Charge: Zé Dassilva |
Após um período na defensiva, a armada bolsonarista contra-ataca. Bolsonaro retomou a iniciativa política e ataca em todas as frentes.
Retomou o controle mais rígido e amplo do Congresso graças à uma farta distribuição de benesses propiciadas, entre outros instrumentos, pelo “orçamento secreto”.
Desde o início do ano, avança paulatinamente nas pesquisas eleitorais, graças também a iniciativas como o Auxílio Brasil, empréstimos facilitados, distribuição do FGTS, antecipação do 13º salário, aumento, ainda que muito modesto dos salários do funcionalismo público, distribuição de dinheiro para governadores e prefeitos aliados etc.
O alívio na pandemia, propiciado pela CPI do Senado e pela reação de governadores e da sociedade, contribui, da mesma forma, para um clima mais propício ao governo.
O chamado “partido militar”, base importante do governo, foi rearticulado e fortalecido e ameaça avançar até mesmo sobre o Itamaraty, com o intuito de retomar uma política externa mais alinhada à extrema-direita mundial.
Foi também rearticulada a relação entre o bolsonarismo e o “PIB”, já que agronegócio e setores do capital financeiro voltaram a apostar em Bolsonaro como uma opção racional, face à suposta “ameaça” da candidatura Lula, a qual quer, na realidade, salvar o capitalismo brasileiro da ruína em que se meteu.
Estimulado por esses avanços, e buscando motivar sua base de fanáticos neofascistas, Bolsonaro voltou a atacar o STF, com um decreto que viola frontalmente, descaradamente, a impessoalidade e a finalidade inerentes aos atos administrativos governamentais.
Agiu como se o artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal lhe conferisse poderes absolutos e discricionaridade total e incontestável. Considera-se, talvez, um novo monarca, Bolsonaro I.
Alguns tentaram comparar o decreto de Bolsonaro I, um indulto à ditadura, ao indulto de Trump a Bannon.
Ora, Bannon era processado na justiça comum não por atentados à democracia, mas por suposta fraude na coleta de contribuições para a construção do famigerado muro na fronteira com o México.
Nenhum presidente norte-americano jamais se atreveu a desafiar, muito menos afrontar, qualquer decisão da Suprema Corte dos EUA.
Sofreria impeachment expedito.
Saliente-se que no caso em que Lula decidiu sobre a não extradição de Cesare Battisti, que já gozava de status de refugiado político no Brasil, tal decisão deu-se com base no entendimento, sustentado pelo próprio STF, de que a concessão de refúgio é um ato de soberania do Estado e que tal ato, nos termos do artigo 84, inciso VII, da CF, é prerrogativa constitucional exclusiva do Presidente da República.
Mesmo assim, a decisão do presidente foi submetida posteriormente ao STF, que, em rumoroso julgamento, a manteve, contra os votos de três ministros da Corte.
Curiosamente, na época ninguém (ou quase ninguém) alegou que, por ter se dado ao abrigo de comando constitucional de prerrogativa exclusiva do Presidente da República, tal decisão era insuscetível de questionamento, como se faz levianamente agora.
Observe-se que naquele caso, o beneficiado não era amigo ou aliado do presidente.
Ademais, o status de refugiado fora decidido após amplo debate e votação no CONARE, órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça, levando em consideração fundadas razões humanitárias e os compromissos internacionais do Brasil relativos à concessão de asilo e refúgio.
Assim, naquele caso, ao contrário do que acontece agora, não houve desvio de finalidade e violação do princípio da impessoalidade.
Lula, diga-se de passagem, jamais afrontou ou desobedeceu a qualquer decisão judicial.
Claramente submetido a uma lawfarebrutal, optou por lutar na justiça para limpar seu nome.
Conseguiu.
Mas o que importa aqui destacar é que a afronta de Bolsonaro I à democracia a ao STF é um grave sinal de alerta.
Não é segredo nenhum que Bolsonaro é um saudoso da ditadura e um admirador de torturadores.
Também não é segredo que Bolsonaro ensaia, há tempos, um assalto ao STF e uma escusa para não reconhecer o resultado das eleições, caso saia perdedor do pleito de 2022.
Procurará emular Trump, caso estejam reunidas as condições para tanto. Tem o sonho distópico de um novo regime autoritário e repressivo. Gostaria de mandar todos os que dele discordam para a “ponta da praia” ou para o exílio.
Pois bem, essas condições estão se cristalizando.
Todo o mundo ou quase todo o mundo que tem armas no Brasil está alinhado com Bolsonaro.
Militares, polícias, milícias e civis articulados em clubes de tiro fazem parte da base bolsonarista.
Trata-se de uma força avassaladora, que pode ser mobilizada rápida e decisivamente, como ocorreu no caso da Bolívia, por exemplo.
O chamado “partido militar”, em particular, poderá hesitar em entregar o poder a civis.
Não se trata apenas de manter as 8 mil “boquinhas”, mas sobretudo de manter o controle supervisionado do poder civil e uma política de defesa consentânea à ideologia hoje predominante nas forças armadas.
As forças armadas brasileiras estão agora inseridas no Comando Sul dos EUA e o Brasil torna-se aliado extrarregional da Otan.
Foram firmados, além disso, diversos acordos bilaterais com os EUA, que solidificam o alinhamento da política de defesa do Brasil aos ditames estratégicos dos EUA.
A mentalidade de uma nova Guerra Fria instalou-se em nossas forças. Dificilmente os militares aceitarão uma revisão dessa nova política.
As novas circunstâncias geopolíticas criadas pela guerra na Ucrânia intensificarão os esforços dos EUA para manter a América Latina como sua zona de influência exclusiva, livre da influência da China, Rússia e outros países considerados inimigos ou adversários, conforme apregoa explicitamente sua doutrina de segurança nacional.
Da mesma forma, é muito provável que os EUA não vejam com bons olhos novos investimentos na integração regional soberana.
Portanto, muito embora Biden desconfie de Bolsonaro e afirme que não apoiaria uma aventura autoritária no Brasil, a depender das circunstâncias, poderia fazer “vista grossa” a um golpe com as devidas aparências de “legalidade”.
Bolsonaro tem o domínio do Congresso, como ficou evidente, agora, no caso do indulto ao fascismo. O presidente do Congresso Nacional correu para avalizar o decreto.
Esse domínio seria estratégico, caso se decida por questionar um resultado eleitoral negativo e acusar o TSE e as urnas eletrônicas de fraude.
A rearticulação do governo Bolsonaro com os grandes interesses econômicos, e a ausência de viabilidade dos candidatos da chamada “terceira via”, torna sua reeleição não apenas palatável, mas, aos olhos de muitos grandes grupos econômicos, nacionais e estrangeiros, necessária aos seus interesses maiores.
A possibilidade revisão das políticas relativas a empresas estratégicas, com o Petrobras e Eletrobras e da reforma trabalhista, bem como a perspectiva de uma reforma tributária que taxe os mais ricos, gera grandes resistências em nossas oligarquias atrasadas e reacionárias, que ainda apostam obtusamente nas desigualdades e no Estado mínimo.
A armada bolsonarista usa muito bem as redes sociais para difundir fake News, que podem ter grande influência na geração de um clima propício ao questionamento das eleições e a agressões às instituições democráticas.
A rearticulação da extrema-direita mundial poderá “turbinar” essa vertente.
A base fanática e nitidamente neofascista de Bolsonaro está bastante ativa e mobilizada, pronta para atuar, caso o líder assim o solicite.
Forças fascistas, uma vez articuladas, são de difícil controle. Na Alemanha da República de Weimar, as classes dominantes acharam que podiam controlar Hitler e mantê-lo sob o controle das instituições.
Foram varridas. Não se brinca com fascismo. Fascismo é algo que tem de ser combatido no nascedouro.
Isto posto, é relevante frisar que as probabilidades de êxito de uma nova aventura autoritária, ainda que com aparência de legalidade, são pequenas.
Mas não são desprezíveis ou negligenciáveis.
Tudo dependerá da reação das instituições e das forças democráticas. Bolsonaro vem, há muito, testando os limites da nossa democracia. Quando vê espaço, avança contra as instituições.
Mas, ao encontrar reação firme e pronta, recua e se desgasta, como se viu após as manifestações de setembro contra o STF e o TSE, quando estivemos à beira de uma ruptura institucional.
Por isso, é vital que essa nova agressão ao STF e à democracia encontre reação firme e articulada das forças democráticas. Ignorá-la, negligenciá-la ou procrastinar a reação para depois das eleições não parecem ser opções inteligentes.
Reagir, de modo ponderado, mas firme, não significa “fazer o jogo de Bolsonaro” e cair numa “armadilha”. Significa, ao contrário, fazer o jogo da democracia e desarmar a armadilha autoritária.
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