A ideia de justiça de Israel, Emanuele Del Rosso/Itália |
Uma das diversões preferidas da humanidade é a tentativa de descobrir o que veio primeiro. Deus ou o diabo? Bolsonaro ou o bolsonarismo com outro nome? O terror palestino ou o terror israelense?
A ordem dos nomes dos personagens na pergunta já sugere escolhas. Por que não perguntar: o terror que veio antes é o israelense ou o palestino?
Por que os palestinos são citados antes? Porque, dirão, a hegemonia retórica é a dos judeus, sempre foi. As grandes corporações mundiais de mídia reproduzem que o terror palestino veio antes, ou de forma genérica o terror muçulmano.
Mas já superamos a fase mais intensa da pergunta sobre quem chegou primeiro ao território onde Israel se instalou e se expandiu. E que era, imediatamente antes, a grande Palestina.
A pergunta agora é: quem começou a matança que não se iniciou com o ataque do Hamas no 7 de outubro? E na sequência aparecem as outras interrogações.
Por que Lula demorou para dizer que o Hamas é terrorista? Por que, só depois de definir os palestinos como terroristas, disse agora que também os judeus de Netanyahu cometem atos terroristas contra Gaza? As ações de Estado são terroristas, mas os chefes israelenses não são?
A nova pergunta, que vale como reposta, e que abrange muitos dos dilemas do momento, vem sendo feita nos Estados Unidos: por que judeus proeminentes normalizam o terror de Israel?
Não se trata mais de condenar o terror do outro. Mas de normalizar o próprio terrorismo. Os jornais americanos observam, para surpresa de muita gente, que manifestações radicais de pessoas famosas dão aos crimes de guerra de Israel o álibi da normalidade.
Não são, lá e cá, apenas declarações retóricas, políticas e/ou ideológicas, à direita e à esquerda desse debate. São algumas vezes manifestações presumidamente sustentadas até pelo que seria a racionalidade jurídica.
Como esse argumento do jurista brasileiro Wálter Maierovitch, defendido em artigo no UOL essa semana, com este título: “Nos subterrâneos do hospital al-Shifa cabem reféns e o chefão do Hamas”.
Leiam este trecho: “Pela Convenção de Genebra, em tempo de guerra são protegidos os doentes, os feridos, o pessoal médico, de enfermagem e de servidores. Também estão sob proteção os prédios e as estruturas. Atenção. Essa regra protetiva cai quando os hospitais são usados pelos combatentes, fora da sua finalidade, em desconformidade com a sua destinação”.
A ressalva é o núcleo do argumento. Se for preciso, que ataquem, porque o hospital (mesmo lotado de crianças), não cumpre apenas com a sua finalidade. É o que diz a lei, e o articulista entende de leis.
Mais adiante, Maierovitch escreve que “o Hamas almeja grande número de civis inocentes mortos”, em busca do “caos em hospitais e na vida da população de Gaza”.
O jurista define os ataques como “fúria defensiva desumana de Israel” e assegura que os Estados Unidos pedem “moderação” e exigem “a morte mínima de palestinos inocentes”. Moderação e morte mínima.
A conclusão da sua hermenêutica de guerra é esta: mesmo com fúria desumana, os israelenses podem defensivamente atacar hospitais, porque há o respaldo das convenções. Defensivamente.
Os liberais brasileiros ficaram no século 20. Os que estão por aí perdidos nas leis das guerras já não sabem mais o que são. Alguns só se diferenciam dos radicais defensores do terror pela escrita empolada.
No resto, são iguais. Atacar ou não hospitais de uma cidade destruída, segundo essa gente, é só uma questão de buscar o melhor argumento jurídico.
Nesse cenário, o que podemos esperar dos extremistas? Ou dito de outra forma: com esses brilhantes e letrados juristas liberais, quem precisa de fascistas iletrados?
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