda. Esse é um dilema falso, mas que vai se reproduzir, infelizmente, em 2022”, lamenta.
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