terça-feira, 4 de setembro de 2012

Incêndios em favelas: dez perguntas

Por Francisco Bicudo, em seu blog:

Mais um incêndio atingiu ontem mais uma favela da cidade de São Paulo - desta feita, as vítimas foram os moradores da Favela do Piolho, no bairro do Campo Belo, na zona sul da capital, numa área que fica próxima, bem pertinho mesmo do aeroporto de Congonhas, imponentemente encravado em região nobre da metrópole. Em 2012, foi o trigésimo segundo incêndio dessa natureza em São Paulo (média de quatro por mês); já tinham sido registrados outros 79, no ano passado. Só ontem, quase 300 casas foram destruídas e mais de mil pessoas ficaram desabrigadas. Não tenho, confesso, condições de fazer afirmações. Mas, como sugeria e ensinava o filósofo grego Sócrates, ao reconhecer que "só sei que nada sei", posso fazer perguntas. Questionar não ofende. E ajuda a pensar. Minhas dúvidas:


1) Será que a Prefeitura de São Paulo nos considera mesmo tolinhos e imagina que vamos acreditar, num exercício de fé profunda, que os incêndios são apenas coincidências, lamentáveis tragédias?

2) Incêndios em favelas nessa quantidade acontecem em alguma outra cidade do planeta? Ou São Paulo é um foco isolado, um ponto fora da curva, uma "metrópole incendiária exclusiva"?

3) Será que apenas os moradores de favelas não sabem acender o gás ou riscar um fósforo, não sabem lidar com o fogo?

4) Por que essa mesma quantidade de incêndios não acontece em condomínios de luxo dos bairros nobres da cidade?

5) Por que a Prefeitura paulistana, à época da administração de José Serra, desativou o Programa de Segurança contra Incêndio, implantado durante a gestão da prefeita Marta Suplicy e que tinha como propósito justamente desenvolver ações de prevenção e orientação especificamente em favelas? E por que o atual prefeito, Gilberto Kassab, não retomou o programa?

6) Por que os bombeiros e as demais autoridades públicas responsáveis pelas investigações não conseguem explicar ou definir as causas e os responsáveis pelos incêndios, com os laudos finais invariavelmente apontando para "motivos indeterminados"?

7) Será que o que de fato move esses incêndios é uma deliberada política de higienização e limpeza social, destinada a expulsar os moradores das favelas, que "enfeiam as paisagens", para aproveitar os terrenos finalmente "limpos" para a especulação imobiliária, tornando assim a fotografia da capital "mais bela e atraente"?

8) Por que nenhum jornal de referência e de grande circulação faz as perguntas que devem ser feitas, com intuito de construir a melhor versão possível da realidade?

9) Por que os repórteres de emissoras de rádio e de TV que transmitem informações ao vivo sobre os incêndios (incluindo os repórteres aéreos) parecem sempre mais preocupados com os reflexos dos incêndios sobre o trânsito, em apontar rotas alternativas para os motoristas, do que em dedicar atenção às vítimas das tragédias (muitas fatais) ou à destruição de casas e de sonhos?

10) Por que nos acostumamos aos incêndios nas favelas e passamos a considerá-los algo "natural, normal", como se já fizessem parte da paisagem urbana e do cotidiano da metrópole, aceitando resignadamente a banalização da tragédia e da violência? Em que lugar do passado ficou perdida nossa capacidade de indignação e de reação?

6 comentários:

Conrado disse...

Compartilho desta mesma emoção Miro!

Eu, Lago sou disse...

Parabéns, Miro, pela análise cirúrgica dessa tragédia anunciada que se abate sobre São Paulo. Ninguém pode desconsiderar o que está acontecendo na cidade; isso não é normal. O Rio de Janeiro, onde moro, tem inúmeras favelas, com inúmeros problemas, e não assistimos a um descalabro desses. O que está acontecendo com a imprensa, que se cala diante desse verdadeiro holocausto?

Luis disse...

Não existe combustão instantânea, isso é um fato científico.

Anônimo disse...

Gatos... Para mim esse é o principal motivo, honestamente. Gatos de eletricidade aliados a tempo com secura recorde pode sim incendiar favelas. Em condomínios isso não acontece pois pagamos nossa conta de luz.
Tenho sim coração e sinto pelas famílias, inclusive ajudando as áreas próximas à minha casa. Acho sim que todos devem ser tratados com respeito. Mas não acho que alguém esteja ateando fogo deliberadamente. Acredito em condições precárias de segurança, isso sim...

Unknown disse...

Não foi acidente! Desde 2011 a construtora, dona do terreno, já tinha ganhado a reintegração de posse... Foram eles, com certeza, com a cumplicidade do governo. Assim como também foram criminosos, com quase toda certeza, os demais 32 incêndios em SP desse ano, resultado do projeto fascista e higienista de limpeza da cidade pra COPA. http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/09/incendios-em-favelas-dez-perguntas.html

Arnaldo Bertoni disse...

Anônimo,

Você realmente é um retardado! Há pelo menos 5 anos vem sendo constante este tipo de incêndio em favelas, e olha que passamos por 4 estações distintas em cada ano! Esta desculpa de clima seco, gato-elétrico é desculpa, é achar uma solução para esconder o real problema. Em sua casa ou apto não acontece isso, pois você paga iptu e possui escritura legalizada, ou seja, contribui com o sistema, sendo assim, nenhum incêndio irá afetar como que de repente sua residência.
Deixamos de ser egoístas e inertes para que possamos ver o real motivo. Estas famílias não possuem advogados para protegê-los, não possuem dinheiro nem voz para mostrar a verdade. Por isso que estão sendo retiradas de suas casas. O engraçado é que no interior há favelas, com tempo mais seco que aqui e com gatos iguais, e não pegam fogo! Será que seria por estar longe de bairros nobres e de potencial para a comercialização imobiliária?
Parabéns Miro pela sua coragem, venho conversando com colegas a dias sobre este assunto e não vi ninguém da mídia tocar nesta questão!
Muita luz para ti.