Por Glauco Faria, na revista Fórum:
Entre aqueles que tentaram resistir à ideia da internet ser algo revolucionário na área da comunicação, tornou-se lugar comum dizer que “a televisão não matou o rádio”, fazendo referência ao fato de que uma nova plataforma não substitui necessariamente a anterior. No entanto, a internet não absorve ou remodela simplesmente conteúdos das antigas plataformas, mas possui características que a tornam um fenômeno ainda não totalmente compreendido nem mesmo nos meios acadêmicos. Além de ser um meio interativo por excelência, seu caráter aberto faz com que a produção de seus conteúdos não esteja sob domínio quase absoluto das grandes corporações, como ocorre com outros meios. E essas são duas das características da rede que fazem com que o jornalismo e o próprio fazer jornalístico cheguem a uma encruzilhada.
Em seu novo livro A explosão do jornalismo – Das mídias de massa à massa de mídias, lançado em junho pela Publisher Brasil, Ignacio Ramonet aborda a questão com rara precisão. “A internet é totalizadora. Uma lógica nova instala-se – não desprovida de riscos –, diferente daquela da produção fordista da época industrial. Naquela época, mesmo que vários ‘operários especializados’ pudessem contribuir na fabricação de um produto, este, no final, era entregue completo, acabado, fechado, e correspondia ponto por ponto ao projeto inicial. Esse não é mais o caso”, aponta. Cita ainda Jeff Jarvis, blogueiro e professor de jornalismo da City University de Nova York, que afirma: “A internet não é uma mídia.” Segundo ele, trata-se de “uma sociedade, um espaço onde nós podemos nos conectar com os outros […]. As empresas midiáticas pensam que a internet deveria se comportar como uma mídia. Elas estão enganadas”.
Aqueles que antes eram leitores ou espectadores passivos passaram a ser também produtores de informação. E, às vezes, com a ajuda dos próprios veículos, que estimulam internautas a mandar relatos, fotos e informações. Na era da velocidade, e em um modelo de jornalismo que sempre privilegiou o “furo”, ou seja, a notícia revelada ou dada antes da concorrência, é nas redes sociais que qualquer um pode “furar” um jornalista ao dar uma informação antes de todos. No Twitter, a morte de Osama Bin Laden foi divulgada antes do anúncio da Casa Branca, e um vizinho seu havia narrado, sem saber, o ataque estadunidense ao esconderijo do chefe da Al-Qaeda. Em outro extremo da informação, o mesmo aconteceu com a cantora Whitney Houston, cuja morte foi divulgada 27 minutos antes da primeira agência noticiosa confirmar a notícia.
Antecipar informações não é o único ponto no qual as redes sociais interferem na produção jornalística. “Redes sociais como o Twitter conseguem dar visibilidade a assuntos que passam a ter destaque quando chegam, por exemplo, aos Trending Topics (TTs) [temas mais comentados do microblogue], já que, para alguns temas chegarem aos TTs, é preciso muita mobilização e se exige um grande esforço”, pondera Gabriela Zago, doutoranda em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora na área de cibercultura.
Diante disso, qual o papel que o jornalismo (e os jornalistas) teria nos dias atuais? Conforme Carlos Magno, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), instituição responsável pela supervisão dos órgãos de comunicação social em Portugal, o papel dos jornalistas é “assegurar a qualidade da notícia”. “O que hoje se passa no espaço mediático é que, muitas vezes, não se cumprem as regras da notícia, não se confirma a informação”, disse, em uma conferência realizada pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra.“Os políticos têm medo dos jornalistas, os jornalistas têm medo do desemprego”, e, segundo ele, os proprietários dos veículos “têm medo da falência”, sendo que “uma sociedade cheia de medo tem maior dificuldade em fazer jornalismo de qualidade”. Talvez o panorama no Brasil e em outros países não seja tão distinto nesses aspectos.
Pesa também contra a imprensa comercial a desconfiança. Ramonet remete a um levantamento feito pelo Centro de Estudo da Vida Política Francesa (Cevipof), que, em janeiro de 2010, mostrou que somente 27% das pessoas entrevistadas confiavam nas mídias, menos que nos bancos, que tinham 37%. No Brasil, de acordo com o Índice de Confiança Social (ICS), pesquisa feita anualmente pelo Ibope Inteligência desde 2009, a credibilidade dos meios de comunicação também está em queda, indo de 71%, em 2009, para 65%, em 2011. E é bom ressaltar que esse dado não diz respeito à imprensa especificamente, mas sim aos meios de comunicação em geral.
A questão da sustentabilidade econômica
Se a “hecatombe” representada pela internet afeta todos os media, é especialmente cruel com a mídia impressa. Hoje, as pessoas consomem mais informação na internet do que na imprensa escrita impressa, e essa mudança de hábito tem um grande impacto inclusive em publicações tradicionais. “O mundo do jornalismo impresso se encontra em uma total aflição. Entre 2003 e 2008, a circulação mundial de jornais diários pagos desabou 7,9% na Europa e 10,6%, na América do Norte. Durante 2009, a queda continuou: 3,4%, na América do Norte, e 5,6%, na Europa. Quanto às receitas publicitárias, principal fonte da maioria dos jornais dominantes, elas diminuíram, em 2009, 17%. Na Europa Ocidental, a queda foi de 13,7% e na América do Norte de 26%! A publicidade on-line, que deveria salvar o setor, por sua vez, viu suas receitas recuarem, em 2009, 5%”, aponta Ramonet.
E, enquanto revistas e jornais perdem receitas publicitárias, a internet ganha. Nos Estados Unidos, em 2011, elas chegaram a US$ 31 bilhões no meio virtual, conforme relatório do Interactive Advertising Bureau e da PwC. Já os jornais impressos viram suas receitas de publicidade atingirem US$ 23,9 bilhões em 2011, o que representa uma queda de mais de 50% em um período de cinco anos. Em 2009, conforme dados da World Association of Newspapers, a televisão continuava recebendo o maior aporte publicitário, com 39% do mercado. Depois vinham os jornais, com 24%, e a internet, com 12%.
Em vista disso, os veículos impressos tiveram que se adaptar. Em todo o mundo, aqueles que não fecharam suas portas reduziram drasticamente o pessoal, tornaram-se gratuitos e/ou reduziram sua circulação. No Brasil, alguns grandes adotaram a agressiva estratégia de fazer promoções nas quais garantem diversas edições gratuitas, a fim de manter sua tiragem e continuar cobrando alto pela publicidade em suas páginas. E, claro, também migraram para a internet. No caso do tradicional Jornal do Brasil, a solução foi mais radical. A edição impressa simplesmente foi extinta, passando a existir somente sua versão digital.
Mesmo com as mudanças e adaptações, ainda há sérias dúvidas quanto às possibilidades de os veículos impressos tradicionais conseguirem sobreviver na rede exclusivamente de publicidade. Nos Estados Unidos, os anúncios são alocados principalmente nos sites de buscas (área em que o Google predomina, detendo aproximadamente 65% do mercado mundial) e responde por US$ 14,7 bilhões. Já a propaganda que inclui vídeos e banners equivale a US$ 11,1 bilhões. A saída para muitos tem sido ou cobrar pelo acesso – o que gera queda de audiência, mas, ao mesmo tempo, um controle maior sobre quem é o leitor e possibilidades de negociar publicidade para públicos segmentados – ou criar novos produtos exclusivamente para o meio virtual.
“A migração publicitária tem muito a ver com o público, o mercado de propaganda é muito objetivo, ele aguenta investir em determinado tipo de mídia por coleguismo por um certo tempo, depois, se aquele veículo não tem público, vai migrar para onde tem”, explica Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além dos sites de busca, outro nicho de publicidade que dá mostras de crescimento e ainda tem um potencial não explorado são as redes sociais. “Vou dar um exemplo concreto. Hoje, quem produz cultura sabe que o papel é uma das piores mídias para anunciar, porque sobretudo o público jovem não está no papel, está nas redes sociais. As mídias sociais fazem com que todo perfil tenha público, e se o perfil se coloca em uma atividade constante de produção de conteúdo, cultivando o seu público, naturalmente vira uma mídia para ser anunciada, e quem anuncia tem cada vez mais poder de decidir onde vai anunciar, e antes não era assim”, aponta. “Já dizia Marx: o capital não tem moral, então, se é para ganhar grana, a publicidade vai para onde tem público. E já começa um processo, ainda pequeno, da saída da TV para a internet.”
Em meio à turbulência que elevou a internet à condição de protagonista na área de comunicação e uma das principais captadoras de recursos publicitários, as grandes companhias ainda não deixaram de exercer influência na produção de notícias na internet, embora seu poder tenha sido abalado. Tom Rosenstiel, em artigo publicado no The Washington Post em abril de 2011, traz alguns dados sobre a questão. Em 2010, a internet ultrapassou pela primeira vez os jornais como a plataforma na qual os estadunidenses se informam regularmente. De acordo com pesquisa do Pew Research Center, 46% dos adultos dizem consultar a rede para acessar notícias pelo menos três vezes por semana, enquanto 40% leem jornais com a mesma frequência. Mas quem produz a notícia que é consumida por essas pessoas?
Aí está o nó que ainda garante poder aos grandes grupos de comunicação. Dos 25 sites de notícias mais populares nos EUA, dois são de tradicionais grupos de mídia, o The New York Times e a CNN, enquanto outros grandes atores, que nasceram na web, conseguem chamar leitura com agregadores de notícias, como o Yahoo ou o Google Notícias. Rosenstiel aponta que, dos 200 sites de notícias com maior tráfego, 81 % são meios tradicionais ou agregadores que republicam suas informações.
Novos caminhos do jornalismo
Em abril deste ano, o jornalista Carlos Castilho publicou um artigo no Observatório da Imprensa, no qual refletia sobre como seria a cobertura do caso Watergate (que completa 40 anos em junho) hoje, com o advento das novas tecnologias. “A lista de comparações entre o Watergate analógico dos anos 1970 e os escândalos contemporâneos têm uma diferença fundamental. Há 40 anos, a imprensa tinha o controle sobre a divulgação das acusações, investigações e acusações porque era o principal canal de informações para o público. Hoje, ela continua dependente de ‘gargantas profundas’, como mostram os escândalos recentes em Brasília, mas tem que competir com blogs e qualquer jornalista com acesso à internet.”
Essa é uma diferença fundamental. Os jornalistas e os donos da mídia não falam mais sozinhos, uma situação nova que obriga à reflexão da própria prática jornalística. Quando uma notícia equivocada é divulgada, pode ser contestada de pronto pelas redes sociais. Um dos exemplos mais bem-acabados de tal ação foi o já clássico episódio da bolinha de papel que atingiu o então candidato à presidência da República José Serra, em 2012. O fato, que em um primeiro momento foi relatado como tendo sido uma agressão grave, foi desconstruído na rede, obrigando a Rede Globo, que havia bancado a primeira versão, a “responder” aos internautas utilizando quase dez minutos de seu principal noticiário, o Jornal Nacional.
Episódios como esse mostram que existe um grande espaço para se repensar o jornalismo. “É verdade que a imprensa escrita está à procura de meios de refundar-se, mas os jornalistas não vão desaparecer, porque talvez nunca tenha havido momento mais favorável para ser jornalista. O acesso à informação é maior do que em qualquer outro momento da história. E graças às novas ferramentas da web, a audiência é igualmente colossal, potencialmente infinita”, explica Ignacio Ramonet. “Mas vivemos uma revolução. O advento de cada nova invenção provoca uma reviravolta na economia geral do campo e desencadeia uma espécie de ‘darwinismo’, de seleção pela maior ou menor adaptação ao novo contexto. Os grandes grupos de imprensa desesperam-se, aterrorizados com a brutalidade de uma transformação que está ocorrendo agora entre nós. A aclimatação ao novo ecossistema será árdua, penosa e funesta. Numerosos jornais vão desaparecer, mas outros conseguirão ajustar-se e sobreviverão”, acredita.
Dentro dessa “aclimatação” citada por Ramonet, profissionais de comunicação, que passam a conviver no seu cotidiano com uma multiplicidade de fontes, começam a buscar novas narrativas e possibilidades. E aparecem novos atores. “Quando surge essa ideia de jornalismo colaborativo, de o público fazer parte do processo, acho que se trata de um momento muito mais radical da mudança do que a gente chama de jornalismo colaborativo para o midiativismo. E o que é isso? É aquele sujeito – e a gente viu muito isso nas manifestações na Europa – que faz, em tempo real, de dentro da manifestação, a cobertura do acontecimento. Ele vai produzir um manancial de informações tão diversificado dentro desses movimentos que vai começar a roubar a cena, porque ele chega primeiro”, sustenta Fabio Malini. “É um sujeito que recupera uma visão de rua e vai repercutir, um tipo de linguagem jornalística que tinha sido abandonada e que volta. Já não é mais o cara que colabora com alguém, é a pessoa que faz – tenho usado esse termo –, um blogueiro que atua. Ele rompe com a figura do problogger, o blogueiro profissional, essa galera que vai na Campus Party, porque ele quer produzir conteúdo próprio. Essa atuação atrai um grande público, porque antes a noticia chegava mais tarde, e cheia de filtros, e agora cada vez mais vemos as coisas acontecerem de dentro. E é uma narrativa diferente, própria das redes sociais, uma narrativa colaborativa.”
“As novas tecnologias ajudam muito a produção jornalística, mas não a modificam. O inicio e o fim são os mesmos, a busca pela informação, que é o que vai determinar se o trabalho jornalístico foi bem feito ou não”, reflete a jornalista Natalia Viana, parceira do WikiLeaks no Brasil e coordenadora de Estratégia da Agência Pública, a primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil, modelo que muitos acreditam representar um jornalismo sustentável economicamente no futuro. Em outros países, a fórmula tem dado certo, como se percebe pelo exemplo da ProPublica, que recebeu em 2012 seu segundo prêmio Pulitzer no espaço de dois anos. Para Natalia, o modelo pode se reproduzir. “Acho que já está se multiplicando, porque isso é uma coisa que as novas tecnologias permitem. No caso do Pinheirinho, por exemplo, antes de a mídia tradicional chegar, quem estava lá era os jornalistas independentes e os próprios moradores que denunciavam os abusos. Tanto é que optamos por nem levar ninguém para cobrir, porque achamos que havia material em quantidade suficiente e de boa qualidade vindo justamente dessas fontes. Qualquer um tem uma câmera, uma passagem de ônibus não é algo muito caro, quem quiser ir, hoje, pode ir. O jornalismo pode ser feito de diversas maneiras, inclusive por grupos, associações e movimentos sociais.”
Diante de um cenário que tem perspectivas otimistas para a democratização da comunicação no Brasil e no resto do mundo, o jornalismo tem um campo fértil e ainda inexplorado pela frente. Enfrentar dogmas, corporativismos, conceitos ultrapassados e resgatar a essência da atividade serão dois dos principais desafios que se colocam. E fica a reflexão de Ignacio Ramonet, cujos trechos de seu novo livro você poderá ler nas páginas a seguir. “Face a todas as transformações tecnológicas com as quais nos defrontamos, devemos colocar-nos a seguinte pergunta: De que problemas atuais o jornalismo é a solução? Se conseguirmos responder, então o jornalismo jamais desaparecerá.”
* Colaborou: Mario Henrique de Oliveira
Entre aqueles que tentaram resistir à ideia da internet ser algo revolucionário na área da comunicação, tornou-se lugar comum dizer que “a televisão não matou o rádio”, fazendo referência ao fato de que uma nova plataforma não substitui necessariamente a anterior. No entanto, a internet não absorve ou remodela simplesmente conteúdos das antigas plataformas, mas possui características que a tornam um fenômeno ainda não totalmente compreendido nem mesmo nos meios acadêmicos. Além de ser um meio interativo por excelência, seu caráter aberto faz com que a produção de seus conteúdos não esteja sob domínio quase absoluto das grandes corporações, como ocorre com outros meios. E essas são duas das características da rede que fazem com que o jornalismo e o próprio fazer jornalístico cheguem a uma encruzilhada.
Em seu novo livro A explosão do jornalismo – Das mídias de massa à massa de mídias, lançado em junho pela Publisher Brasil, Ignacio Ramonet aborda a questão com rara precisão. “A internet é totalizadora. Uma lógica nova instala-se – não desprovida de riscos –, diferente daquela da produção fordista da época industrial. Naquela época, mesmo que vários ‘operários especializados’ pudessem contribuir na fabricação de um produto, este, no final, era entregue completo, acabado, fechado, e correspondia ponto por ponto ao projeto inicial. Esse não é mais o caso”, aponta. Cita ainda Jeff Jarvis, blogueiro e professor de jornalismo da City University de Nova York, que afirma: “A internet não é uma mídia.” Segundo ele, trata-se de “uma sociedade, um espaço onde nós podemos nos conectar com os outros […]. As empresas midiáticas pensam que a internet deveria se comportar como uma mídia. Elas estão enganadas”.
Aqueles que antes eram leitores ou espectadores passivos passaram a ser também produtores de informação. E, às vezes, com a ajuda dos próprios veículos, que estimulam internautas a mandar relatos, fotos e informações. Na era da velocidade, e em um modelo de jornalismo que sempre privilegiou o “furo”, ou seja, a notícia revelada ou dada antes da concorrência, é nas redes sociais que qualquer um pode “furar” um jornalista ao dar uma informação antes de todos. No Twitter, a morte de Osama Bin Laden foi divulgada antes do anúncio da Casa Branca, e um vizinho seu havia narrado, sem saber, o ataque estadunidense ao esconderijo do chefe da Al-Qaeda. Em outro extremo da informação, o mesmo aconteceu com a cantora Whitney Houston, cuja morte foi divulgada 27 minutos antes da primeira agência noticiosa confirmar a notícia.
Antecipar informações não é o único ponto no qual as redes sociais interferem na produção jornalística. “Redes sociais como o Twitter conseguem dar visibilidade a assuntos que passam a ter destaque quando chegam, por exemplo, aos Trending Topics (TTs) [temas mais comentados do microblogue], já que, para alguns temas chegarem aos TTs, é preciso muita mobilização e se exige um grande esforço”, pondera Gabriela Zago, doutoranda em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora na área de cibercultura.
Diante disso, qual o papel que o jornalismo (e os jornalistas) teria nos dias atuais? Conforme Carlos Magno, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), instituição responsável pela supervisão dos órgãos de comunicação social em Portugal, o papel dos jornalistas é “assegurar a qualidade da notícia”. “O que hoje se passa no espaço mediático é que, muitas vezes, não se cumprem as regras da notícia, não se confirma a informação”, disse, em uma conferência realizada pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra.“Os políticos têm medo dos jornalistas, os jornalistas têm medo do desemprego”, e, segundo ele, os proprietários dos veículos “têm medo da falência”, sendo que “uma sociedade cheia de medo tem maior dificuldade em fazer jornalismo de qualidade”. Talvez o panorama no Brasil e em outros países não seja tão distinto nesses aspectos.
Pesa também contra a imprensa comercial a desconfiança. Ramonet remete a um levantamento feito pelo Centro de Estudo da Vida Política Francesa (Cevipof), que, em janeiro de 2010, mostrou que somente 27% das pessoas entrevistadas confiavam nas mídias, menos que nos bancos, que tinham 37%. No Brasil, de acordo com o Índice de Confiança Social (ICS), pesquisa feita anualmente pelo Ibope Inteligência desde 2009, a credibilidade dos meios de comunicação também está em queda, indo de 71%, em 2009, para 65%, em 2011. E é bom ressaltar que esse dado não diz respeito à imprensa especificamente, mas sim aos meios de comunicação em geral.
A questão da sustentabilidade econômica
Se a “hecatombe” representada pela internet afeta todos os media, é especialmente cruel com a mídia impressa. Hoje, as pessoas consomem mais informação na internet do que na imprensa escrita impressa, e essa mudança de hábito tem um grande impacto inclusive em publicações tradicionais. “O mundo do jornalismo impresso se encontra em uma total aflição. Entre 2003 e 2008, a circulação mundial de jornais diários pagos desabou 7,9% na Europa e 10,6%, na América do Norte. Durante 2009, a queda continuou: 3,4%, na América do Norte, e 5,6%, na Europa. Quanto às receitas publicitárias, principal fonte da maioria dos jornais dominantes, elas diminuíram, em 2009, 17%. Na Europa Ocidental, a queda foi de 13,7% e na América do Norte de 26%! A publicidade on-line, que deveria salvar o setor, por sua vez, viu suas receitas recuarem, em 2009, 5%”, aponta Ramonet.
E, enquanto revistas e jornais perdem receitas publicitárias, a internet ganha. Nos Estados Unidos, em 2011, elas chegaram a US$ 31 bilhões no meio virtual, conforme relatório do Interactive Advertising Bureau e da PwC. Já os jornais impressos viram suas receitas de publicidade atingirem US$ 23,9 bilhões em 2011, o que representa uma queda de mais de 50% em um período de cinco anos. Em 2009, conforme dados da World Association of Newspapers, a televisão continuava recebendo o maior aporte publicitário, com 39% do mercado. Depois vinham os jornais, com 24%, e a internet, com 12%.
Em vista disso, os veículos impressos tiveram que se adaptar. Em todo o mundo, aqueles que não fecharam suas portas reduziram drasticamente o pessoal, tornaram-se gratuitos e/ou reduziram sua circulação. No Brasil, alguns grandes adotaram a agressiva estratégia de fazer promoções nas quais garantem diversas edições gratuitas, a fim de manter sua tiragem e continuar cobrando alto pela publicidade em suas páginas. E, claro, também migraram para a internet. No caso do tradicional Jornal do Brasil, a solução foi mais radical. A edição impressa simplesmente foi extinta, passando a existir somente sua versão digital.
Mesmo com as mudanças e adaptações, ainda há sérias dúvidas quanto às possibilidades de os veículos impressos tradicionais conseguirem sobreviver na rede exclusivamente de publicidade. Nos Estados Unidos, os anúncios são alocados principalmente nos sites de buscas (área em que o Google predomina, detendo aproximadamente 65% do mercado mundial) e responde por US$ 14,7 bilhões. Já a propaganda que inclui vídeos e banners equivale a US$ 11,1 bilhões. A saída para muitos tem sido ou cobrar pelo acesso – o que gera queda de audiência, mas, ao mesmo tempo, um controle maior sobre quem é o leitor e possibilidades de negociar publicidade para públicos segmentados – ou criar novos produtos exclusivamente para o meio virtual.
“A migração publicitária tem muito a ver com o público, o mercado de propaganda é muito objetivo, ele aguenta investir em determinado tipo de mídia por coleguismo por um certo tempo, depois, se aquele veículo não tem público, vai migrar para onde tem”, explica Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além dos sites de busca, outro nicho de publicidade que dá mostras de crescimento e ainda tem um potencial não explorado são as redes sociais. “Vou dar um exemplo concreto. Hoje, quem produz cultura sabe que o papel é uma das piores mídias para anunciar, porque sobretudo o público jovem não está no papel, está nas redes sociais. As mídias sociais fazem com que todo perfil tenha público, e se o perfil se coloca em uma atividade constante de produção de conteúdo, cultivando o seu público, naturalmente vira uma mídia para ser anunciada, e quem anuncia tem cada vez mais poder de decidir onde vai anunciar, e antes não era assim”, aponta. “Já dizia Marx: o capital não tem moral, então, se é para ganhar grana, a publicidade vai para onde tem público. E já começa um processo, ainda pequeno, da saída da TV para a internet.”
Em meio à turbulência que elevou a internet à condição de protagonista na área de comunicação e uma das principais captadoras de recursos publicitários, as grandes companhias ainda não deixaram de exercer influência na produção de notícias na internet, embora seu poder tenha sido abalado. Tom Rosenstiel, em artigo publicado no The Washington Post em abril de 2011, traz alguns dados sobre a questão. Em 2010, a internet ultrapassou pela primeira vez os jornais como a plataforma na qual os estadunidenses se informam regularmente. De acordo com pesquisa do Pew Research Center, 46% dos adultos dizem consultar a rede para acessar notícias pelo menos três vezes por semana, enquanto 40% leem jornais com a mesma frequência. Mas quem produz a notícia que é consumida por essas pessoas?
Aí está o nó que ainda garante poder aos grandes grupos de comunicação. Dos 25 sites de notícias mais populares nos EUA, dois são de tradicionais grupos de mídia, o The New York Times e a CNN, enquanto outros grandes atores, que nasceram na web, conseguem chamar leitura com agregadores de notícias, como o Yahoo ou o Google Notícias. Rosenstiel aponta que, dos 200 sites de notícias com maior tráfego, 81 % são meios tradicionais ou agregadores que republicam suas informações.
Novos caminhos do jornalismo
Em abril deste ano, o jornalista Carlos Castilho publicou um artigo no Observatório da Imprensa, no qual refletia sobre como seria a cobertura do caso Watergate (que completa 40 anos em junho) hoje, com o advento das novas tecnologias. “A lista de comparações entre o Watergate analógico dos anos 1970 e os escândalos contemporâneos têm uma diferença fundamental. Há 40 anos, a imprensa tinha o controle sobre a divulgação das acusações, investigações e acusações porque era o principal canal de informações para o público. Hoje, ela continua dependente de ‘gargantas profundas’, como mostram os escândalos recentes em Brasília, mas tem que competir com blogs e qualquer jornalista com acesso à internet.”
Essa é uma diferença fundamental. Os jornalistas e os donos da mídia não falam mais sozinhos, uma situação nova que obriga à reflexão da própria prática jornalística. Quando uma notícia equivocada é divulgada, pode ser contestada de pronto pelas redes sociais. Um dos exemplos mais bem-acabados de tal ação foi o já clássico episódio da bolinha de papel que atingiu o então candidato à presidência da República José Serra, em 2012. O fato, que em um primeiro momento foi relatado como tendo sido uma agressão grave, foi desconstruído na rede, obrigando a Rede Globo, que havia bancado a primeira versão, a “responder” aos internautas utilizando quase dez minutos de seu principal noticiário, o Jornal Nacional.
Episódios como esse mostram que existe um grande espaço para se repensar o jornalismo. “É verdade que a imprensa escrita está à procura de meios de refundar-se, mas os jornalistas não vão desaparecer, porque talvez nunca tenha havido momento mais favorável para ser jornalista. O acesso à informação é maior do que em qualquer outro momento da história. E graças às novas ferramentas da web, a audiência é igualmente colossal, potencialmente infinita”, explica Ignacio Ramonet. “Mas vivemos uma revolução. O advento de cada nova invenção provoca uma reviravolta na economia geral do campo e desencadeia uma espécie de ‘darwinismo’, de seleção pela maior ou menor adaptação ao novo contexto. Os grandes grupos de imprensa desesperam-se, aterrorizados com a brutalidade de uma transformação que está ocorrendo agora entre nós. A aclimatação ao novo ecossistema será árdua, penosa e funesta. Numerosos jornais vão desaparecer, mas outros conseguirão ajustar-se e sobreviverão”, acredita.
Dentro dessa “aclimatação” citada por Ramonet, profissionais de comunicação, que passam a conviver no seu cotidiano com uma multiplicidade de fontes, começam a buscar novas narrativas e possibilidades. E aparecem novos atores. “Quando surge essa ideia de jornalismo colaborativo, de o público fazer parte do processo, acho que se trata de um momento muito mais radical da mudança do que a gente chama de jornalismo colaborativo para o midiativismo. E o que é isso? É aquele sujeito – e a gente viu muito isso nas manifestações na Europa – que faz, em tempo real, de dentro da manifestação, a cobertura do acontecimento. Ele vai produzir um manancial de informações tão diversificado dentro desses movimentos que vai começar a roubar a cena, porque ele chega primeiro”, sustenta Fabio Malini. “É um sujeito que recupera uma visão de rua e vai repercutir, um tipo de linguagem jornalística que tinha sido abandonada e que volta. Já não é mais o cara que colabora com alguém, é a pessoa que faz – tenho usado esse termo –, um blogueiro que atua. Ele rompe com a figura do problogger, o blogueiro profissional, essa galera que vai na Campus Party, porque ele quer produzir conteúdo próprio. Essa atuação atrai um grande público, porque antes a noticia chegava mais tarde, e cheia de filtros, e agora cada vez mais vemos as coisas acontecerem de dentro. E é uma narrativa diferente, própria das redes sociais, uma narrativa colaborativa.”
“As novas tecnologias ajudam muito a produção jornalística, mas não a modificam. O inicio e o fim são os mesmos, a busca pela informação, que é o que vai determinar se o trabalho jornalístico foi bem feito ou não”, reflete a jornalista Natalia Viana, parceira do WikiLeaks no Brasil e coordenadora de Estratégia da Agência Pública, a primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil, modelo que muitos acreditam representar um jornalismo sustentável economicamente no futuro. Em outros países, a fórmula tem dado certo, como se percebe pelo exemplo da ProPublica, que recebeu em 2012 seu segundo prêmio Pulitzer no espaço de dois anos. Para Natalia, o modelo pode se reproduzir. “Acho que já está se multiplicando, porque isso é uma coisa que as novas tecnologias permitem. No caso do Pinheirinho, por exemplo, antes de a mídia tradicional chegar, quem estava lá era os jornalistas independentes e os próprios moradores que denunciavam os abusos. Tanto é que optamos por nem levar ninguém para cobrir, porque achamos que havia material em quantidade suficiente e de boa qualidade vindo justamente dessas fontes. Qualquer um tem uma câmera, uma passagem de ônibus não é algo muito caro, quem quiser ir, hoje, pode ir. O jornalismo pode ser feito de diversas maneiras, inclusive por grupos, associações e movimentos sociais.”
Diante de um cenário que tem perspectivas otimistas para a democratização da comunicação no Brasil e no resto do mundo, o jornalismo tem um campo fértil e ainda inexplorado pela frente. Enfrentar dogmas, corporativismos, conceitos ultrapassados e resgatar a essência da atividade serão dois dos principais desafios que se colocam. E fica a reflexão de Ignacio Ramonet, cujos trechos de seu novo livro você poderá ler nas páginas a seguir. “Face a todas as transformações tecnológicas com as quais nos defrontamos, devemos colocar-nos a seguinte pergunta: De que problemas atuais o jornalismo é a solução? Se conseguirmos responder, então o jornalismo jamais desaparecerá.”
* Colaborou: Mario Henrique de Oliveira
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