Por Marco Aurélio Weissheimer (*), no blog RS Urgente:
Estive na TVE esta semana para participar do programa Cidadania. O tema era justamente a divulgação do primeiro encontro de blogueiros e tuiteiros do Rio Grande do Sul. Fazia tempo que não entrava na TVE. Alguns anos. Tive um sentimento misto de alegria por voltar lá e tristeza por ouvir de funcionários da casa relatos sobre o processo de sucateamento que atingiu a emissora nos últimos anos, particularmente no governo da senhora Yeda Crusius. Fui informado que a última vez que se comprou equipamentos para a TVE foi durante o governo Olívio Dutra. A situação se agravou muito nos últimos quatro anos. A impressão que dá é que, se tivesse mais um mandato, Yeda Crusius acabaria por fechar a TVE.
O fato de o Estado do Rio Grande do Sul voltar a debater políticas públicas de Comunicação pode parecer modesto e mesmo trivial, mas, diante do que aconteceu nos últimos anos, representa um grande avanço e uma oportunidade extraordinária. Estado, aqui, deve ser tomado em um duplo sentido: no da instituição política e jurídica e também no sentido da região geográfica. Nós, que vivemos no Rio Grande do Sul, voltamos a falar sobre políticas públicas de comunicação e o governo do Estado voltou a considerar que essa área exige a elaboração de tais políticas. Essa combinação implica, por sua vez, que as políticas públicas de comunicação podem – e devem – ter uma dupla origem: políticas públicas elaboradas e implementadas pelo Estado e políticas públicas partindo da “esfera pública”, da sociedade, ou seja, de nós.
E aí, nós, blogueiros e ativistas dessa área, devemos fazer mais do que simplesmente exigir políticas públicas do Estado. Nós temos a oportunidade e o compromisso de produzir conteúdos e articulações que ajudem a criar algo que não existe hoje: uma esfera pública de comunicação. Pública, criativa e comprometida com o interesse público. De certo modo, isso já começou a ser feito nos últimos anos. A mobilização da blogosfera em torno da luta contra o projeto de venda do morro Santa Teresa, no governo Yeda, foi um exemplo disso. O trabalho realizado pelo Coletivo Catarse, produzindo documentários sobre lutas sociais e pessoas invisíveis aos olhos da grande mídia, é outro exemplo. O jornal Boca de Rua, feito por e para moradores de rua, é outro ainda. O conteúdo produzido por cada um de nossos blogs, em um dedicado trabalho diário é outro. Não foi pouco o que já foi construído e a realização deste encontro expressa esse acúmulo.
Mas expressa, também, arrisco-me a dizer, a oportunidade e o desafio de abrir uma outra etapa. Precisamos qualificar cada vez mais o conteúdo que produzimos em nossos espaços. Qualificar tanto no sentido da produção do conteúdo em si mesmo, quanto no da importância política, social e cultural das nossas pautas. O interesse público, a democracia, o meio ambiente e os direitos humanos e sociais estão sob ameaça no mundo inteiro. Estão ameaçados pelo grande capital, pelos interesses privados que desconhecem limites em sua busca pelo maior lucro no menor espaço de tempo.
A defesa do interesse público deve ser um elemento estratégico na formulação e implementação de políticas de comunicação. Também nessa área, avança a privatização e a concentração de riqueza, de propriedade e de produção de conteúdo. O que nós estamos tentando construir, o que esse encontro expressa, é uma barreira a esse processo. Uma barreira ainda muito frágil. Por outro lado, utilizando uma metáfora inversa a esta, também é um trabalho de perfurar o muro midiático que vem sendo construído incessantemente. Muro este que pretende dividir o mundo em dois grandes blocos: o dos vencedores e o dos perdedores.
Uma comunicação pública que mereça este nome tem o compromisso e o dever de abrir brechas nestes muros, de dissolver os guetos excludentes, de dar visibilidade ao que está invisível, de valorizar a vida e a criação, contra a lógica da morte e da destruição que alimenta hoje a destruição ambiental no planeta. Nós podemos contribuir para tornar essa comunicação realidade.
Na introdução ao livro “Um mapa da ideologia” (Editora Contraponto), Slavoj Zizek lembra uma reflexão de Fredric Jameson que pode nos ajudar a refletir sobre a natureza do desafio que temos pela frente. A reflexão é a seguinte: “hoje, ninguém mais considera seriamente as possíveis alternativas ao capitalismo, enquanto a imaginação popular é assombrada pelas visões do futuro colapso da natureza, da eliminação de toda a vida sobre a Terra. Parece mais fácil imaginar o fim do mundo que uma mudança muito mais modesta no modo de produção, como se o capitalismo liberal fosse o real que de algum modo sobreviverá, mesmo na eventualidade de uma catástrofe ecológica global”.
Se é verdade que, do ponto e vista ambiental, atingimos um ponto de não-retorno, como vêm defendendo um número crescente de cientistas, se é verdade que o fosso entre países ricos e pobres segue aumentando e se é verdade que o mundo permanece gastando muito mais em armas do que no combate à fome e à miséria, qual o conceito adequado para designar o atual estágio que estamos vivendo? Se é mais fácil imaginar o fim do mundo do que uma alternativa ao atual modelo político-econômico, então parece razoável pensar que estamos atravessando a fronteira entre esses dois conceitos.
Ou, dito de outro modo, já estamos com um pé no território da barbárie. Exagero? Pode ser, mas quando caminhamos nas ruas de uma cidade como Porto Alegre, com todos os avanços sociais dos últimos anos, somos brindados com cenas de miséria, de abandono, de injustiça. Esse é o material que deve alimentar as nossas políticas públicas, a nossa comunicação e a nossa militância pela vida.
* Texto apresentado no I Encontro de Blogueir@s e Tuiteir@s do Rio Grande do Sul, realizado neste final de semana, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
Estive na TVE esta semana para participar do programa Cidadania. O tema era justamente a divulgação do primeiro encontro de blogueiros e tuiteiros do Rio Grande do Sul. Fazia tempo que não entrava na TVE. Alguns anos. Tive um sentimento misto de alegria por voltar lá e tristeza por ouvir de funcionários da casa relatos sobre o processo de sucateamento que atingiu a emissora nos últimos anos, particularmente no governo da senhora Yeda Crusius. Fui informado que a última vez que se comprou equipamentos para a TVE foi durante o governo Olívio Dutra. A situação se agravou muito nos últimos quatro anos. A impressão que dá é que, se tivesse mais um mandato, Yeda Crusius acabaria por fechar a TVE.
O fato de o Estado do Rio Grande do Sul voltar a debater políticas públicas de Comunicação pode parecer modesto e mesmo trivial, mas, diante do que aconteceu nos últimos anos, representa um grande avanço e uma oportunidade extraordinária. Estado, aqui, deve ser tomado em um duplo sentido: no da instituição política e jurídica e também no sentido da região geográfica. Nós, que vivemos no Rio Grande do Sul, voltamos a falar sobre políticas públicas de comunicação e o governo do Estado voltou a considerar que essa área exige a elaboração de tais políticas. Essa combinação implica, por sua vez, que as políticas públicas de comunicação podem – e devem – ter uma dupla origem: políticas públicas elaboradas e implementadas pelo Estado e políticas públicas partindo da “esfera pública”, da sociedade, ou seja, de nós.
E aí, nós, blogueiros e ativistas dessa área, devemos fazer mais do que simplesmente exigir políticas públicas do Estado. Nós temos a oportunidade e o compromisso de produzir conteúdos e articulações que ajudem a criar algo que não existe hoje: uma esfera pública de comunicação. Pública, criativa e comprometida com o interesse público. De certo modo, isso já começou a ser feito nos últimos anos. A mobilização da blogosfera em torno da luta contra o projeto de venda do morro Santa Teresa, no governo Yeda, foi um exemplo disso. O trabalho realizado pelo Coletivo Catarse, produzindo documentários sobre lutas sociais e pessoas invisíveis aos olhos da grande mídia, é outro exemplo. O jornal Boca de Rua, feito por e para moradores de rua, é outro ainda. O conteúdo produzido por cada um de nossos blogs, em um dedicado trabalho diário é outro. Não foi pouco o que já foi construído e a realização deste encontro expressa esse acúmulo.
Mas expressa, também, arrisco-me a dizer, a oportunidade e o desafio de abrir uma outra etapa. Precisamos qualificar cada vez mais o conteúdo que produzimos em nossos espaços. Qualificar tanto no sentido da produção do conteúdo em si mesmo, quanto no da importância política, social e cultural das nossas pautas. O interesse público, a democracia, o meio ambiente e os direitos humanos e sociais estão sob ameaça no mundo inteiro. Estão ameaçados pelo grande capital, pelos interesses privados que desconhecem limites em sua busca pelo maior lucro no menor espaço de tempo.
A defesa do interesse público deve ser um elemento estratégico na formulação e implementação de políticas de comunicação. Também nessa área, avança a privatização e a concentração de riqueza, de propriedade e de produção de conteúdo. O que nós estamos tentando construir, o que esse encontro expressa, é uma barreira a esse processo. Uma barreira ainda muito frágil. Por outro lado, utilizando uma metáfora inversa a esta, também é um trabalho de perfurar o muro midiático que vem sendo construído incessantemente. Muro este que pretende dividir o mundo em dois grandes blocos: o dos vencedores e o dos perdedores.
Uma comunicação pública que mereça este nome tem o compromisso e o dever de abrir brechas nestes muros, de dissolver os guetos excludentes, de dar visibilidade ao que está invisível, de valorizar a vida e a criação, contra a lógica da morte e da destruição que alimenta hoje a destruição ambiental no planeta. Nós podemos contribuir para tornar essa comunicação realidade.
Na introdução ao livro “Um mapa da ideologia” (Editora Contraponto), Slavoj Zizek lembra uma reflexão de Fredric Jameson que pode nos ajudar a refletir sobre a natureza do desafio que temos pela frente. A reflexão é a seguinte: “hoje, ninguém mais considera seriamente as possíveis alternativas ao capitalismo, enquanto a imaginação popular é assombrada pelas visões do futuro colapso da natureza, da eliminação de toda a vida sobre a Terra. Parece mais fácil imaginar o fim do mundo que uma mudança muito mais modesta no modo de produção, como se o capitalismo liberal fosse o real que de algum modo sobreviverá, mesmo na eventualidade de uma catástrofe ecológica global”.
Se é verdade que, do ponto e vista ambiental, atingimos um ponto de não-retorno, como vêm defendendo um número crescente de cientistas, se é verdade que o fosso entre países ricos e pobres segue aumentando e se é verdade que o mundo permanece gastando muito mais em armas do que no combate à fome e à miséria, qual o conceito adequado para designar o atual estágio que estamos vivendo? Se é mais fácil imaginar o fim do mundo do que uma alternativa ao atual modelo político-econômico, então parece razoável pensar que estamos atravessando a fronteira entre esses dois conceitos.
Ou, dito de outro modo, já estamos com um pé no território da barbárie. Exagero? Pode ser, mas quando caminhamos nas ruas de uma cidade como Porto Alegre, com todos os avanços sociais dos últimos anos, somos brindados com cenas de miséria, de abandono, de injustiça. Esse é o material que deve alimentar as nossas políticas públicas, a nossa comunicação e a nossa militância pela vida.
* Texto apresentado no I Encontro de Blogueir@s e Tuiteir@s do Rio Grande do Sul, realizado neste final de semana, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
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