A cidade na encruzilhada da história/Mike Alewitz |
Um debate recorrente na história do PCdoB diz respeito ao papel da classe trabalhadora no programa dos comunistas e na realidade política nacional. Nunca será demais lembrar que o Partido Comunista é, por definição, um partido classista, o partido da classe trabalhadora, orientado pela teoria marxista-leninista.
Nosso objetivo final é o comunismo – a fase mais avançada do socialismo, caracterizada pelo fim da exploração de um ser humano por outro, bem como da divisão social do trabalho e das próprias classes sociais. O sujeito da transformação histórica que vai conduzir a humanidade nesse rumo é a classe trabalhadora. Esses são fundamentos básicos da nossa ideologia, que conformam a identidade comunista e não podem ser desprezados. É nosso dever reiterá-los e renová-los.
Presenciamos uma grave crise do sistema capitalista em todo o mundo e no Brasil. É fato que as crises são uma rotina nesse modo de produção. Mas o que vemos hoje não se compara às crises cíclicas decorrentes da superprodução de mercadorias. É mais grave. Entrelaçado à anemia econômica e à hipertrofia financeira, observa-se o esgotamento da ordem capitalista internacional liderada pelos Estados Unidos. Disto deriva uma crise geopolítica que põe o mundo num processo de transição para uma nova ordem mundial, que ainda está longe de um desfecho. O contraponto aos EUA é a China, socialista.
Não se deve esperar uma solução progressista para a crise nos marcos do capitalismo. É notório o acirramento da luta de classes e da polarização social e política. Compreende-se, nesse contexto, a emergência da extrema-direita, de matiz neofascista, que no Brasil chegou à Presidência da República com Jair Bolsonaro. Não é um fenômeno só brasileiro, mas mundial. O nazifascismo – que, no século passado, conduziu a humanidade à maior carnificina da história (2ª Guerra Mundial) – é o último recurso do capitalismo em crise. Agora é a expressão política da decomposição do neoliberalismo.
Para responder aos novos desafios da História, devemos repensar a centralidade política da classe trabalhadora, uma questão fundamental que não podemos relegar a uma profissão de fé abstrata. É necessária uma abordagem mais prática e concreta. Lênin nos ensinou que a consciência e o protagonismo classistas não brotam espontaneamente do movimento trabalhista. Requerem um trabalho diuturno de conscientização, mobilização e luta.
Conforme afirmou o eurodeputado João Pimenta, do PCP (Partido Comunista de Portugal), “não se trava o fascismo ignorando a luta de classes. Trava-se o avanço da extrema-direita organizando a luta dos trabalhadores pelos seus interesses, expondo a real natureza dessas forças e do sistema que as gera, as alimenta e as coloca no governo para afirmar da forma mais brutal o seu poder”. A classe trabalhadora deve liderar a frente ampla em defesa da democracia.
Não se pode ignorar que Bolsonaro chegou ao poder na carona do golpe de 2016, que foi, fundamentalmente, um golpe do capital contra o trabalho. O conjunto da burguesia brasileira, no campo e nas cidades, marchou junto na empreitada golpista, sob a liderança dos EUA. A mudança da política externa depois do impeachment, com o realinhamento servil aos EUA, a hostilidade anticomunista contra a China e o projeto de integração solidária da América Latina e do Caribe, foi o prêmio requerido e conquistado por Washington.
O golpe inaugurou uma política de restauração neoliberal que tem entre seus fundamentos a destruição dos direitos e conquistas trabalhistas arrancadas ao longo de uma luta multissecular. O governo Temer nos impôs uma reforma trabalhista nefasta, que flexibilizou a legislação, criou novas modalidades de contratação precárias (como o trabalho intermitente) e enfraqueceu o movimento sindical, abolindo sua principal fonte de financiamento.
O presidente golpista também ampliou o horizonte da terceirização, permitindo que alcançasse as chamadas atividades-fim. Coroou seu desastrado governo com o novo regime fiscal criado pela Emenda Constitucional (EC) 95, que impôs o teto de gastos para áreas sociais – um grande obstáculo à recuperação da economia nacional.
Bolsonaro ampliou a ofensiva contra nossa classe, com a reforma da Previdência, recorrentes tentativas de impor o contrato “verde e amarelo”, à margem da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), e o falso discurso de que o trabalhador deve escolher entre ter direitos ou ter emprego.
A ideologia neoliberal, refletindo a avidez do capital por mais-valia, advoga que a destruição do Direito do Trabalho e o arrocho dos salários são a saída para a crise que perturba o sistema. Tal ideia não corresponde à realidade. A história ensina que a valorização do trabalho, consagrada como princípio em nossa Constituição, é uma fonte de desenvolvimento. A política de valorização do salário mínimo fortaleceu o mercado interno e favoreceu a prosperidade econômica nos governos Lula e Dilma. O auxílio emergencial de R$ 600, atribuído aos trabalhadores e às trabalhadoras que perderam a fonte de renda na pandemia, reduziu a dimensão da queda do PIB em 2020.
Em sentido contrário, a destruição de direitos, o arrocho dos salários, o enfraquecimento do movimento sindical e a restrição dos investimentos públicos não resultaram em crescimento do PIB e do nível de emprego, como prometeram os apologistas do neoliberalismo. O resultado que se vê é o pesadelo da estagflação.
Os interesses da classe trabalhadora estão em harmonia com as necessidades de desenvolvimento nacional, com a democracia, com a soberania, com a Constituição. O mesmo já não se pode dizer dos interesses da burguesia.
A classe trabalhadora brasileira, unida e sob a liderança do Partido Comunista, é a força social e política interessada e capaz de transformar em realidade um Programa de Reconstrução do País, com a redução dos juros, o câmbio administrado, o combate à inflação, a revogação da EC 95 e a ampliação dos investimentos públicos. No mesmo curso se faz necessária a geração de empregos e renda; a reindustrialização da economia; a recuperação da engenharia nacional e da construção civil; a política de conteúdo local; o fim das privatizações; a defesa das empresas públicas; a renda mínima permanente; a soberania alimentar e energética; o fortalecimento da agricultura familiar; a reforma agrária; a preservação do meio ambiente e a defesa da Amazônia. Ainda, mais verbas para o SUS (Sistema Único de Saúde) e a Educação; reforma tributária progressiva; ampliação da oferta de crédito para micros, pequenos e médios produtores; e universalização dos serviços públicos.
Com isso, estaremos abrindo caminho para a agenda da classe trabalhadora por um novo projeto nacional de desenvolvimento, com soberania, democracia e valorização do trabalho, rumo ao socialismo. Os indicadores devem orientar a ação dos comunistas neste momento crítico para a ordem capitalista mundial.
* Adilson Araújo é presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil). Rene Vicente é presidente da CTB-SP, vice-presidente nacional da CTB e ex-presidente do Sintaema.
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