Charge: Máximo |
Drogas pesadas (ou Talvez ele tenha razão)
01.
Na semana em que o terceiro filho do ex-presidente (que acaba de ficar inelegível por conspirar contra a democracia brasileira) fez seu mais recente discurso, tentando criminalizar e, ao mesmo tempo incitando o ódio e a violência contra professores, Anísio Teixeira faria 123 anos. É gente como Anísio que o terceiro filho do ex-presidente comparou a traficantes.
Talvez ele tenha razão. Baiano de Caetité, o educador que hoje dá nome ao Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais) esteve envolvido, na década de 1930, em todo o debate sobre a universalização da escola pública, laica, gratuita e obrigatória. Debate que, inclusive, levou ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932.
Era alguém que pensava os estudantes como agentes transformadores da sociedade. E que defendia uma educação livre de privilégios, algo que as elites (de ontem, de hoje e de sempre) certamente consideravam e continuam a considerar ilícito.
02.
Na semana em que o terceiro filho do ex-presidente (que acaba de ficar inelegível por conspirar contra a democracia brasileira) fez seu mais recente discurso, tentando criminalizar e, ao mesmo tempo incitando o ódio e a violência contra professores, Carlos Rodrigues Brandão morreu, aos 83 anos. É gente como Carlos que o terceiro filho do ex-presidente comparou a traficantes.
Talvez ele tenha razão. Amigo pessoal de Paulo Freire, Brandão era psicólogo, antropólogo, educador popular e autor dos livros “O que é Método Paulo Freire”, “O que é educação”, “O que é educação popular” e “O que é folclore”, todos da Coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense, sucesso nas década de 1970.
Foi ele que nos contrabandeou a sabedoria de Ciço, lavrador do Sul de Minas que Brandão conheceu enquanto fazia uma pesquisa sobre como se educam crianças e jovens para fazerem a Folia de Reis. O cientista político Rudá Ricci retomou essa história no Twitter, em homenagem ao educador popular:
“O senhor chega e diz ‘educação’, vem do seu mundo, o mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala vem dum outro lugar, de um outro mundo. Vem dum fundo de oco que é o lugar da vida dum pobre”, respondeu Ciço à entrevista de Brandão. “Quando eu falo o pensamento vem dum outro mundo. Um que pode até ser vizinho do seu, vizinho assim, de confrontante, mas não é o mesmo. A escolinha cai-não-cai ali num canto da roça, a professorinha dali mesmo (…) Estudo? Um ano, dois nem três. Comigo não foi nem três. Então eu digo ‘educação’ e penso ‘enxada’, o que foi pra mim. (…) Estudo, foi estudo regular: um saber completo. Ele entra dum tamanho e sai do outro. Parece que essa educação que foi a sua tem uma força”.
Na fala de Ciço, a síntese do tráfego, de um mundo a outro. Na fala de Ciço, a síntese do tráfico, a troca do que é interditado, proibido: o acesso à educação formal, para um; a ideia de que “nisso”, nesse saber popular, “tudo tem uma educação dentro, não tem?”.
03.
Na semana em que o terceiro filho do ex-presidente (que acaba de ficar inelegível por conspirar contra a democracia brasileira) fez seu mais recente discurso, tentando criminalizar e, ao mesmo tempo incitando o ódio e a violência contra professores, meu próprio filho entra em suas primeiras férias. Com ele entram de recesso a Chris e a Lalá, suas professoras, que, para serem o primeiro contato que 12 crianças de 1 ou 2 anos terão com a vida escolar, recebem menos de dois terços do salário-aula que quem leciona para adolescentes do fundamental 2 ou do ensino médio e menos da metade de que quem dá aulas no ensino superior. É gente como Chris e Lalá que o terceiro filho do ex-presidente comparou a traficantes.
Talvez ele tenha razão. Percebo a mudança de comportamento do meu filho, como cita nomes de pessoinhas que mal conheço, como não consegue largar os livros de histórias infantis que trafegam (traficam?) semanalmente de lá para cá, o quanto ele parece ter agora um novo vício.
Que alívio que é assim.
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