Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
Critiquei o comentário tosco do prefeito de São Paulo ao tratar do frio a que estão submetidos moradores de rua no meu último post. É incrível mas, quando toco nesse assunto, há uma enxurrada de comentários raivosos e, entre eles, a frase que representa toda a sabedoria reacionária por trás de tanto ódio:
“Tá com dó, leva pra casa”. Para dar continuidade ao assunto, resgatei uma história que já havia discutido aqui.
Um Beetle (o Fusca reestilizado da Volkswagen) cor-de-rosa pára no cruzamento da avenida Henrique Schaumann com a rua Cardeal Arcoverde, área nobre da cidade de São Paulo. No interior, apesar dos vidros fechados, dá para ver uma moça por volta de seus 20 anos e um rapaz da mesma idade, ambos aparentando alta classe social. Finos. Um velho homem, sem-teto, se aproxima do carro para pedir uma esmola. A idade pesa e ele encosta no capô enquanto faz o pedido aos ocupantes.
Pânico rosa-choque. A menina gesticula freneticamente. Aperta um botão no painel de seu carro e liga um alto-falante para falar com o mundo exterior: “Tire as mãos do carro!”
O idoso, surpreso, obedece. O semáforo abre e o carro arranca.
Ações explícitas de preconceito social no trânsito, travestidas do verniz de “temor por segurança”, não páram de me surpreender. De início, foram os carros blindados, que levam para as ruas da cidade a sensação de encastelamento dos condomínios fechados ou das mansões muradas. Sentimento falso, pois não são muros, chapas de aço ou um sisteminha de microfone/alto-falante de carro de pamonha que garantirão segurança aos moradores de uma metrópole como São Paulo. É bom como efeito placebo, para se enganar, mas, mais dia ou menos dia, as “hordas bárbaras” vão engolir a “civilização”. Ou seja, uma hora a bomba estoura.
São Paulo tem mais de 11 milhões de habitantes, mas apenas uns poucos são efetivamente cidadãos, com acesso a todos os seus direitos previsto em lei. Lembra a antiga Atenas, com uma democracia para uns poucos iluminados e o trabalho pesado para o grosso da sociedade, composta de escravos. Enquanto uns aproveitam uma vidinha “segura” dentro de clubes, restaurantes, boates, residenciais e carros com alto-falantes, outros penam para sobreviver e ser reconhecidos como gente. Para casa assassinato em Moema, 130 são mortos no Grajaú. Só que a morte de uma jovem em Moema causa mais impacto na mídia do que a de 130 na periferia, como já aconteceu em outros tempos. Tem vida que vale mais que outras, por causa do dinheiro.
Qual a causa da violência? A resposta não é tão simples para ser dada em um post de blog, mas com certeza a desigualdade social e a sensação de desigualdade social está entre as principais razões.
O preconceito da proprietária do Fusca estiloso vai no sentido contrário a uma solução, isolando os ricos ainda mais, deixando-os alheios ao sofrimento do resto da cidade. E, pior, dando aos mais pobres a sensação de que são lixo. Corta-se com isso a dimensão de reconhecer no outro um semelhante, com necessidades, e procurar um diálogo que construa algo e não destrua pontes. Há riscos de assaltos? Sempre há e eles vão acontecer. Mas deve se ter em mente que há atitudes que pioram o quadro. Ou a cidade será boa para todos ou a aristocracia que sobrar após o caos não conseguirá aproveitar sua pax paulistana.
Critiquei o comentário tosco do prefeito de São Paulo ao tratar do frio a que estão submetidos moradores de rua no meu último post. É incrível mas, quando toco nesse assunto, há uma enxurrada de comentários raivosos e, entre eles, a frase que representa toda a sabedoria reacionária por trás de tanto ódio:
“Tá com dó, leva pra casa”. Para dar continuidade ao assunto, resgatei uma história que já havia discutido aqui.
Um Beetle (o Fusca reestilizado da Volkswagen) cor-de-rosa pára no cruzamento da avenida Henrique Schaumann com a rua Cardeal Arcoverde, área nobre da cidade de São Paulo. No interior, apesar dos vidros fechados, dá para ver uma moça por volta de seus 20 anos e um rapaz da mesma idade, ambos aparentando alta classe social. Finos. Um velho homem, sem-teto, se aproxima do carro para pedir uma esmola. A idade pesa e ele encosta no capô enquanto faz o pedido aos ocupantes.
Pânico rosa-choque. A menina gesticula freneticamente. Aperta um botão no painel de seu carro e liga um alto-falante para falar com o mundo exterior: “Tire as mãos do carro!”
O idoso, surpreso, obedece. O semáforo abre e o carro arranca.
Ações explícitas de preconceito social no trânsito, travestidas do verniz de “temor por segurança”, não páram de me surpreender. De início, foram os carros blindados, que levam para as ruas da cidade a sensação de encastelamento dos condomínios fechados ou das mansões muradas. Sentimento falso, pois não são muros, chapas de aço ou um sisteminha de microfone/alto-falante de carro de pamonha que garantirão segurança aos moradores de uma metrópole como São Paulo. É bom como efeito placebo, para se enganar, mas, mais dia ou menos dia, as “hordas bárbaras” vão engolir a “civilização”. Ou seja, uma hora a bomba estoura.
São Paulo tem mais de 11 milhões de habitantes, mas apenas uns poucos são efetivamente cidadãos, com acesso a todos os seus direitos previsto em lei. Lembra a antiga Atenas, com uma democracia para uns poucos iluminados e o trabalho pesado para o grosso da sociedade, composta de escravos. Enquanto uns aproveitam uma vidinha “segura” dentro de clubes, restaurantes, boates, residenciais e carros com alto-falantes, outros penam para sobreviver e ser reconhecidos como gente. Para casa assassinato em Moema, 130 são mortos no Grajaú. Só que a morte de uma jovem em Moema causa mais impacto na mídia do que a de 130 na periferia, como já aconteceu em outros tempos. Tem vida que vale mais que outras, por causa do dinheiro.
Qual a causa da violência? A resposta não é tão simples para ser dada em um post de blog, mas com certeza a desigualdade social e a sensação de desigualdade social está entre as principais razões.
O preconceito da proprietária do Fusca estiloso vai no sentido contrário a uma solução, isolando os ricos ainda mais, deixando-os alheios ao sofrimento do resto da cidade. E, pior, dando aos mais pobres a sensação de que são lixo. Corta-se com isso a dimensão de reconhecer no outro um semelhante, com necessidades, e procurar um diálogo que construa algo e não destrua pontes. Há riscos de assaltos? Sempre há e eles vão acontecer. Mas deve se ter em mente que há atitudes que pioram o quadro. Ou a cidade será boa para todos ou a aristocracia que sobrar após o caos não conseguirá aproveitar sua pax paulistana.
3 comentários:
É tão deprimente andar pelo centro e adjacências de São Paulo que, quando se vai mostrar o fantástico "Museu da Lingua Portuguesa" - próximo à Sala São Paulo, em frente à Pinacoteca e ao lado da cracolândia -, dá até vergonha do descaso do poder público! Aquele assédio permanente de esfarrapados, escancara o desprezo dos governantes frente a qualquer cidadão que more nesta cidade. Assepsia? Bom a aristocrácia, os endinheirados deste estado a terão quando de seus corpos todos os líquidos forem retirados. Mas para que lhes servirá? Não poderão escorraçar mais nada, nem ninguém. Outros vivos, endinheirados, enxotarão os esfarrapados das proximidades de seus carros, de suas casas, de seu convívio. Não aprenderam a lição dos que lhes antecederam..."Pra que tanta pose, dotô?" Com diz a música...
essa pessoa do fusca,é da mesma linha daqueles que gostam de forró,mas tem vergonha de falar que gosta,porque acham que é coisa de pobre,daí inventam o forró universitário,ou dos que gostam de sertanejo,mas como sertanejo é popularesco,inventaram o sertanejo universitario,é o mesmo do fusca,ela deve admirar pessoas que tem um fusca, daqueles velhos,por serem pessoas descoladas,modernas,independentes de preconceitos- mas ela pensa :poxa fusca é de pobre !,daí ela compra o fusca novo,porque assim ela se acha moderna também e ninguem vai pensar que ela é pobre,ou seja ela é pobre sim,de espirito,de coragem,de personalidade,pois é daquelas que não consegue assumir o que gosta,vivem de aparencias e aceitação alheia.
Excelente texto, tanto na forma, como no conteúdo, a título de contribuição, tendo trabalhado em vários estados do nosso maravilhoso país, devo esclarecer que, tristemente, não se trata de uma frase paulistana, mas uma frase brasileira.
A frase "tire as mãos do meu carro" relata o tratamento dispensado por uma pessoa fria e materialista, à uma pessoa pobre e necessitada, é um comportamento ruim, mas não me assusta, o que me assusta é o comportamento que essas pessoas frias e materialistas, dispensam à sua própria família, privilegiando o carro.
Outros, muito melhores que eu, já analisaram o problema, e relataram que há pessoas capazes de dar 60 litros de gasolina Aditivada ou Premium para o carro beber, mas incapazes de dar 1 litro de leite integral tipo A para um filho em fase de crescimento beber, dizem que a gasolina é barata, mas o leite é caro.
Levar o filho doente ao consultório médico, é um compromisso chato, se o filho não estiver com febre, fatalmente isso será adiado, mas levar o Deus Carro à oficina mecânica é um compromisso sério e inadiável.
Pagam com satisfação os valores cobrados pelo mecânico que cuida do carro, mas não pagam uma consulta médica para a esposa, pagam muito pelo seguro do carro, mas nada pelo seguro de vida, preferem deixar a família à própria sorte, caso o Deus Carro decida ceifar-lhes a vida.
Não me orgulho de ser paulistano, ao contrário, quase sinto vergonha disso, mas a verdade é que o povo brasileiro é todo assim, em todas as classes sociais, infelizmente.
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