Charge: Joaquim |
Faltam tão somente duas semanas para a posse do novo governo encabeçado por Luiz Inácio Lula da Silva. Muita gente anda contando nos dedos os dias faltantes numa tentativa desesperada de acelerar a passagem do tempo para que a virada de página se consuma com mais rapidez.
Sim, para a maioria de nosso povo é um grande alívio saber que a experiência nazista-bolsonarista está a poucos dias de chegar ao fim. Nunca antes tínhamos sido submetidos a tantas desgraças e sofrimentos como nos passados quatro anos que estão por terminar.
Há quem afirme que, em vista dos resultados de sua gestão, este é o governo mais incompetente de toda nossa existência como nação. De fato, é quase impossível encontrar algum feito ou medida tomada pelo atual governante, ou por sua equipe, que tenha favorecido os interesses das maiorias populares ou atendido suas necessidades básicas. Neste sentido, não há absolutamente nada de positivo que possa ser mencionado.
No entanto, se nos pusermos a analisar objetivamente o quadro no qual Bolsonaro chegou à presidência, seremos forçados a concluir que o bolsonarismo está longe de ter falhado em atingir as metas para as quais foi projetado. Contrariamente ao que muitos creem, o governo nazista-bolsonarista foi muitíssimo bem sucedido em quase todas as expectativas nutridas por seus financiadores.
Seguramente, nenhuma das principais forças de sustentação da campanha presidencial de Bolsonaro esperava que sua eleição servisse para satisfazer as aspirações das maiorias trabalhadoras e das camadas mais necessitadas de nossa população. Nem a cúpula militar, nem os ruralistas do agronegócio, nem os banqueiros-rentistas, nem os donos de igrejas neopentecostais, nem os defensores da hegemonia geopolítica dos Estados Unidos decidiram apoiar a candidatura do ex-capitão para que as reivindicações das maiorias populares fossem atendidas.
O alto oficialato pretendia retomar o protagonismo político de primeira linha que estava historicamente acostumado a desempenhar no país e do qual tinha sido afastado desde o fim da ditadura militar. Com a chegada de Bolsonaro à presidência, os militares não apenas recuperaram a influência política que tinham perdido com a redemocratização como passaram a se beneficiar de milhares de cargos de comando na máquina estatal. Hoje, eles ocupam mais de 8.000 postos chaves no aparelho administrativo. Tudo isto de modo cumulativo, ou seja, somando os novos rendimentos a seus ganhos de militares.
Para os senhores do agronegócio as coisas tampouco foram ruins. A política bolsonarista de desincentivo à industrialização e sua priorização da agricultura voltada à exportação levou a taxa de câmbio às alturas, o que favoreceu imensamente os produtores de commodities. Além disso, a determinação de não impedir as invasões de terras indígenas e fechar os olhos quanto às restrições de cunho ecológico abriu para os grandes proprietários rurais uma possibilidade inigualável de avançar com o desmatamento e expandir as áreas de suas monoculturas. Com isso, esse pessoal vem ganhando vultosas somas de dinheiro e não parece estar nada insatisfeito com a maneira como o governo vem sendo conduzido.
Os banqueiros e todos os que vivem do rentismo realmente não têm razões de peso para se queixar. A política econômica do ministro bolsonarista Paulo Guedes procurou atender todos os desejos de quem especula com a atividade financeira. A manutenção do teto de gastos serviu para sinalizar sem titubeios que a remuneração do capital continuaria a ser a prioridade número um do tesouro nacional. Nenhum proprietário de títulos do governo ficaria privado de seus sagrados rendimentos pelo uso indevido dos recursos públicos para a cobertura de gastos supérfluos e desnecessários, como esses de matar a fome de miseráveis, proporcionar atendimento médico aos pobres, ou sustentar o funcionamento de escolas públicas. No tocante à satisfação de seus interesses, quase ninguém desse grupo tem objeções a fazer em relação à atuação do comando bolsonarista.
Por sua vez, os donos de igrejas neopentecostais contavam com o empenho do governo bolsonarista no sentido de facilitar seu trabalho com vistas a aprofundar as pautas pseudomoralistas no sistema educacional, erradicar os vestígios das religiões e culturas de origem africana, acentuar nossa dependência ideológica do imperialismo estadunidense e intensificar o apoio à política sionista do Estado de Israel em seu propósito de desapropriar e expulsar o povo palestino de suas terras. Evidentemente, um bônus significativo a acrescentar é o vertiginoso crescimento da arrecadação de contribuições das massas de seguidores dessas igrejas. Como sabemos, eles foram plenamente atendidos em todas suas expectativas.
Quanto aos defensores do imperialismo estadunidense, o governo nazista-bolsonarista cumpriu à risca todas as exigências que lhe foram feitas. Bolsonaro deu seguimento à política de entrega de nossos recursos petrolíferos e desmonte da Petrobrás, manteve a orientação de desindustrialização iniciada na gestão do golpista Michel Temer, trabalhou incansavelmente para inviabilizar todas as instituições de unidade latino-americana que haviam sido criadas ou fortalecidas nos governos do PT (MERCOSUL, UNASUR, CELAC), assim como colocou travas em nossa participação nos BRICS.
Tudo isso sem levar em conta o absurdo servilismo aos interesses dos Estados Unidos, inclusive em suas criminosas práticas de boicote contra países irmãos. A Venezuela bolivariana foi um alvo constante do governo nazista-bolsonarista. O envolvimento das estruturas governamentais e do bolsonarismo neopentecostal no golpe de Estado na Bolívia é outra evidência de que os imperialistas têm motivos suficientes para se sentirem contentes com a atuação do bolsonarismo no governo.
Em conclusão, podemos afirmar que o governo nazista bolsonarista não foi incompetente na defesa dos interesses daqueles que o apoiaram e o trouxeram para o comando do Estado. O bolsonarismo foi devastador e nefasto para a maioria de nossa gente, o bolsonarismo causou danos que demandarão longos anos para serem sanados, o bolsonarismo eliminou o Brasil do cenário internacional e nos transformou em um país pária. No entanto, Bolsonaro nunca disse que viria para servir às maiorias populares. Para os grupos das classes dominantes que financiaram e sustentaram sua campanha eleitoral e sua atuação no governo, Bolsonaro foi, de fato, um fiel cumpridor de tudo o que dele esperavam.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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