Por Francisco Luque, de Buenos Aires, no sítio Carta Maior:
“Eu digo a todos os jovens que não se preocupem com as coisas que dizem esses meios de comunicação, eles são centros de emissão de poder que justificaram a ditadura e a repressão; os jovens são o mais maravilhoso deste movimento popular”, afirmou, enfática, a presidenta Cristina Fernández de Kirchner em defesa da militância juvenil que hoje, pela mão do kirchnerismo e depois de décadas de inércia e apatia, regressou à política.
Durante a última semana, os meios hegemônicos da Argentina - Clarín e La Nación - dedicaram pujantes artigos de opinião contra a irrupção dos jovens na política e a colocação de muitos deles em lugares próximos ao poder. O alvo preferido destes ataques foi a La Cámpora, a agrupação da juventude kirchnerista, liderada pelo filho da presidenta, Máximo Kirchner, e um dos principais expoentes da renovação política.
O artigo do Clarín enfatiza a existência de um “gene montonero” que estaria “fatalmente” inscrito no DNA da La Cámpora, como herdeiros daquele movimento dos anos 70. A outra, publicada no La Nación, inscrevia o jovem vice-ministro da Economia, Axel Kiciloff, em uma tradição “judia, marxista e psicanalítica”.
“Kicillof é um acadêmico marxista. Ao doutorar-se defendeu que lorde Keynes era um pensador radical tergiversado pela análise burguesa. Para ele, Stiglitz ou Krugman são quase tão ortodoxos como Mankiw ou Barro. Nos últimos tempos Kicillof se concentrou mais em Marx. Está aprendendo alemão para lê-lo em sua versão original. Filho de um psicanalista, bisneto de um legendário rabino vindo de Odessa, a genealogia de Kicillof parece ser uma sucessão de dogmas. Em seu caso, sustenta que as ciências econômicas, tal como se ensina nas universidades argentinas - ou em 90% do sistema acadêmico internacional -, é a fachada técnica de um aparato de dominação. É a razão pela qual propõe a reforma de todos os planos de estudo”, afirma o artigo titulado “Axel Kicillof, o marxista que substituiu Boudou”, do jornalista Carlos Pagni. “É um artigo muito nazista”, contestou a presidenta.
A resposta não se fez esperar. O jovem economista afirmou, no programa 678 da Televisão Pública, que a farra das classes dominantes está terminando. “Há uma mudança de época e diante disso eu noto muito desespero. Poderiam dizer quinhentas coisas sobre a matéria que me alude, mas fico com o título. “Quem autoriza esse senhor colocar ‘o marxista Kicillof’? É um adjetivo que foi posto aí para agitar seus próprios fantasmas”.
A volta dos jovens à política é um fenômeno interessante. Nascidos no fulgor das barricadas durante a crise institucional de 2001, os jovens argentinos reestruturaram o conceito de militância. Desde diversas agrupações - universitárias, organismos de direitos humanos (como netos de detidos desaparecidos) e partidos tradicionais - os jovens foram aglutinando-se em um movimento social de massas que teve enorme visibilidade nos últimos anos.
Foram vistos apoiando o governo durante o conflito com o campo em 2008 (momento onde nasce a “militância digital”, com os “blogueiros K”), que embora tenha terminado em derrota legislativa foi a “declaração de identidade com o kirchnerismo”, até o apoio presencial e emotivo à Presidenta durante o funeral de Néstor Kirchner. Depois, na discussão da “Ley de Medios” e na individualização dos meios hegemônicos, mais que a oposição política, como o inimigo a vencer no confronto pelo “relato”, a estatização dos Fundos de Pensão, a criação do Abono Universal por Filho e até a utilização das reservas do Banco Central para o pagamento da dívida acabaram por formar um mito.
A história terminou aglutinando os jovens, entre outros a La Cámpora, nos momentos mais transcendentais que viveu o kirchnerismo, e foi Néstor Kirchner quem começou a reestruturar e construir esta aliança estratégica. É uma “ponte entre gerações”, dizia.
O certo é que o ataque de certa imprensa à militância jovem é uma intriga. Estes meios, representantes dos setores mais conservadores da sociedade, temem as caras novas ou esperam o pior, enquanto a realidade indica que os jovens ganham dia a dia mais espaço frente os velhos quadros políticos.
"Querem converter a La Cámpora em uns monstros", afirmou Kicillof, enquanto rejeitava as acusações que os meios de comunicação fazem sobre a agrupação, sobre ganharem seus espaços sem demasiados méritos. "Desde o secundário que não parei de militar. Em 2001 [na crise social de dezembro de 2001] estávamos do lado dos mortos". A presidenta enfrentou as acusações com dados: “Eles têm 29 dos 21.332 cargos dirigentes que temos em todo o país. Vão ter que trabalhar um pouco mais para serem tão poderosos”.
“A mobilização requer politização, mas a politização não pode existir sem uma representação conflituosa do mundo, que inclua campos opostos com os quais as pessoas possam se identificar, permitindo dessa forma que as paixões se mobilizem politicamente dentro do espectro do processo democrático”, afirma a cientista política Chantal Mouffe no trabalho “Em torno do político”. Mouffe explica que a atual ênfase no consenso gera sociedades cada vez mais desinteressadas na política, se um ou outro são mais ou menos o mesmo.
Então, o fenômeno juvenil militante na Argentina seria uma anomalia. Assim, enquanto em boa parte do mundo as juventudes desencantadas se manifestam ocupando praças por fora dos espaços políticos, esta militância juvenil o faz por dentro, pertencendo, inclusive, a estrutura do Estado.
* Tradução de Libório Junior
“Eu digo a todos os jovens que não se preocupem com as coisas que dizem esses meios de comunicação, eles são centros de emissão de poder que justificaram a ditadura e a repressão; os jovens são o mais maravilhoso deste movimento popular”, afirmou, enfática, a presidenta Cristina Fernández de Kirchner em defesa da militância juvenil que hoje, pela mão do kirchnerismo e depois de décadas de inércia e apatia, regressou à política.
Durante a última semana, os meios hegemônicos da Argentina - Clarín e La Nación - dedicaram pujantes artigos de opinião contra a irrupção dos jovens na política e a colocação de muitos deles em lugares próximos ao poder. O alvo preferido destes ataques foi a La Cámpora, a agrupação da juventude kirchnerista, liderada pelo filho da presidenta, Máximo Kirchner, e um dos principais expoentes da renovação política.
O artigo do Clarín enfatiza a existência de um “gene montonero” que estaria “fatalmente” inscrito no DNA da La Cámpora, como herdeiros daquele movimento dos anos 70. A outra, publicada no La Nación, inscrevia o jovem vice-ministro da Economia, Axel Kiciloff, em uma tradição “judia, marxista e psicanalítica”.
“Kicillof é um acadêmico marxista. Ao doutorar-se defendeu que lorde Keynes era um pensador radical tergiversado pela análise burguesa. Para ele, Stiglitz ou Krugman são quase tão ortodoxos como Mankiw ou Barro. Nos últimos tempos Kicillof se concentrou mais em Marx. Está aprendendo alemão para lê-lo em sua versão original. Filho de um psicanalista, bisneto de um legendário rabino vindo de Odessa, a genealogia de Kicillof parece ser uma sucessão de dogmas. Em seu caso, sustenta que as ciências econômicas, tal como se ensina nas universidades argentinas - ou em 90% do sistema acadêmico internacional -, é a fachada técnica de um aparato de dominação. É a razão pela qual propõe a reforma de todos os planos de estudo”, afirma o artigo titulado “Axel Kicillof, o marxista que substituiu Boudou”, do jornalista Carlos Pagni. “É um artigo muito nazista”, contestou a presidenta.
A resposta não se fez esperar. O jovem economista afirmou, no programa 678 da Televisão Pública, que a farra das classes dominantes está terminando. “Há uma mudança de época e diante disso eu noto muito desespero. Poderiam dizer quinhentas coisas sobre a matéria que me alude, mas fico com o título. “Quem autoriza esse senhor colocar ‘o marxista Kicillof’? É um adjetivo que foi posto aí para agitar seus próprios fantasmas”.
A volta dos jovens à política é um fenômeno interessante. Nascidos no fulgor das barricadas durante a crise institucional de 2001, os jovens argentinos reestruturaram o conceito de militância. Desde diversas agrupações - universitárias, organismos de direitos humanos (como netos de detidos desaparecidos) e partidos tradicionais - os jovens foram aglutinando-se em um movimento social de massas que teve enorme visibilidade nos últimos anos.
Foram vistos apoiando o governo durante o conflito com o campo em 2008 (momento onde nasce a “militância digital”, com os “blogueiros K”), que embora tenha terminado em derrota legislativa foi a “declaração de identidade com o kirchnerismo”, até o apoio presencial e emotivo à Presidenta durante o funeral de Néstor Kirchner. Depois, na discussão da “Ley de Medios” e na individualização dos meios hegemônicos, mais que a oposição política, como o inimigo a vencer no confronto pelo “relato”, a estatização dos Fundos de Pensão, a criação do Abono Universal por Filho e até a utilização das reservas do Banco Central para o pagamento da dívida acabaram por formar um mito.
A história terminou aglutinando os jovens, entre outros a La Cámpora, nos momentos mais transcendentais que viveu o kirchnerismo, e foi Néstor Kirchner quem começou a reestruturar e construir esta aliança estratégica. É uma “ponte entre gerações”, dizia.
O certo é que o ataque de certa imprensa à militância jovem é uma intriga. Estes meios, representantes dos setores mais conservadores da sociedade, temem as caras novas ou esperam o pior, enquanto a realidade indica que os jovens ganham dia a dia mais espaço frente os velhos quadros políticos.
"Querem converter a La Cámpora em uns monstros", afirmou Kicillof, enquanto rejeitava as acusações que os meios de comunicação fazem sobre a agrupação, sobre ganharem seus espaços sem demasiados méritos. "Desde o secundário que não parei de militar. Em 2001 [na crise social de dezembro de 2001] estávamos do lado dos mortos". A presidenta enfrentou as acusações com dados: “Eles têm 29 dos 21.332 cargos dirigentes que temos em todo o país. Vão ter que trabalhar um pouco mais para serem tão poderosos”.
“A mobilização requer politização, mas a politização não pode existir sem uma representação conflituosa do mundo, que inclua campos opostos com os quais as pessoas possam se identificar, permitindo dessa forma que as paixões se mobilizem politicamente dentro do espectro do processo democrático”, afirma a cientista política Chantal Mouffe no trabalho “Em torno do político”. Mouffe explica que a atual ênfase no consenso gera sociedades cada vez mais desinteressadas na política, se um ou outro são mais ou menos o mesmo.
Então, o fenômeno juvenil militante na Argentina seria uma anomalia. Assim, enquanto em boa parte do mundo as juventudes desencantadas se manifestam ocupando praças por fora dos espaços políticos, esta militância juvenil o faz por dentro, pertencendo, inclusive, a estrutura do Estado.
* Tradução de Libório Junior
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