Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF |
"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." (Guimarães Rosa).
Lembro do grande escritor mineiro ao ver o ministro da STF, Flávio Dino, literalmente "metendo a mão no vespeiro" ao enfrentar a farra com dinheiro público em que se transformou a liberação de emendas por parte do Congresso Nacional. As decisões de Dino, na sequência, foram mantidas por unanimidade pelo plenário virtual do Supremo.
Só para relembrar, primeiro Dino bloqueou as chamadas "emendas Pix", que caem direto no caixa de prefeituras e estados, sem qualquer transparência e rastreabilidade. Não há instrumentos que permitam aos orgãos de controle e fiscalização, e muitos menos à sociedade, saber qual é a destinação dos recursos, ou seja, o tipo de obra ou serviço público no qual o dinheiro será usado.
Depois, como o Congresso, em vez de sinalizar com alguma medida moralizadora e sintonizada com o interesse público e o respeito às normas constitucionais, resolveu se pintar para a guerra e desengavetar vários projetos e PECs para enfraquecer o Supremo, Dino ampliou a restrição de liberação de emendas, bloqueando também as emendas impositivas - individuais e de comissão - as quais o governo é obrigado a executar até o fim de cada ano, abrindo exceções apenas para casos de calamidade pública ou obras já iniciadas.
Desde então, a imprensa só fala em crise entre os poderes e os reflexos negativos dessa queda de braço para o governo Lula. Sim, porque para o Centrão e a extrema-direita, gente em geral oportunista e com poucas luzes intelectuais, "o governo federal está por trás das manobras de Dino."
Ora, se ninguém tem mais a perder do que o governo com esse cabo de guerra, qual o interesse do Planalto em romper a corda de uma relação já difícil com o Congresso de composição mais conservadora e reacionária da história?
Falou mais alto, no entanto, a busca de pretextos para emparedar o governo, criando embaraços para a tramitação de projetos da área econômica.
Antes das determinações corajosas de Dino, a vida seguia mais ou menos assim:
1) Um ou outro partido questionava no STF a constitucionalidade da montanha de dinheiro à disposição dos parlamentares, mas as ações entravam na longa fila da Corte. Fora uma decisão da então ministra Rosa Weber questionando a legalidade da distribuição farta de emendas, prevalecia no Supremo um silêncio sobre o assunto. Coisa do tipo, "melhor não cutucar onça com vara curta."
2) O governo federal, que é quem mais perde com os dezenas de bilhões de reais a título de emendas que deputados e senadores controlam, em detrimento do orçamento da União, criticava o atual modelo, mas de pés e mãos atados por ser minoritário no Legislativo.
3) Já o Congresso Nacional voava em céu de brigadeiro, cevando de emendas prefeitos de todo país, fazendo deles cabos eleitorais de luxo de deputados e senadores. Montados na grana, não é à toa que a imensa maioria dos prefeitos candidatos à reeleição são favoritos.
Agora, depois que coube ao ministro Dino, o mais novato do STF, entrar em campo e chacoalhar o mundo político em defesa da Constituição, algum acordo envolvendo os poderes terá que ser feito. Seria ingenuidade achar que as decisões do ministro serão acatadas na íntegra e de forma duradoura pelo Legislativo.
Mas também a bandalheira com o dinheiro público, na forma de emendas parlamentares, tal qual acontece hoje, terá que ser submetida a algum freio de arrumação.
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