domingo, 5 de março de 2023

A guerra fria esquenta

Charge do site RN
Por Frei Betto, em seu site:


Os EUA, o mais poderoso império da história, são como o deus asteca Tezcatlipoca, alimenta-se de vítimas humanas. Um dos principais motores de sua possante economia é a indústria bélica. É preciso que haja guerras para que Wall Street obtenha altos dividendos.

Ao longo do século XX, o inimigo permanente era o comunismo. Combatê-lo justificava gastos bilionários, e até mesmo golpes de Estado na América Latina para implantar ditaduras sanguinárias.

Derrubado o Muro de Berlim e desaparecida a União Soviética, a Casa Branca precisava ter novo alvo para evitar a ociosidade da máquina bélica. E não tardou em encontrá-lo: o terrorismo. Com a vantagem de não ser um inimigo geograficamente localizável nem a ser vencido, como em uma guerra entre países. É um inimigo a ser permanentemente combatido, o que assegura perenidade ao apetite insaciável de Tezcatlipoca.

Na segunda semana de seu mandato, Trump declarou: “Estou assinando uma ação executiva para iniciar uma grande reconstrução dos serviços militares dos EUA.” Seu secretário de Defesa, James “Mad Dog” Mattis, disse ao Washigton Post ser preciso “examinar como realizar operações contra concorrentes próximos não identificados” (Chomsky 2022, p. 162). Óbvio, não se referia a OVNIs, e sim à Rússia e à China. Em 19 de janeiro de 2018 foi mais explícito: “Apesar de continuarmos a promover a campanha contra os terroristas, na qual estamos engajados hoje, a competição entre grandes potências, não o terrorismo, é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA.”

Segundo o Departamento de Defesa, em relatório de 2018, os EUA mantêm 625 bases militares oficiais em países estrangeiros. O pesquisador político David Vine revelou, em 2021, que, contabilizadas as bases clandestinas, haveria cerca de 750 bases militares estadunidenses.

Rafael Correa, quando presidente do Equador, solicitou à Casa Branca permissão para abrir uma base militar equatoriana em Miami, caso os EUA quisessem continuar a manter a base aérea de Manta, na costa do Pacífico. Manta foi fechada.

O orçamento militar dos EUA (2023) é de US$ 858 bilhões, 35% do total mundial. Qual o objetivo de tanto dinheiro jogado fora em um mundo que abriga 3 bilhões de pessoas na pobreza, das quais 821 milhões padecem fome crônica? Proteger o modelo made in USA de democracia, leia-se, a apropriação privada do capital. Segundo Chomsky, “sempre que houve conflito entre democracia e ordem, definida como proteção das elites na acumulação do capital, os EUA ficaram do lado desta.” (2022, p. 153).

Essa perversa ideologia deita raízes no século XIX, quando James Madison, um dos “pais fundadores da nação”, declarou: “Nas democracias, os ricos devem ser poupados; não apenas sua propriedade não deve ser dividida, mas também suas rendas devem ser protegidas.”

A defesa da propriedade privada (de uns poucos, evidentemente) e da acumulação privada do capital exige também proteção interna. Daí a principal arma ideológica do sistema: o medo! Medo do negro, medo do imigrante, medo dos que não são cristãos ou judeus, medo dos pobres.

Hoje, o que a Casa Branca mais teme é que a China ultrapasse os EUA em inovação tecnológica e seja o polo hegemônico do planeta. Isso porque o gigante asiático tem dinheiro suficiente para investir em pesquisas, já que não mantém nenhuma base militar fora de suas fronteiras e gasta apenas US$ 230 bilhões no setor bélico. Por isso, o imperialismo provoca a China de todas as maneiras, visando a forçá-la a entrar na corrida armamentista, da qual a Rússia participa.

Para os EUA, é desesperador perder a hegemonia mundial adquirida após a Segunda Grande Guerra. Hoje, no mundo multipolar, a China desponta como a mais forte economia do planeta. E o arsenal nuclear da Rússia supera o dos EUA.

A Casa Branca se mostra indignada com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Alega que não houve consentimento da ONU. Haja cinismo! Os EUA invadiram a Rússia em 1918, sem sucesso. E, sem consentimento do Conselho de Segurança da ONU, invadiram Santo Domingo, em 1965; invadiram e bombardearam os territórios do Vietnã e do Camboja durante toda a década de 1960; invadiram o território da Somália em 1993 (300 mil mortos); do Afeganistão em 2001 (180 mil mortos); do Iraque em 2003 (300 mil mortos), da Líbia em 2011 (40 mil mortos); da Síria, em 2015 (600 mil mortos); e finalmente, do Iêmen, onde já morreram aproximadamente 240 mil pessoas (Fiori, 2023).

Quem protesta pela ocupação usamericana de Porto Rico desde 1898, e de Guantánamo, em Cuba, desde 1903? E do bloqueio a Cuba, que dura mais de 60 anos?

Será amarga, para a Casa Branca, a provável derrota da Ucrânia pela Rússia. Biden terá de engolir a seco, consciente de que isso afetará sua reeleição no próximo ano. Sabe que sua única reação “à altura” seria catastrófica para a humanidade: o confronto nuclear.

Os países da União Europeia, monitorados pelos EUA via Otan, sabem também que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é um atoleiro no qual se meteram. Só não sabem como sair dele. E o mais grave: todas as sanções impostas à Rússia em nada afetaram o país. Pelo contrário, o rublo se fortalece. E vários países europeus, a começar pela Alemanha, já estavam irritados com as explosões que, em setembro de 2022, destruíram os gasodutos Nord Stream 1 e 2 no Mar Báltico, que os abastecia de gás natural. Agora a irritação deu lugar à fúria: não foram os russos que interromperam o fornecimento; a responsável pelas sabotagens foi a CIA.

Ora, aqui no Ocidente conhecemos a narrativa do caçador, não a da lebre. Nossa cabeça é feita por Hollywood e pelas fantasias de Walt Disney, que nos impigem a convicção de que, para a Casa Branca, a liberdade é mais que o nome de uma estátua na divisa entre Nova York e New Jersey. E multidões acreditam no discurso fake de Tio Sam. Até porque, neste lado ocidental do mundo, pouco sabemos da versão do lado oriental.

* Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org.

7 comentários:

Anônimo disse...

Z0
Frei Beto esqueceu um detalhe: Em dezembro de 1989, os EUA comemoraram a queda do Muro de Berlim invadindo o Panamá de modo fulminante, matando centenas ou talvez milhares de civis inocentes (ninguém sabe ao certo). Covardes, usaram até o sofisticado bombardeiro Stealth para bombardear bairros pobres da perferia da capital panamense. Com isso, restauraram o poder da direita branca e corrupta, que havia sido destituída por Torrijos, assegurando-se um governo lacaio na mudança administrativa do Canal.

Anônimo disse...

Z1- No encontro entre o resto do Mundo e o Ocidente, em curso nos últimos quatro ou cinco séculos, a parte que viveu experiência significativa foi o resto do mundo não o Ocidente. Não foi o Ocidente a ser golpeado pelo resto do Mundo; o mundo é que foi golpeado -- duramente golpeado -- pelo Ocidente; eis porque, no titulo desse livro “The World and the West” o mundo teve a precedência. Um ocidental para enfrentar esse argumento deverá sair por um minuto da sua pele nativa e “vivenciar” esse encontro na pele da humanidade não ocidental, que constitue a grande maioria.
Por mais que sejam diferentes na etnia, língua, civilização e religião, se um ocidental pergunta que opinião o não ocidental tem do Ocidente ouvirá a mesma resposta: russo, muçulmano, indú, chines, japones e todos os demais serão perfeitamente concordantes. Eles dirão que o Ocidente foi e é o agressor dos tempos modernos ao reprobrar-lhe a própria experiência dessas agressões. O russo recordará que foi invadido via terra por exércitos ocidentais em 1941, 1915, 1812, 1709 e 1610; os povos africanos e asiáticos recordarão os missionários, comerciantes e soldados vindos de além-mar, penetrando em seus países a partir do século XV; os asiaticos recordarão também que, no mesmo periodo, os ocidentais tomaram as últimas terras ainda desocupadas do mundo: Americas, Australia, Nova Zelanda, Africa meridional e oriental. O africano recordará ter sido subjugado e deportado pelo Atlantico como instrumento do colonizador europeu das Americas aos serviço da avidez de riqueza de seu patrão ocidental. Os decendentes das populações aborigenes da America do Norte lhe recorderá que seus antepassados foram dizimados para dar espaço ao intruso europeu ocidental e seu escravo africano e asiatico.

Anônimo disse...

Z2 - Essa acusa surpreenderá, agitará, mortificará e talvez até ofenda a maior parte dos ocidentais de hoje. Os ocidentais holandeses sabem de ter evacuado a Indonésia, e os ocidentais britanicos de terem evacuado India, Paquistão, Birmania e Ceilão, a partir de 1945. Os britanicos não tem na consciência nenhuma guerra de agressão depois da guerra sulafricana de 1899-1902, e os ocidentais americanos nenhuma depois da guerra ispano-americana de 1898. Nos esquecemos muito facilmente que os alemães, que atacaram seus vizinhos, Russia inclusa, na primeira guerra mundial e depois ainda na segunda, são eles também ocidentais, e que os russos, asiaticos e africanos não conhecem nuancess entre as diferentes hordas de “francos” - o apelativo comum que o resto do mundo dispensa aos ocidentais em massa. Segundo um noto provérbio latino, “quando o mundo emete um juízo, terá sem dúvida a última palavra”. E certamente o juízo do mundo sobre o Ocidente é justificadissimo por um periodo de cerca quatro séculos e meio terminado em 1945. Na experiência que o resto do Mundo teve do Ocidente durante todo esse tempo, o Ocidente foi o agressor e se hoje Russia e China retomam vantagem sobre o Ocidente, é esse um novo capitulo do revés que teve início depois do fim da segunda guerra mundial.
(Fonte: The World and the West, Arnold J. Toynbee, Oxford Univ. Press, 1953)

Anônimo disse...

Z3 -Em 1942 os EUA planejaram acabar com a URSS --- Em 1942, época em que USA e URSS eram aliados, o governo dos estadunidense já tinha estabelecido um programa para usar a bomba A contra a URSS. No dia 15 de setembro de 1945, um mes depois das bombas de Hiroshima e Nagasaki, foi redigido um documento secreto pelo Gabinete de Guerra dos EUA para bombardear 66 áreas que interessavam a inteira população urbana da URSS com a previsão de 204 (duzentas e quatro) bombas atômicas sobre 66 cidades. (fonte: Michel Chossudovsky (no ponto 37:20) m.youtube.com/watch?v=tw7UbPyGdT4
Em 1951, Churchill queria atacar a URSS com armas nucleares (*) -- Premiê de 1940 a 1945, antes de regressar ao cargo entre 1951 e 1955, propôs uma guerra nuclear - preventiva - contra a URSS em 1951, segundo o jornal The Times. De acordo com o historiador Richard Toye, que chefia o Departamento de História da Univ. de Exeter, Reino Unido, sabia-se que Churchill defendera ameaça deste tipo já em agosto de 1949. O que não sabíamos era que ele perseguia a mesma ideia em 1951. Toye destaca um memorando do editor-chefe do jornal The N. Y. Times, Julius Ochs Adlerb, de 29-04-1951, seis meses antes do Churchill regressar à liderança do país. UM CLASSICO PLANO ANGLOAMERICANO: impor condições à URSS em forma de ultimatum. Se os russos não aceitam, lançar bomba atômica em uma das 20 ou 30 cidades. As bombas continuariam até que o desespero e o caos tomassem conta dos russos e Moscou capitulasse.
As obras de Richard Toye também falam de planos de ataques nucleares à China, em particular a bases militares e concentrações de tropas do país ao norte do rio Yalu, que demarca a fronteira entre a Coreia do Norte e a China. (Fonte: Sputnik News - 11 de setembro 2020) -- (*) Muito sangue árabe escorreu com a invasão inglesa da Mesopotamia em 1914. O War Office sabia que o seculo XX se alimentaria às custas do petroleo; na cabeça da delinquente familia Real inglesa a conquista da Mesopotamia seria com entrada triunfal, desfile e banda militar. Mas nada disso aconteceu e os ingleses tiveram que bater em retirada ignominiosa para voltar com raiva em 1917. Churchill dirigia os assuntos militares interessando-se de armas químicas, como as bombas de gás (iprite) que a Raf usara contra os bolcheviques e sondou o comando da aeronáutica sobre a possibilidade de substituir os coturnos no solo com aeroplanos, para reduzir os custos daquela ocupação. Hugh Trenchard que comandava a Raf gostou da ideia.

Anônimo disse...

Z4- E foi assim que a sempre covarde e criminosa Inglaterra, numa sequência ininterrupta de bombas sobre aldeias e tribos indefesas e desarmadas nas incursões diurnas e noturnas, metralhando até mulheres e crianças no corre-corre da fuga de suas tendas, com expedições punitivas, com incêndios, com o confisco de rebanhos, fuzilação sumária de suspeitos e insurgentes, que a barbárica Inglaterra em setembro de 1920, domina a situação. Churchill, promovido a Ministro da Colonias, continuou a propugnar o terror aereo como metodo econômico de governar gente “ingrata”. Bombardear e metralhar em vôo rasante virou politica fiscal e administrativa tanto do Labour quanto do Tory. Uma das piores atrocidades aconteceu entre o final de 1923, inicio de 24, quando o grupo tribal Beni Huchaim na zona iraqueana de Samawa ficou sem condições de pagar impostos. Na iminência de morrer de fome pela grave seca, os Beni Huchaim declararam-se indigentes. Como relata um historiador, “não havia alguma noticia de insubordinação ou desordens”. Não obstatante tudo isso, receberam um ultimatum de 48 horas e depois vieram os bombardeiros. A Raf registrou oficialmente o massacre de 144 pessoas, entre mulheres e crianças. (fonte: Cronache dall'impero, Mike Davis, ilManifesto libri, 2004)

Anônimo disse...

z5 - 6 de agosto de 1944. Hiroshima: o primeiro ato terroristico de Estado contra a humanidade inteira. Uma monstruosidade que se repetiu três dias depois sobre Nagasaki. Na primeira contagem as duas explosões mataram cerca de 220 mil pessoas (140 mil em Hiroshima e 80 mil em Nagasaki). A esmagadora maioria de vítimas era civil, já que essas cidades não abrigavam contingentes militares importantes, sendo que cerca metade dessas vitimas teve melhor sorte porque morreu no dia do atentado.
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Guerra do Golfo -- No inicio de 2016 o jornalista italiano Maurizio Torrealta entrevistou um veterano estadunidense que partecipou de “Desert Storm” e que hoje acusa o governo dos EUA de ter testado uma bomba nuclear tática de penetração do solo com potência de cinco quilotons, na zona do Irak entre a cidade de Basra e a fronteira com o Iran. Para certificar-se das declarações do veterano, Rainews24 pesquisou se durante a primeira guerra do Golfo tinha sido registrado algum evento sismico equivalente a cinco quilotons. Consultando o arquivo on line do “International Sismological Center” a redação encontrou na zona descrita, o registro de um evento sísmico de potência equivalente no último dia do conflito. Mesmo não sendo uma prova definitiva a redação optou pela publicação da entrevista porque a situação sanitária a Basra atingiu níveis de perigo alarmante: as mortes anuais por tumor, segundo o responsável do setor oncológico do hospital de Basra, Dr. Jawad Al Ali, dos 32 casos de 1989 (anterior à “Desert Storm”) passaram a 660 casos em 2002. Link: http://www.pandoratv.it/?p=7179&doing_wp_cron=1460701886.5386009216308593750000

Anônimo disse...

Z6 - Pepe Escobar, Telesurtv.net: Washington já tentou derrubar mais de 50 governos desde o fim da 2ª Guerra Mundial, a maior parte deles plenamente democráticos; bombardeou populações civis de mais de 30 nações; assassinou dezenas de líderes estrangeiros; reprimiu movimentos nacionalistas em mais de 20 nações; interferiu em incontáveis eleições que sem a intervenção dos EUA, teriam sido plenamente democráticas; ensinou tortura mediante manuais a "instrutores" e "conselheiros"; e a lista continua. Somente em 2016 o governo Obama lançou 26.171 bombas com uma média de 72 diárias, 3 bombas por hora. Os países mais atingidos foram Síria (12.192), Irak (12.095), Afganistão (1.337), Libia (496), Yemen (34), Somalia (14), Paquistão (3). Os ataques com drones autorizados por Obama foram 10 vezes superiores aos do Bush. Com Obama aumentou verticalmente o número de Forças Especiais deslocadas em 70 % dos paises do mundo com um incremento de 130% em relação a Bush. --- A.Vltchek e N. Chomsky no livro “On Western Terrorism” : os EUA assassinou algo entre 55 e 60 milhões de pessoas do fim da 2ª Guerra Mundial até hoje, em guerras e intervenções no mundo inteiro. «Os EUA promoveram o enfraquecimento ou a destruição de todos os rivais industriais (Alemanha, França, Japão). Nunca foram atacados em casa e triplicaram a própria produção industrial às custas dos rivais. Para tanto, restabeleceram a dominação dos empresários e o enfraquecimento dos sindicatos. Quem pagou o pato foi a classe trabalhadora e operária internacional. Os EUA reprimiram meio mundo, instalando colaboradores fascistas e nazistas.» Chomsky: «esse é o primeiro capítulo de qualquer libro de história, sério, do pós-guerra.» Fonte: James A. Lucas - https://www.globalresearch.ca/us-has-killed-more-than-20-million-people-in-37-victim-nations-since-world-war-ii/5492051