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A notícia, divulgada esta semana, da abertura de negociações entre o governo colombiano de Juan Manuel Santos e representantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, abre uma perspectiva de paz no principal conflito armado na América do Sul e, ao mesmo tempo, levanta um conjunto de indagações.
Esta perspectiva de pacificação merece ser comemorada. As notícias indicam que os contatos entre as duas partes ocorrem há mais de um ano; o presidente venezuelano Hugo Chávez teria indicado a disposição para a conversa entre as partes que, iniciada em Cuba, aplainou a rota para as negociações previstas para começar outubro, em Oslo (Noruega) e que podem durar um ano e meio.
Além de ser o mais intenso conflito armado na América do Sul, a guerra civil na Colômbia é também a mais longa, começando - em sua forma atual - em 1964. Nas últimas décadas ocorreram negociações de paz com o governo - por exemplo em 1985, e de 1999 a 1991 - que foram sabotadas pelo exército e por milícias paramilitares de direita aliadas ao narcotráfico que, promovendo ataques e massacres, inviabilizaram qualquer iniciativa nesse sentido.
Traições como estas marcam a história da Colômbia há muito tempo, desde a guerra civil iniciada em 1948, opondo os liberais aliados aos comunistas contra os conservadores. A exigência de reforma agrária estava no centro da luta, que mobilizava as massas camponesas do país.
Depois da revolução cubana de 1959 o quadro começou a mudar e os liberais, temendo os comunistas, começaram a se aproximar dos conservadores. O maior sinal dessa traição ocorreu em 27 de maio de 1964, quando o governo colombiano, sob pressão dos EUA, massacrou camponeses rebelados no povoado de Marquetália, no centro do país. Um grupo de combatentes conseguiu fugir para as matas, dando início às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, com amplo e firme apoio do Partido Comunista da Colômbia.
A resistência camponesa se ampliou rapidamente, mobilizando a população e estendendo seu controle sobre vasta região; no final da década de 1990, os combates chegaram a 80 quilômetros de Bogotá, ameaçando diretamente a capital do país.
A reação da direita e dos aliados do imperialismo foi a intensificação da guerra. Os governos da Colômbia e dos EUA criaram o chamado Plano Colômbia, em 1999, que acentuou a presença militar estadunidense na região. Sob o pretexto de combater o narcotráfico, os governos de Bill Clinton e George Bush Jr. aplicaram mais de dois bilhões de dólares no país, além de enviar grande número de militares para a Colômbia, que passou a ser o terceiro maior beneficiário de ajuda militar dos EUA, atrás apenas de Israel e do Egito.
A presença militar dos EUA fortaleceu ainda mais a direita colombiana e acentuou os contornos mais bárbaros da guerra. Os grupos paramilitares - na verdade esquadrões da morte - organizados nas chamadas Autodefesas Unidas da Colômbia acentuaram as ações de extermínio com apoio do Exército e mesmo do governo, particularmente durante o mandato de Álvaro Uribe (2002-2010), de extrema direita. Aquelas milícias foram responsáveis pelo assassinato de milhares de militantes da esquerda e do Partido Comunista da Colômbia. Um escândalo de grandes proporções, em 2007 - conhecido como “falsos positivos” - indicou a extensão dos crimes praticados pela repressão: o Ministério da Defesa resolveu pagar uma recompensa de 3,8 milhões de pesos (cerca de 2.000 dólares) para cada guerrilheiro que fosse morto; muitos agentes da repressão passaram a assassinar pessoas indiscriminadamente, para receber essa recompensa!
Embora tenha acentuado a repressão e os assassinatos de dirigentes guerrilheiros, o governo colombiano não conseguiu derrotar as FARC que, atualmente, continuam atuando em mais de 20% do território do país e mobilizando quase 20 mil combatentes - números expressivos que indicam a profundidade da base social da guerrilha.
As negociações anunciadas nesta segunda feira (27) parecem as mais ambiciosas desde o início da guerrilha, meio século atrás. Entre outros pontos, sua pauta envolve, diz o professor da Universidade Nacional da Colômbia, Carlos Medina Gallego, a garantia da reforma agrária; a incorporação dos guerrilheiros à vida política do país; o julgamento dos responsáveis por violação dos direitos humanos; e, sobretudo, a incorporação às forças oficiais dos combatentes das FARC, principalmente nas regiões onde existem bases guerrilheiras.
Este último ponto chama a atenção, pois embora o governo colombiano negue-se a classificar as FARC como forças beligerantes (protegidas, portanto, pela legislação e por acordos internacionais), o mero fato de admitir negociar sua incorporação às forças oficiais é um reconhecimento implícito desse caráter.
A esperança foi acesa na Colômbia - esperança do fim do conflito e de avanços democráticos para favorecer o povo do país. Esperança também de que o anúncio feito na segunda-feira não seja seguido, novamente, pela traição ao povo em luta e pelo recrudescimento da ação armada contra os guerrilheiros.
Outro aspecto que precisa ser levado em conta é o fato de que um processo democrático de pacificação da Colômbia criará melhores condições de incorporação do país ao esforço de integração continental e desenvolvimento autônomo e soberano vivido pelo continente desde a eleição de Hugo Chávez em 1998 e de Luís Inácio Lula da Silva em 2002.
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