Arte: Miguel Paiva |
A entrada do ex-juiz Sérgio Moro na cena eleitoral está longe de ser uma simples articulação de uma terceira via numa disputa eleitoral polarizada entre o ex-presidente Lula e Jair Bolsonaro. O que está em curso, e é nítido e cristalino, é uma conspiração para tirar Bolsonaro do páreo.
O ex-capitão não tem nenhuma chance de vitória pela via eleitoral. Até as pedrinhas da Esplanada dos Ministérios sabem disso. Seu governo foi o mais desastroso da história deste país e ele deixou uma boa parte da população brasileira mendigando comida nas esquinas das ruas da classe média e da elite que bateram panelas pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e a prisão de Lula, em 2019. Sobrevive apenas com o apoio de uma massa radicalizada e militarizada.
Para se manter no poder, Bolsonaro só tem as armas: o lumpesinato fascista que ganhou direito a ter em casa um arsenal particular; as forças policiais, cujo apoio foi pago com aumentos de salários e de licença para matar pobres na periferia; e a militância das Forças Armadas, hoje totalmente comandada por oficiais companheiros de armas de Bolsonaro e doutrinados, como ele, por oficiais extremistas da ditadura de 1964 que ocupavam as cátedras das academias militares nos anos 70.
Bolsonaro, enfim, não é popular. Só tem a força bruta.
Judiciário, mídia, políticos que se dizem de centro e a elite política e empresarial, acostumados a conspirar juntos nesses momentos de crise – mais para barrar o avanço da esquerda do que propriamente para proteger a democracia –, deram passos em direção a uma alternativa a Bolsonaro desde o fim de 2021. Quando apareceu como candidato, do nada, no noticiário das grandes emissoras, Moro, o ex-juiz que fraudou a lei para prender Lula, foi tratado como a grande saída nacional pelos jornalistas e apresentadores – mesmo sem votos, sem carisma e sem experiência política.
Os testes de popularidade são feitos desde então, quando proliferaram as pesquisas de opinião com o nome de Moro incluído. O ex-juiz não emitiu até agora sinais de que tenha condições de ser um candidato viável para substituir Bolsonaro (não para ultrapassá-lo no primeiro turno e ir para o segundo, note-se bem, mas para substituí-lo na disputa com chances melhores de ganhar de Lula no segundo), mas se não for ele, arranja-se outro. O que está no centro da articulação é jogar todo peso do antipetismo cevado durante uma década e recursos financeiros e midiáticos num nome ungido por essas forças supostamente de centro (que não hesitaram em dar um golpe em 2016) com um pouco mais de chances de reverter o favoritismo de Lula nas urnas.
A operação atual, ao que tudo indica, é empurrar Bolsonaro contra a parede. O Supremo Tribunal Federal (STF) – que até ficar constrangido com a Vaza Jato deu asas para Moro praticar como quis a vergonhosa perseguição contra Lula e o PT – e o Superior Tribunal Eleitoral (TSE) mantêm à mão processos contra Bolsonaro e seus filhos. Estão lá. Podem ser julgados a qualquer momento. Mesmo com o reforço no plenário de dois ministros nomeados pelo atual governo, os constantes ataques de Bolsonaro ao STF tornam o tribunal um ambiente absolutamente hostil a ele e à sua família.
Bolsonaro vai perder a eleição. Em situações normais de temperatura e pressão – sem golpe de Bolsonaro e militares ou só de Bolsonaro e milícias – será um político sem mandato com grandes chances de ir para a cadeia por crimes cometidos antes e durante o mandato. Se renunciar, poderá se candidatar a um cargo de deputado ou senador e ir se equilibrando com a imunidade parlamentar para evitar condenações. Teria voto para isso, não para ser presidente.
Poderá ainda se beneficiar de uma emenda que cria o senador vitalício – uma proposta que aparece e some desde 2001, quando a zelosa bancada tucana quis eternizar na política o então presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo segundo mandato terminaria em janeiro de 2003. A proposta torna senadores todos os ex-presidentes da República, por toda a vida deles, sem que eles tenham de pedir um único voto. Poderia ainda sair um acordo por debaixo dos panos para tornar mais leve o julgamento dos quatro filhos, todos eles susceptíveis de ir para a cadeia tão logo o prestígio do pai vá para o ralo junto com o seu mandato presidencial.
A incógnita dessa equação é a posição dos militares. Está claro que eles não planejam abandonar os despojos do verdadeiro assalto feito à máquina administrativa – hoje cerca de 5 mil cargos de alta remuneração na administração civil são ocupados por oficiais – nem parece ser intenção dos atuais generais aceitarem a volta do PT ao poder sem ao menos gritar – afinal, eles não conspiraram tanto na última década para isso. É difícil imaginar, por exemplo, que o general Augusto Heleno vá para casa, derrotado pelo PT, sem tentar dar ao menos um tiro. O que não está claro, nessa altura do campeonato, é se eles gostariam de manter a liderança de Bolsonaro num projeto de poder que consideram propriedade deles.
Se os militares querem reconhecimento público, o mar não está para peixe. O impacto sobre a imagem da instituição do desastre administrativo promovido pelo governo militar de Bolsonaro, do envolvimento de militares nos escândalos levantados pela CPI da Covid e da total condescendência com a incúria e os desatinos do atual governante foi muito alto.
E a cota de responsabilidade direta das Forças Armadas com a rápida degradação do país também é enorme: tiveram papel ativo no desastre ecológico da Amazônia; no apoio a madeireiros e garimpeiros para avançar sobre mata preservada; nas ameaças às instituições que questionavam a legitimidade dos atos de um louco de hospício por eles cegamente apoiado; na política de desinformação para aumentar o contágio da população pelo vírus da Covid (sem, contudo, deixarem de cuidar de suas tropas); no comando da Petrobras (que aumentou em cerca de 50% o preço do combustível somente no ano passado). Era deles o comando do Ministério da Saúde no período que mais morreram brasileiros vitimados por Covid.
Não é crível que movimentos de dois militares, nesta semana, contra o presidente e as diretrizes emitidas por ele, sejam atos isolados. Ocorreram pouquíssimas dissensões de militares em relação ao presidente e, note-se, nenhuma entre os que ficaram no governo e os que dele saíram. É como um balé: o grosso do corpo de baile se move nas posições de governo e alguns poucos fazem uma dança solo e saem do palco, mas o espetáculo é um só. Na linguagem militar, alguns deles fazem um desvio tático do governo para melhorar a imagem pública da instituição. Podem brigar com Bolsonaro, mas jamais entre si.
O presidente da Anvisa, o contra-almirante Antonio Barras Torres, rebateu com uma veemência inédita os ataques de Bolsonaro à aprovação da agência à vacinação infantil – a Anvisa é atacada desde o início da pandemia sem provocar a mesma reação do contra-almirante. O general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército, firmou protocolo exigindo vacinação para os militares que voltarem ao serviço presidencial. Bolsonaro brigou com ambos e os militares do Palácio do Planalto pela primeira vez não correram em seu socorro. Pode ser apenas um acaso, mas não seria sem razão, se os militares realmente quiserem mudar o seu representante no Planalto.
O ex-capitão não tem nenhuma chance de vitória pela via eleitoral. Até as pedrinhas da Esplanada dos Ministérios sabem disso. Seu governo foi o mais desastroso da história deste país e ele deixou uma boa parte da população brasileira mendigando comida nas esquinas das ruas da classe média e da elite que bateram panelas pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e a prisão de Lula, em 2019. Sobrevive apenas com o apoio de uma massa radicalizada e militarizada.
Para se manter no poder, Bolsonaro só tem as armas: o lumpesinato fascista que ganhou direito a ter em casa um arsenal particular; as forças policiais, cujo apoio foi pago com aumentos de salários e de licença para matar pobres na periferia; e a militância das Forças Armadas, hoje totalmente comandada por oficiais companheiros de armas de Bolsonaro e doutrinados, como ele, por oficiais extremistas da ditadura de 1964 que ocupavam as cátedras das academias militares nos anos 70.
Bolsonaro, enfim, não é popular. Só tem a força bruta.
Judiciário, mídia, políticos que se dizem de centro e a elite política e empresarial, acostumados a conspirar juntos nesses momentos de crise – mais para barrar o avanço da esquerda do que propriamente para proteger a democracia –, deram passos em direção a uma alternativa a Bolsonaro desde o fim de 2021. Quando apareceu como candidato, do nada, no noticiário das grandes emissoras, Moro, o ex-juiz que fraudou a lei para prender Lula, foi tratado como a grande saída nacional pelos jornalistas e apresentadores – mesmo sem votos, sem carisma e sem experiência política.
Os testes de popularidade são feitos desde então, quando proliferaram as pesquisas de opinião com o nome de Moro incluído. O ex-juiz não emitiu até agora sinais de que tenha condições de ser um candidato viável para substituir Bolsonaro (não para ultrapassá-lo no primeiro turno e ir para o segundo, note-se bem, mas para substituí-lo na disputa com chances melhores de ganhar de Lula no segundo), mas se não for ele, arranja-se outro. O que está no centro da articulação é jogar todo peso do antipetismo cevado durante uma década e recursos financeiros e midiáticos num nome ungido por essas forças supostamente de centro (que não hesitaram em dar um golpe em 2016) com um pouco mais de chances de reverter o favoritismo de Lula nas urnas.
A operação atual, ao que tudo indica, é empurrar Bolsonaro contra a parede. O Supremo Tribunal Federal (STF) – que até ficar constrangido com a Vaza Jato deu asas para Moro praticar como quis a vergonhosa perseguição contra Lula e o PT – e o Superior Tribunal Eleitoral (TSE) mantêm à mão processos contra Bolsonaro e seus filhos. Estão lá. Podem ser julgados a qualquer momento. Mesmo com o reforço no plenário de dois ministros nomeados pelo atual governo, os constantes ataques de Bolsonaro ao STF tornam o tribunal um ambiente absolutamente hostil a ele e à sua família.
Bolsonaro vai perder a eleição. Em situações normais de temperatura e pressão – sem golpe de Bolsonaro e militares ou só de Bolsonaro e milícias – será um político sem mandato com grandes chances de ir para a cadeia por crimes cometidos antes e durante o mandato. Se renunciar, poderá se candidatar a um cargo de deputado ou senador e ir se equilibrando com a imunidade parlamentar para evitar condenações. Teria voto para isso, não para ser presidente.
Poderá ainda se beneficiar de uma emenda que cria o senador vitalício – uma proposta que aparece e some desde 2001, quando a zelosa bancada tucana quis eternizar na política o então presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo segundo mandato terminaria em janeiro de 2003. A proposta torna senadores todos os ex-presidentes da República, por toda a vida deles, sem que eles tenham de pedir um único voto. Poderia ainda sair um acordo por debaixo dos panos para tornar mais leve o julgamento dos quatro filhos, todos eles susceptíveis de ir para a cadeia tão logo o prestígio do pai vá para o ralo junto com o seu mandato presidencial.
A incógnita dessa equação é a posição dos militares. Está claro que eles não planejam abandonar os despojos do verdadeiro assalto feito à máquina administrativa – hoje cerca de 5 mil cargos de alta remuneração na administração civil são ocupados por oficiais – nem parece ser intenção dos atuais generais aceitarem a volta do PT ao poder sem ao menos gritar – afinal, eles não conspiraram tanto na última década para isso. É difícil imaginar, por exemplo, que o general Augusto Heleno vá para casa, derrotado pelo PT, sem tentar dar ao menos um tiro. O que não está claro, nessa altura do campeonato, é se eles gostariam de manter a liderança de Bolsonaro num projeto de poder que consideram propriedade deles.
Se os militares querem reconhecimento público, o mar não está para peixe. O impacto sobre a imagem da instituição do desastre administrativo promovido pelo governo militar de Bolsonaro, do envolvimento de militares nos escândalos levantados pela CPI da Covid e da total condescendência com a incúria e os desatinos do atual governante foi muito alto.
E a cota de responsabilidade direta das Forças Armadas com a rápida degradação do país também é enorme: tiveram papel ativo no desastre ecológico da Amazônia; no apoio a madeireiros e garimpeiros para avançar sobre mata preservada; nas ameaças às instituições que questionavam a legitimidade dos atos de um louco de hospício por eles cegamente apoiado; na política de desinformação para aumentar o contágio da população pelo vírus da Covid (sem, contudo, deixarem de cuidar de suas tropas); no comando da Petrobras (que aumentou em cerca de 50% o preço do combustível somente no ano passado). Era deles o comando do Ministério da Saúde no período que mais morreram brasileiros vitimados por Covid.
Não é crível que movimentos de dois militares, nesta semana, contra o presidente e as diretrizes emitidas por ele, sejam atos isolados. Ocorreram pouquíssimas dissensões de militares em relação ao presidente e, note-se, nenhuma entre os que ficaram no governo e os que dele saíram. É como um balé: o grosso do corpo de baile se move nas posições de governo e alguns poucos fazem uma dança solo e saem do palco, mas o espetáculo é um só. Na linguagem militar, alguns deles fazem um desvio tático do governo para melhorar a imagem pública da instituição. Podem brigar com Bolsonaro, mas jamais entre si.
O presidente da Anvisa, o contra-almirante Antonio Barras Torres, rebateu com uma veemência inédita os ataques de Bolsonaro à aprovação da agência à vacinação infantil – a Anvisa é atacada desde o início da pandemia sem provocar a mesma reação do contra-almirante. O general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército, firmou protocolo exigindo vacinação para os militares que voltarem ao serviço presidencial. Bolsonaro brigou com ambos e os militares do Palácio do Planalto pela primeira vez não correram em seu socorro. Pode ser apenas um acaso, mas não seria sem razão, se os militares realmente quiserem mudar o seu representante no Planalto.
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