Capa do 'Libération' de 15/4 (Reprodução) |
Quando diferentes atores se uniram à mídia, em 2016, para afastar a presidente Dilma Rousseff, num processo de impeachment sem crime de responsabilidade, abriu-se a caixa de Pandora.
Nos cinco anos que se passaram, o país não parou de correr em direção ao abismo.
Agora, o mundo está em estado de alerta para o “risco Brasil”.
O país se tornou uma prisão a céu aberto para 215 milhões de brasileiros que não têm o direito de sair do país pois se tornaram um perigo para o resto da humanidade.
Em matéria de capa, o jornal Libération desta quinta-feira, 15 de abril, fez o relato do horror sanitário resumido na manchete « Covid-A tragédia brasileira ». O subtítulo sintetizava a matéria de quatro páginas.
"3000 mortos por dia em média e uma gestão catastrófica da crise pelo presidente Bolsonaro: a epidemia está fora de controle no país, atingido por um variante muito virulento. Motivo de alarme para todo o planeta".
"Suicida" é o título do editorial do Libération, que alerta para a « tragédia brasileira ». Com cerca de 4 mil mortos por dia e uma ausência de política nacional de combate à pandemia, o Brasil é visto como um suicida que deliberadamente busca a morte.
"Por trás da catástrofe nacional no Brasil há um homem, seu presidente Jair Bolsonaro, personificação extrema do populismo de direita, que consistia até poucos meses a relativizar a pandemia de Covid-19, depois a ridicularizar os portadores de máscaras e, enfim, em duvidar da urgência da vacinação", escreve o diretor de redação Dov Alfon. "E 358 mil mortos mais tarde já é tarde demais : o Brasil tornou-se um pária em nível mundial, visto como uma fábrica gigante de variantes desconhecidos dirigida por um irresponsável".
Dov Alfon não tem medo de “chamar de gato um gato”, como se diz em francês. Ele lembra, ainda, que o país é uma bomba-relógio e que deixá-lo sozinho não é uma opção. O editorial conclui: “O país tem certamente o potencial de superar a crise, com sua história heroica e um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Então, como ajudar um amigo que tem tendências suicidas? Com paciência, sem dúvida, mas também com muita firmeza".
Problema para a comunidade internacional
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, entrevistado pelo jornal, diz que hoje, o Brasil não é mais somente uma ameaça para os brasileiros : tornou-se um problema para toda a comunidade internacional". Nicolelis pensa que a pandemia não será controlada no mundo enquanto não for controlada no Brasil.
A questão é saber se o « irresponsável » que dirige o país quer continuar a matança.
A correspondente do jornal, Chantal Rayes, fez uma viagem a Araraquara, cidade do interior de Säo Paulo. Ela relata que o prefeito Edinho da Silva, do PT, decidiu fazer um confinamento estrito de excelentes resultados. Há um mês e meio não há mortos na cidade de 240 mil habitantes. E alguns leitos de hospitais puderam ser ocupados por doentes vindos das cidades vizinhas.
"Bolsonaro sabia o que se anunciava no Brasil, poderia ter tomado iniciativas, convocado a indústria para aumentar a produção de oxigênio e de medicamentos necessários à intubação. Ele não fez nada", diz o prefeito a Libération.
Mentiras do embaixador
No dia 6 de abril, somente 2,4% dos brasileiros tinham sido vacinados com as duas doses, o que coloca o país em 56° lugar entre os que estão em campanha de vacinação.
Nada a ver com os números citados pelo embaixador brasileiro em Paris, Luis Fernando Serra, em duas entrevistas a BFMTV. Todas as informações dadas pelo embaixador eram falsas. Sobre a decisão do STF de dar aos prefeitos e governadores o poder de adotar o confinamento ou não, ele ocultou o fato de que seu presidente sempre se declarou contra qualquer confinamento em qualquer cidade. E segue enviando os brasileiros ao trabalho como gado ao matadouro.
Para esclarecer as falsas informações veiculadas pelo embaixador, o coletivo de brasileiros Alerta França Brasil/MD18 enviou a BFMTV na quinta, 15 de abril, uma nota de repúdio "contra as mentiras do Embaixador do Brasil na França".
A nota diz : "Não contente em negar a tragédia sanitária sem precedentes, em curso no país, com uma média diária de quase 4 mil mortos, ele teve o desplante de afirmar que estamos entre os que mais vacinam no mundo. Com tal afirmação, Serra quis passar a falsa mensagem de que a campanha de vacinação seria uma iniciativa do presidente, quando na verdade, com a sua necropolitica negacionista e criminosa, ele é o principal responsável pelas mais de 350 mil vitimas fatais registradas até hoje. Todos sabem que, além de promover o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da doença, o chamado “Kit Covid”, contrariando reiteradas recomendações da OMS, Bolsonaro recusou propostas de aquisição de vacinas, feitas em agosto de 2020, pela Pfizer e outros laboratórios. Também se opôs a operacionalizar medidas de restrição e circulação de pessoas e atividades comerciais, conforme aconselhado por especialistas da área médica".
O mesmo coletivo Alerta França Brasil/MD18 se aliou a outro coletivo de brasileiros residentes na França, Ubuntu Audiovisual, para realizar, dia 4 de abril, um protesto diante da Embaixada em Paris contra o governo de Jair Bolsonaro. Os manifestantes colocaram na fachada do prédio faixas em francês “Genocide, de 300 mille morts » e “Dictature plus jamais”.
Le Monde e o envolvimento americano na Lava Jato
No fim de semana anterior à matéria do Libération, o jornal Le Monde publicou uma reportagem de investigação extremamente precisa e com revelações inéditas sobre o envolvimento dos Estados Unidos na formação de procuradores e do juiz Sérgio Moro.
"Justiça, a armadilha brasileira" era o título da reportagem da edição de 11 e 12 de abril. O trabalho de investigação primoroso ocupou vários meses do jornalista Nicolas Bourcier e de Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e das Caraíbas no prestigioso Institut d’Études Politiques de Paris (Sciences Po).
O "Le Monde » presta agora um grande serviço à História e à democracia, ao publicar essa investigação de precisão cirúrgica. O jornal havia feito algumas derrapadas graves como o editorial « Brésil : Ceci n’est pas un coup d’État" (Brasil : Isto não é um golpe de Estado), publicado em 30 de março de 2016, no qual denunciava uma "retórica duvidosa" utilizada pela presidente Dilma Rousseff e por seu predecessor, o presidente Lula, que qualificavam o impeachment de golpe de Estado.
No texto de Bourcier e Estrada, fontes americanas e brasileiras reconstituem a intervenção dos Estados Unidos na construção da operação Lava Jato, com as consequências nefastas que todos conhecemos : o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a prisão de Lula, seu impedimento de concorrer à presidência e a eleição do capitão Jair Bolsonaro.
O texto diz em determinado momento : « A embaixada americana em Brasília tenta criar uma rede de especialistas locais para defender as posições americanas sem dar a impressão de ‘ser peões’ de Washington, escreve o embaixador americano Clifford Sobel, em telegrama diplomático que os autores da reportagem puderam ler”.
O melhor vem a seguir. Temos a impressão de estar lendo um livro de espionagem no qual um governo estrangeiro faz a cooptação e prepara a formação de um agente duplo :
"Sergio Moro, que colabora ativamente com as autoridades americanas no caso Banestado, é contatado para participar de um programa de encontros financiado pelo Departamento de Estado. Ele aceita. Uma viagem é organizada aos Estados Unidos em 2007, durante a qual faz uma série de contatos no FBI, no Departamento de Justiça e no Departamento de Estado".
A longa reportagem do Le Monde é leitura obrigatória para historiadores, jornalistas e políticos que buscam compreender os meandros da Lava Jato e como esta suposta operação anticorrupção está na origem da destruição de grandes empresas brasileiras, inclusive a Petrobras, e na escalada da degradação da soberania nacional.
* Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meireles, de "Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar" (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, a autora lançou "A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil: Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado". Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.
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