sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Entre o boquirroto e o estrategista

Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:


O governo de Jair Bolsonaro tem muitos defeitos, tanto políticos quanto éticos. Mas é na educação que seu projeto destrutivo vem se estabelecendo de forma mais sistemática. O que é negacionismo em algumas áreas e defesa de interesses econômicos em outras, é desmonte programado na educação.

Há um duplo jogo no bolsonarismo: a ganância dos ganhos imediatos e a construção de bases para se manter no poder. O que é terra arrasada no meio ambiente e nos direitos trabalhistas, por exemplo, se traduz em absoluto cuidado em desmontar a crítica, afrontar a inteligência e estabelecer um ambiente propício ao autoritarismo.

O atual ministro, o pastor Milton Ribeiro, sintetiza tudo de pior que o sistema bolsonarista expressa: ultraconservadorismo olavista, militarização na forma e conteúdo, destruição dos avanços conquistados historicamente pelo setor e crueldade humana. E olha que ele vem em sequência a um time formado por nomes como o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub. Para o ex-capitão, nada é tão ruim que não possa piorar.

Nos últimos dias, Milton Ribeiro se destacou por pelo menos duas afirmações absurdas sobre a área pela qual responde. Na primeira, disse que a universidade não é para todos, defendendo um misto de elitismo e incompreensão do papel transformador da educação. Na segunda declaração, durante uma entrevista na TV pública, criticou o que definiu como “inclusivismo”, afirmando que alunos com deficiência “atrapalham a aprendizagem” dos colegas.

São afirmações tão estapafúrdias que merecem mais desprezo que contestação. No entanto, é preciso entender que não se trata de uma estupidez eventual do ministro, mas da defesa de um programa bem estruturado. O pastor não é apenas reacionário e desinformado, mas protagonista ativo de uma política educacional desenhada pelos valores do neofascismo estrutural que ele representa.

Tudo que Vélez Rodriguez e Weintraub fizeram, nesse sentido, não passaram de ensaios para a atuação mais estratégica e de longo prazo de Ribeiro. O colombiano se perdeu em bobagens como exigir que se filmassem os alunos cantando hinos e declamando dísticos bolsonaristas nas escolas. Aceitou corte de verbas, atacou a independência das universidades e nomeou apenas reitores alinhados com o governo.

Weintraub apareceu mais. Vociferou nas redes sociais, demonstrou incompetência gerencial na condução dos exames nacionais, atacou as universidades e suas pesquisas, bateu boca com estudantes e alimentou o folclore da ignorância. Não tinha estofo para ideólogo, mas vocação para o ridículo. Dançou em vídeos patéticos, bancou o revoltado contra o STF em reunião ministerial para aparecer para o chefe, publicou textos eivados de erros. Ganhou a sinecura que fez por merecer.

Milton Ribeiro é mais perigoso

Milton Ribeiro, o ministro de plantão, é mais perigoso. Ele tem levado adiante o propósito de desmontagem da educação pública por meio do receituário ultraconservador. Sob sua gestão, sem o mesmo apelo midiático, o plano foi posto para andar em modo acelerado. Em plena pandemia do corononavírus, o setor da educação foi o que mais cortes registrou no orçamento federal. O contingenciamento de verbas inviabilizou o ensino e as pesquisas, inclusive na área de saúde pública.

Ainda na mesma linha contraintuitiva, face à emergência sanitária que impactou o ensino presencial, o governo atacou projetos de incentivo a ampliação da internet e de distribuição de dispositivos digitais para alunos de baixa renda, sob o argumento que não é atribuição do MEC atuar contra as desigualdades sociais. O presidente, mesmo com suas diferenças com o Judiciário, não pensou duas vezes em apelar para o STF para barrar o projeto. Contra a educação, vale tudo.

As listas tríplices para indicação de reitores de universidades públicas vêm sendo preteridas e o ministro tem sempre criticado a ocupação de cargos de confiança nas instituições de ensino e pesquisa por “esquerdistas e petistas”, reafirmando seu propósito de indicar gestores alinhados ideologicamente com o governo. O que é atentado contra a autonomia universitária se traduz para como fidelidade programática. Ou simplesmente atestado de subserviência.

Além disso, o pastor está à frente de programas como a escola sem partido, por meio da defesa da lei da mordaça para professores e, sobretudo, do incentivo à educação domiciliar, o maior ataque ao papel socializador e crítico da escola na sociedade. Expressão de uma ideologia conservadora familialista, autoritária e individualista, se soma às várias experiências de educação militarizada que vêm sendo oferecidas a estados e municípios.

A saga desconstrutivista segue com a ocupação do ministério por militares sem qualquer formação ou experiência no setor, o mesmo crime de lesa-serviço-público observado na saúde. O crescimento de militares em funções técnicas no MEC cresceu quase 600% sob a administração do reverendo, sendo que pouco mais de um terço deles tem formação na área. Um ministério militarizado e sem educação.

O pastor-ministro não tem amor ao próximo, como mostrou em sua declaração mais recente sobre a presença de pessoas com deficiência nas salas de aula. O que é um problema de sua igreja e de seus seguidores.

O ministro-pastor não entende de educação como prática democrática, inclusiva e libertadora. E este é um problema de todos. Principalmente quando, a partir do governo federal, essas diretrizes se espalham para estados e municípios como indicativo de políticas públicas.

Tudo que era patético no fanfarrão Weintraub é calculado no insosso Ribeiro. O estrategista é mais perigoso que o boquirroto.

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