quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Ao mentir na ONU, Bolsonaro fica ainda menor

Editorial do site Vermelho:


Não convinha nutrir expectativas elevadas com o discurso de Jair Bolsonaro, na sessão de abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira (21), em Nova York (EUA). Mas era razoável supor que o presidente brasileiro dificilmente conseguiria sair das Nações Unidas menor do que entrou, haja vista a rejeição já recorde a seu governo, a crise generalizada no Brasil e a imagem tão deteriorada do País na comunidade internacional.

Pois Bolsonaro conseguiu! Ao tentar edulcorar a realidade brasileira, à base de inverdades, distorções e até teorias da conspiração, ele acabou por produzir o efeito inverso. Seu pronunciamento expôs o Brasil a mais um vexame e aprofundou o derretimento do próprio presidente, que sairá da ONU como um político ainda mais minúsculo e desprezível.

Por tradição, o representante do Brasil faz o discurso de abertura na assembleia. Justamente por isso, espera-se que o orador inaugural se pronuncie, em algum momento, sobre o cenário internacional, ainda mais num contexto de pandemia, com profunda repercussão sanitária, econômica e social. Mas Bolsonaro optou por usar a tribuna das Nações Unidas para fazer proselitismo política de extrema-direita, exaltar o negacionismo e, simplesmente, mentir, com o único objetivo de agradar sua base política e social.

Em 12 minutos de fala na ONU, o presidente mentiu, distorceu ou descontextualizou dados sobre política, economia, meio ambiente, pandemia de Covid-19 e outros temas. Para o gosto dos bolsonaristas mais radicais, o mandatário procurou apresentar-se tal qual um salvador da pátria. Conforme seu discurso lunático, ele teria assumido o governo quando o Brasil estava “à beira do socialismo” e teria recuperado “a credibilidade externa” do País.

“Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os emergentes”, declarou Bolsonaro. Um ranking recente da Austin Rating põe o Brasil no 38º lugar entre 48 maiores economias do mundo no segundo trimestre de 2020 – e o País perde de todos os emergentes.

A terra governada por Bolsonaro também seria, a crer na peroração presidencial, “um dos melhores destinos para investimentos”. Quem nos dera! Ford, Sony, Roche, Walmart, Eli Lilly, Cabify e LafargeHolcim estão entre as multinacionais desistiram recentemente do Brasil, com Bolsonaro assentado no Planalto e a desindustrialização em marcha. Apenas o setor financeiro se regozija do projeto ultraliberal de Bolsonaro, que renunciou até à estratégia de juros baixos e tem elevado a taxa básica de juros (Selic) a cada reunião do Copom (Comitê de Política Monetária).

Ademais, os números da economia brasileira são aterrorizantes. A inflação acumulada em 12 meses está próxima dos dois dígitos. Mesmo com o avanço da vacinação, o Brasil tem 20 milhões de trabalhadores sem trabalho, entre desempregados e desalentados. Os índices de miséria e fome avançam. As poucas medidas anticrise efetivadas partem da oposição, como o auxílio emergencial aprovado no Congresso no começo da pandemia.

Mas, no palanque da ONU, Bolsonaro se postou como pai do benefício e disse que pagou “US$ 800 dólares para 68 milhões de pessoas em 2020”. Esperto, ele dividiu o orçamento do auxílio no ano passado (R$ 293,1 bilhões) pelo número de beneficiados, o que resulta em R$ 4,3 mil (ou US$ 813). É como se Bolsonaro dissesse que o brasileiro recebe R$ 13.200 (ou US$ 2.500) de salário mínimo – o valor-base de R$ 1.100 multiplicado por 12 meses.

Até aí, porém, é possível falar em informação fora de contexto, embora o desejo de confundir seja claro. Só que Bolsonaro dedicou boa parte do discurso à manipulação de dados sobre dois temas que o transformaram, nos últimos anos, em pária internacional: o meio ambiente e a pandemia. Nesses assuntos, sobraram fake news.

Enquanto a CPI da Covid no Senado e o Ministério Público revelam o caso Prevent Senior – que forçou médicos a receitar “kits Covid” ineficazes e causou a morte de pacientes –, Bolsonaro defendeu, uma vez mais, o criminoso tratamento precoce. “Não entendemos por que muitos países se posicionaram contra o tratamento inicial”, tergiversou o presidente, que também reafirmou sua contrariedade ao “passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina”. Infelizmente, o presidente não tirou lição nenhuma das mais de 591 mil mortes por Covid no Brasil.

Sobre meio ambiente, Bolsonaro disse que, na Amazônia, houve “redução de 32% do desmatamento no mês de agosto, quando comparado ao ano anterior”. Conforme o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônica (Imazon), o desmatamento amazônico, na realidade, cresceu 7% entre agosto de 2020 e agosto de 2021. “O mesmo presidente que negligencia a crise climática, as queimadas no Cerrado e na Amazônia, hoje tentou vender a imagem de um bom mandatário e retratou um país que não existe”, ironizou, no Twitter, o Greenpeace Brasil.

Difícil acreditar que o objetivo de Bolsonaro tenha sido um pouco mais do que mimar sua base. Fora dos arcos bolsonaristas, como era previsível, a reação foi de repúdio. De acordo com Jamil Chade, colunista do UOL, as delegações estrangeiras na ONU receberam com “indignação” e “decepção” o discurso do presidente brasileiro, que já estava sob “descrédito completo” e “afundou o País num isolamento ainda maior. Nas redes sociais, abundaram hashtags como #BolsonaroMente e #BolsonaroVergonhadoBrasil.

Também a grande mídia estrangeira, por regra, desmentiu e desmascarou Bolsonaro. “O presidente do Brasil liderou uma das respostas mais criticadas do mundo à pandemia”, lembrou, por exemplo, o The New York Times. O Brasil sob o governo o Bolsonaro foi “devastado pelo novo coronavírus” e “fustigado pelos incêndios na Amazônia”, agregou a rede CNN.

A pesquisa Datafolha de 13 a 15 de setembro, segundo a qual 53% dos brasileiros consideram a gestão bolsonarista “ruim” ou “péssima”, pode não ser o indicador do “fundo do poço” para o presidente. O recuo feito por Bolsonaro após seus atos golpistas de 7 de Setembro foi fogo fátuo, já devidamente apagado pela língua de um governante a serviço de um projeto de destruição nacional. O mundo não engole mais Bolsonaro e torce por sua substituição. Aos brasileiros, cabe a missão de tirá-lo do cargo para garantir a vigência da democracia, a reconstrução nacional e esperança para o povo.

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