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Um dos exercícios mais interessantes na análise da imprensa é a busca de pontos em comum entre o noticiário e os editoriais e artigos. Nos jornais de sexta-feira (25/1), por exemplo, algumas das coincidências estão expostas nas reportagens sobre o projeto de redução da tarifa de energia elétrica.
O tom do material publicado, sobre um pronunciamento da presidente da República anunciando que o Tesouro Nacional vai garantir o corte de custos da energia, induz o leitor a uma interpretação negativa da decisão do governo. Artigos e editoriais repetem quase literalmente declarações de representantes da oposição e o tom geral do conteúdo dos jornais tende a inverter o sentido da iniciativa e transformá-la em algo condenável.
Os fatos vêm à luz para serem interpretados, e tanto podem produzir apoio como rejeição. Mas o que se observa aqui é a homogeneização do discurso jornalístico, com a imposição de um viés dominante e a eliminação do contraditório.
No caso da proposta de redução da tarifa de energia, o assunto frequenta o noticiário desde o primeiro trimestre de 2012, como parte dos debates sobre o aumento da competitividade da economia brasileira e a necessidade de evitar a volta da inflação. O corte nos gastos operacionais das empresas era uma demanda apoiada pela imprensa, dentro do discurso recorrente sobre o conjunto de valores que é chamado comumente de “custo Brasil”.
O tema foi manchete nos três principais jornais de circulação nacional, com uma pequena diferença do Globo, que diz o seguinte: “BC diz que luz cairá 11% em média ao ano”. A proposta editorial, legítima, é apontar uma possível diferença entre o anúncio da presidente da República, que prevê um desconto de 18% nas contas de luz dos consumidores domésticos, e as projeções do Comitê de Política Monetária do Banco Central, divulgadas na quinta-feira (24/1). No entanto, como seus concorrentes e consortes Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo, o Globo transforma em editorial a opinião manifestada por representantes da oposição, afirmando que a presidente aproveitou o anúncio da medida para fazer um discurso eleitoral.
O mesmo tom é repetido por colunistas dos jornais, produzindo um coro que denuncia a falta de diversidade de opiniões na imprensa.
Redações em uníssono
Em seu livro recentemente lançado, intitulado Ah! – atestado de óbito do Jornal da Tarde e outras histórias, o jornalista Vital Battaglia observa que a decadência da imprensa brasileira começou quando os proprietários das empresas de comunicação retiraram do comando dos jornais os profissionais que haviam participado da resistência contra a ditadura e, julgando-se também jornalistas, impuseram-se às redações.
Observada sob esse ponto de vista, a história recente da imprensa no Brasil faz mais sentido, pelo motivo muito simples de que o jornalismo de qualidade exige certo espírito rebelde e questionador, que a presença intimidadora do dono tende a desestimular. Jornalistas conformistas ou adesistas tendem a condicionar seu espírito crítico ao viés do patrão.
O advento das tecnologias digitais de comunicação e informação se deu quase ao mesmo tempo em que as principais empresas de mídia brasileiras começaram a trocar seus comandos e reduzir a autonomia das redações, escolhendo para as principais tarefas profissionais mais cordatos com relação à opinião do dono.
Em alguns casos, como no Estado de S.Paulo, o projeto de modernização realizado no final dos anos 1980 e início dos 1990 foi conduzido o tempo todo em meio a um conflito aberto entre acionistas e os profissionais encarregados da mudança. Depois disso, o que se viu foi o processo de domesticação da redação, até o ponto em que foi entregue a um diretor que culminou uma sucessão de desmandos com o assassinato de uma ex-namorada.
O mesmo olhar, dirigido a todos os outros jornais, vai mostrar um processo semelhante, com algumas diferenças no método: aqui se deve destacar o caso do gaúcho Zero Hora, onde foi determinado que os membros da família proprietária que pretendessem participar diretamente da atividade jornalística deveriam buscar a melhor formação profissional possível.
Ainda assim, a melhor qualificação não substitui a exigência fundamental do jornalismo: a capacidade de divergir, de se opor à corrente, de questionar certas convicções e se manter aberto a idiossincrasias. Essa é uma condição que praticamente desapareceu das empresas brasileiras de comunicação.
As edições de sexta-feira (25/1) dos três jornais de circulação nacional demonstram que a voz do dono é a única ouvida nas redações.
O tom do material publicado, sobre um pronunciamento da presidente da República anunciando que o Tesouro Nacional vai garantir o corte de custos da energia, induz o leitor a uma interpretação negativa da decisão do governo. Artigos e editoriais repetem quase literalmente declarações de representantes da oposição e o tom geral do conteúdo dos jornais tende a inverter o sentido da iniciativa e transformá-la em algo condenável.
Os fatos vêm à luz para serem interpretados, e tanto podem produzir apoio como rejeição. Mas o que se observa aqui é a homogeneização do discurso jornalístico, com a imposição de um viés dominante e a eliminação do contraditório.
No caso da proposta de redução da tarifa de energia, o assunto frequenta o noticiário desde o primeiro trimestre de 2012, como parte dos debates sobre o aumento da competitividade da economia brasileira e a necessidade de evitar a volta da inflação. O corte nos gastos operacionais das empresas era uma demanda apoiada pela imprensa, dentro do discurso recorrente sobre o conjunto de valores que é chamado comumente de “custo Brasil”.
O tema foi manchete nos três principais jornais de circulação nacional, com uma pequena diferença do Globo, que diz o seguinte: “BC diz que luz cairá 11% em média ao ano”. A proposta editorial, legítima, é apontar uma possível diferença entre o anúncio da presidente da República, que prevê um desconto de 18% nas contas de luz dos consumidores domésticos, e as projeções do Comitê de Política Monetária do Banco Central, divulgadas na quinta-feira (24/1). No entanto, como seus concorrentes e consortes Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo, o Globo transforma em editorial a opinião manifestada por representantes da oposição, afirmando que a presidente aproveitou o anúncio da medida para fazer um discurso eleitoral.
O mesmo tom é repetido por colunistas dos jornais, produzindo um coro que denuncia a falta de diversidade de opiniões na imprensa.
Redações em uníssono
Em seu livro recentemente lançado, intitulado Ah! – atestado de óbito do Jornal da Tarde e outras histórias, o jornalista Vital Battaglia observa que a decadência da imprensa brasileira começou quando os proprietários das empresas de comunicação retiraram do comando dos jornais os profissionais que haviam participado da resistência contra a ditadura e, julgando-se também jornalistas, impuseram-se às redações.
Observada sob esse ponto de vista, a história recente da imprensa no Brasil faz mais sentido, pelo motivo muito simples de que o jornalismo de qualidade exige certo espírito rebelde e questionador, que a presença intimidadora do dono tende a desestimular. Jornalistas conformistas ou adesistas tendem a condicionar seu espírito crítico ao viés do patrão.
O advento das tecnologias digitais de comunicação e informação se deu quase ao mesmo tempo em que as principais empresas de mídia brasileiras começaram a trocar seus comandos e reduzir a autonomia das redações, escolhendo para as principais tarefas profissionais mais cordatos com relação à opinião do dono.
Em alguns casos, como no Estado de S.Paulo, o projeto de modernização realizado no final dos anos 1980 e início dos 1990 foi conduzido o tempo todo em meio a um conflito aberto entre acionistas e os profissionais encarregados da mudança. Depois disso, o que se viu foi o processo de domesticação da redação, até o ponto em que foi entregue a um diretor que culminou uma sucessão de desmandos com o assassinato de uma ex-namorada.
O mesmo olhar, dirigido a todos os outros jornais, vai mostrar um processo semelhante, com algumas diferenças no método: aqui se deve destacar o caso do gaúcho Zero Hora, onde foi determinado que os membros da família proprietária que pretendessem participar diretamente da atividade jornalística deveriam buscar a melhor formação profissional possível.
Ainda assim, a melhor qualificação não substitui a exigência fundamental do jornalismo: a capacidade de divergir, de se opor à corrente, de questionar certas convicções e se manter aberto a idiossincrasias. Essa é uma condição que praticamente desapareceu das empresas brasileiras de comunicação.
As edições de sexta-feira (25/1) dos três jornais de circulação nacional demonstram que a voz do dono é a única ouvida nas redações.
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