Por Ishaan Tharoor, no site Carta Maior:
Pelos últimos 50 anos, as comparações se escrevem sozinhas. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o ex-presidente Donald Trump foram farinhas do mesmo saco ultranacionalista. Ambos chegaram ao poder em uma onda de raiva anti-establishment. Ambos exultavam em suas reputações de dissidentes bocudos e politicamente incorretos. Ambos exploraram a guerra cultural da direita, enquanto adotavam políticas que ajudaram a impulsionar um punhado de elites ricas e erodir esforços internacionais sobre a mudança climática. Ambos se atrapalharam enquanto a pandemia do coronavírus ceifava centenas de milhares de vidas em seus países.
E quando encarados pela reeleição, ambos escolheram se alarmar com supostas fraudes e levantaram dúvidas sobre a integridade dos processos democráticos das suas nações. Trump continua a fazer isso, mesmo fora do cargo. Bolsonaro, que está caindo nas pesquisas para a próxima eleição presidencial, está essencialmente lendo o roteiro de Trump.
Nos últimos meses, Bolsonaro se enfureceu contra o sistema eletrônico de votação brasileiro, divulgando alegações não embasadas de fraude eleitoral. Ele quer avançar medidas que exigiriam que as máquinas eletrônicas imprimissem recibos de papel das urnas, que, segundo ele, tornaria a votação mais transparente. Se essas medidas não passarem, ele avisou no mês passado, ele e seus apoiadores podem não aceitar os resultados eleitorais de outubro 2022.
“A ideia parece inocente o suficiente, mas especialistas dizem que é um absurdo”, observou Frida Ghitis em um artigo de opinião no Washington Post. “Ex e atuais juízes do Supremo Tribunal Federal que estão no tribunal eleitoral, bem como diversos comentadores políticos, acreditam que Bolsonaro quer o voto impresso como uma maneira de desencadear uma enxurrada de alegações de fraude, parecidas com os inúmeros processos e recontagens empreendidos por Trump e seus apoiadores.”
Até agora, a evidência de Bolsonaro de uma possível fraude não existe. O Brasil também realizou, com sucesso, auditorias eleitorais conduzidas com máquinas eletrônicas no passado. Seus ataques à essas agências vieram à tona na semana passada, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançaram investigações sobre suas declarações, sugerindo que o presidente poderia ser culpado de abuso de poder, uso impróprio dos canais oficiais de comunicações, e diversos outros crimes em potencial. Insubmisso, Bolsonaro ainda chamou Luís Roberto Barroso, o juiz que é chefe do TSE e que também está no STF, de “filho da puta”.
“Manchar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias da conspiração é antidemocrático”, respondeu Barroso.
Críticos argumentam que o presidente, como Trump, está tentando espalhar dúvidas em torno da próxima eleição, antecipando uma derrota em potencial. Não é uma situação surpreendente tendo em vista a explícita admiração do líder demagógico pela ditadura militar. Na terça, seu governo encenou um desfile militar em Brasília em um aparente show de força enquanto legisladores no Congresso Nacional se preparavam para votar uma lei exigindo que as máquinas eleitorais imprimissem recibos eletrônicos.
A proeza, envolvendo uma procissão de veículos armados e, ao menos, um tanque, foi recebida com zombaria generalizada e indignação nas redes sociais brasileiras. “Ridículo. Grotesco. Patético. Desnecessário. Coisa de república de bananas”, tuitou Brunno Melo, jornalista de Brasília.
“É inacreditável...a única explicação é que estão tentando convencer o Congresso de que precisam de mais dinheiro para equipamento”, observou José Roberto de Toledo, jornalista político da Revista Piauí, de acordo com o The Guardian. “Nunca nos meus sonhos mais loucos eu poderia imaginar que eles seriam capazes de fazer algo tão patético.”
A Câmara rejeitou a proposta do voto impresso na terça à noite.
Mas a atmosfera que prevalece não é piada. Bolsonaro possui apoio considerável das forças de segurança do país e inúmeros ex-militares (o próprio presidente foi um capitão do exército) estão em postos políticos importantes. Conversas sobre um possível golpe podem ser exageradas, mas Bolsonaro possui um longo histórico de falar sobre medidas a serem tomadas fora dos limites da Constituição brasileira e também uma massa importante de apoiadores que aplaudem tal retórica politicamente perigosa.
“A situação é extremamente preocupante no Brasil”, disse Marcos Nobre, notório cientista político da UNICAMP, aos meus colegas no mês passado. “É muito, muito grave o que está acontecendo aqui.”
Na sexta, o importante jornal Folha de S. Paulo publicou um editorial na primeira página que descrevia Bolsonaro como sendo um “presidente contra a constituição” e alertou que “ele comete loucuras em série no seu voo em direção à tirania e deve ser parado pela lei que despreza”.
O forte impacto da pandemia do coronavírus e uma economia enfraquecida derrubaram as taxas de aprovação de Bolsonaro. Pesquisas recentes mostram-no atrás do seu principal competidor, o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, por 20 pontos. Sua postura atual pode refletir um certo nível de desespero.
“Poucos pensam que Bolsonaro teria qualquer chance de anular uma eleição”, meus colegas escreveram recentemente. “Na realidade, dizem analistas, sua retórica revela sua fraqueza política. Suas taxas de aprovação sofreram baixas históricas. O coronavírus matou mais de 545.000 brasileiros, e congressistas estão investigando a resposta não intervencionista do governo à pandemia. Ele está sendo investigado em relação às alegações de que falhou em reportar suspeições de corrupção governamental na compra da vacina indiana.”
A administração Biden, enquanto isso, tomou uma atitude bem mais fria com relação a Bolsonaro do que a sua antecessora. Em uma visita ao Brasil na semana passada, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, aparentemente alertou aos brasileiros que não perturbassem as eleições em seu país. “Fomos muito diretos, expressando grande confiança na capacidade das instituições brasileiras de conduzir uma eleição livre e justa com as garantias adequadas estabelecidas e garantias contra fraude”, disse Juan Gonzalez, diretor sênior do Conselho Nacional de Segurança para o hemisfério ocidental, aos repórteres em uma coletiva na segunda. “E salientamos a importância de não comprometer a confiança nesse processo, especialmente desde que não existiram sinais de fraude nas eleições anteriores.”
Bolsonaro não organizou uma resposta pública. Mas seu filho, Eduardo Bolsonaro, que também é político, fez um tuíte em apoio a Trump na segunda, repleto de imagens suas junto com o ex-presidente dos EUA. Em sua mensagem, ele celebrou “a convergência de ideais” partilhados por tais “homens de reputação ilibada e autoridade moral” no Brasil e nos EUA. Muitos opositores em Brasília e em Washington discordam.
* Publicado originalmente no jornal 'Washington Post'. Tradução de Isabela Palhares.
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