Charge: Nicolielo |
A Lei de Acesso à Informação (LAI) nunca sofreu tanto risco quanto nos últimos quatro anos de governo. Ao completar dez anos, nesta semana, ela foi responsável por importantes reportagens que revelaram gastos inadequados do governo, financiamento de sites de fake news ou reuniões no Palácio do Planalto que não deveriam ocorrer. A lei foi sancionada por Dilma Rousseff.
O governo Bolsonaro tenta esvaziar a legislação criada para aumentar o poder de fiscalização da sociedade e coibir a corrupção e a ineficiência na administração pública. Um decreto presidencial de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, tentou aumentar o número de autoridades com poder para impor sigilo a informações. Um ano depois, Bolsonaro tentou suspender o limite de tempo para o governo responder às solicitações. As duas medidas foram atacadas e Bolsonaro teve que recuar.
O governo passa um recado claro de que a imprensa e intelectuais que pedem os dados públicos são inimigos. É o que denuncia Fabiano Angélico, autor do livro Lei de Acesso à Informação: reforço ao controle democrático, em entrevista ao Congresso em Foco. Bolsonaro mostra a governadores e prefeitos o que é possível fazer para dificultar o acesso aos bancos de dados dos governos.
Também desestimula e afrouxa o controle sobre as informações, deixando de produzir os dados. O portal Vermelho observou essa prática em vários momentos no Ministério da Saúde com os dados da pandemia, obrigando a imprensa a coletar seus próprios dados nos estados. A preocupação do governo era coletar e destacar um dado irrelevante para o sistema de saúde, que é o número de pessoas que receberam alta dos hospitais, enquanto evitava falar das mortes. Até hoje não há dados precisos sobre eventuais sequelas e acompanhamento nesses pacientes com alta, um dado coletado em outros países.
A depender do governo, não haveria como saber se a pandemia estava evoluindo com gravidade ou se estaria se atenuando. Também seria difícil compreender que efeito a vacinação teria sobre o número de contágios e mortes. O consórcio da imprensa foi capaz de fazer essas associações com seu levantamento mais meticuloso.
Em outros casos, o governo conseguiu reduzir o acesso e fiscalização, ao revogar conselhos de participação social que eram fontes importantes de informações e denúncia. O governo tem usado sistematicamente até a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para dificultar o acesso da sociedade a informações que deveriam ser públicas, ao alegar que seriam privadas.
O governo tem se recusado a responder a alguns pedidos alegando que são informações de cunho pessoal. Foi o que fez quando impôs sigilo de 100 anos sobre as informações do cartão de vacinação do presidente Jair Bolsonaro e sobre as visitas dos filhos dele ao Palácio do Planalto.
O governo também tentou impedir o acesso da Folha de S. Paulo a dados de agenda de reuniões do Palácio do Planalto. Com o acesso obrigatório aos dados, o jornal denunciou a rotina de reuniões semanais entre ministros e pastores evangélicos privilegiados com distribuição de verbas governamentais.
Quando a lei amadurece
Em conversa na Rádio USP, o professor Vinicius Guedes Souza, da Universidade Federal do Mato Grosso, ressaltou as diferenças existentes entre os principais mecanismos utilizados pelo jornalismo brasileiro e o dos EUA. Isso, porque o Ato de Liberdade de Informação (FOIA), de 1966, já tem 55 anos e revela o quanto esse tipo de legislação pode amadurecer na sociedade.
Um dos fatores que essa diferença revela é o ainda baixo uso da LAI no Brasil. Só em 2020, em termos proporcionais, ela foi acessada cinco vezes mais nos EUA que no Brasil. Foram 240 pedidos a cada cem mil habitantes, contra 72 no Brasil. Estimular essa procura, não apenas pela imprensa, tem sido o esforço da Fiquem Sabendo, uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI).
“Precisamos tornar esse direito popular, conhecido e disponível para todos. Uma das grandes dificuldades é tornar um assunto considerado chato, interessante e instigante. É por isso que estamos organizando uma ação massiva nas redes sociais”, explica Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora da Fiquem Sabendo. Nesta segunda, no aniversario da LAI, houve uma série de iniciativas em defesa da lei e em denúncia das tentativas do governo de atacá-la.
Já o professor Vinicius, observa, na comparação, como a sociedade avançou nos EUA em relação aos dados de governo. “Você tem todo um processo nos Estados Unidos de conhecimento dessa lei, de amadurecimento dessa lei e de utilização dessa lei, por décadas, por cidadãos e jornalistas. Então, estão mais acostumados a fazer esse tipo de questionamento ao governo e às agências governamentais especialmente”, complementa.
Além disso, Souza ressalta algumas diferenças técnicas, como a possibilidade de qualquer pessoa, inclusive estrangeiros e não americanos, poderem fazer uso da FOIA. É assim, por exemplo, que pesquisadores têm tido acesso a documentos diplomáticos, que revelam a intervenção do governo americano no golpe de 1964, oferecendo ajuda aos militares que instauraram a ditadura no Brasil.
Uma diferença é o tempo de espera pelo retorno das informações, pois nos Estados Unidos há a possibilidade de receber informações judicialmente, nos casos que extrapolam o prazo legal para resposta. “Você pode processar o governo para receber essa informação. Nos Estados Unidos funciona um pouco melhor do que a justiça no Brasil que é morosa. Agora, o que acontece é que muitas vezes o órgão simplesmente não tem essa informação por descaso ou incapacidade e morosidade”, salienta.
Para ambas as leis, há desencontros nos assuntos de interesse público. O fato de algumas informações serem sigilosas faz com que algumas agências filtrem o que será fornecido. No entanto, o professor destaca que há a possibilidade dos órgãos possuidores dos dados não terem infraestrutura, ou mesmo apresentarem morosidades burocráticas para uma certa demanda de informações.
Por vezes, a quantidade e qualidade de informação fornecida é tão complexa, que os jornalistas ou intelectuais precisam de formação específica para compreensão e análise dos dados, principalmente aqueles econômicos. O professor destaca que é necessário “checar as informações e complementar essas informações com outras fontes”, a fim de destrinchá-las para o público e tornar esses dados palpáveis e acessíveis.
Conforme a Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação, do governo federal, foram apresentados mais de 1,1 milhão de solicitações de informações ao longo dos dez anos de vigência da LAI. De 2013 a 2021, o crescimento anual de solicitações é de 35%. Segundo dados do governo federal, 68,7% dos pedidos foram atendidos e 8% negados. O Ministério da Economia é o mais acessado, seguido pelo da Previdência, da Cidadania e da Saúde.
A maior parte dos acessos é feito por empresas que utilizam a informação governamental para direcionar suas estratégias de ação corporativa.
Criação da Lei
Nesta quarta-feira, 18, durante audiência pública da Comissão de Legislação e Justiça Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados, o deputado Reginaldo Lopes (PT/MG), comentou a importância da LAI, originada do seu projeto de lei 219/2003.
No evento, o parlamentar acusou o atual presidente Jair Bolsonaro de atacar sistematicamente a legislação. A favor do sigilo de 100 anos, Bolsonaro defende gabinetes paralelos, quebras de sigilos e não tem interesse algum em transparência no seu governo.
“Tenho o maior orgulho de ter apresentado essa legislação que coloca o Brasil no mesmo rol de transparência das democracias contemporâneas”.
Ele lembrou que o atual presidente, “que fala muito em honestidade”, com apenas 20 dias no cargo emitiu um decreto transferindo a responsabilidade da classificação de documentos que poderiam ser tidos como sigilosos dos ministros para todos os assessores deles. Após pressão da sociedade, Bolsonaro revogou o decreto.
Lopes destacou ainda que Bolsonaro também tentou suspender a vigência da LAI durante a pandemia da Covid-19. Segundo ele, é preciso atualizar a lei para reduzir o tempo de sigilo de documentos e informações públicas.
“Temos que avançar na questão da classificação do sigilo dos dados pessoais de autoridades. É inaceitável que a sociedade não possa saber quantas vezes o filho do presidente, o vereador pelo Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, esteve no Palácio do Planalto, ou tenha que esperar 100 anos para ter acesso ao cartão de vacinação do atual presidente”, lamentou.
O parlamentar apresentou outro projeto de lei que amplia a transparência nos dados da Segurança Pública no País. A proposta já foi aprovada em todas as Comissões temáticas e aguarda ser incluída na pauta de votações do plenário da Câmara.
“Atualmente não sabemos como se formam os agentes de segurança, quantas balas são usadas em operações, quem foi assassinado e por que, e não sabemos quais os protocolos de abordagem, o que faz com que a polícia tire selfie em bairros da elite e entre atirando na periferia transformando as paredes das casas em um queijo suíço. E isso quando não mata os nosso jovens negros e pobres”, ressaltou.
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