Ilustração de Jorge Alaminos |
Tesouraria é o espaço físico. O departamento que cuida de maximizar os ganhos do capital a juro. Mas também é a palavra símbolo de uma lógica que disputa a hegemonia da política econômica.
Na ciranda da tesouraria embalam-se os interesses das grandes corporações –bancos ou grupos empresariais, locais e globais. Ademais da insaciável legião dos acionistas, cuja pátria são os dividendos.
O conjunto movimenta riquezas apreciáveis.
Fundos de aplicações financeiras registraram um giro de R$ 2,4 trilhões no Brasil em 2012.
O valor equivale a mais da metade do PIB em direitos sobre a riqueza real.
Não é um país à parte, embora se avoque mordomias, soberania e imunidades equivalentes às de um poder paralelo.
Pelotões de estrategistas, exércitos de consultores, inteligência acadêmica, bancadas legislativas, mídia e aliados internacionais mantêm-se e são mantidos a seu serviço.
Em prontidão permanente.
Diária.
Para assegurar à riqueza financeira, ganhos de rentabilidade inexcedíveis em qualquer outro setor econômico. Aqui e alhures.
O governo Dilma vem tornando difícil a vida das tesourarias no Brasil.
O rebate é forte.
O inconformismo escorre do noticiário econômico para os espaços onde os cifrões são traduzidos em 'projeto de país'. E daí estampados em colunas, editoriais, discursos, candidaturas amigáveis aos mercados.
Com propriedade o ministro Paulo Bernardo carimbou na rebelião das tesourarias um adesivo certeiro: 'o partido do juro alto'.
Aécio Neves com seu aparato de ‘professores-banqueiros' colou-o na testa.
A tesouraria prepara-se para 2014, mas ainda não em campo aberto.
Droners controlados à distância cuidam do bombardeio.
A meta é implodir a costura de uma política econômica que busca promover a eutanásia do rentista em duas frentes.
Seccionando linhas de alimentação do capital fictício com juros baixos e IOF alto, de um lado.
De outro, abrindo frentes de infraestrutura e mantendo o consumo de massa aquecido, na indução de um ciclo de investimento com maior igualdade social.
Busca-se um país que o Brasil nunca foi de verdade.
O governo cutuca placas tectônicas.
Com um juro básico em 7,25%, uma inflação em torno de 5,5%, mais impostos, obter ganho real nas aplicações financeiras deixou de ser mamão com açúcar.
O que está em jogo não é algo trivial.
Trata-se de mudar as condições de financiamento da economia.
E os objetivos do desenvolvimento.
Aconteceu antes, em 32 e 53 – quase como uma revolução burguesa à revelia das elites; foi feito sob o patrocínio do capital estrangeiro em 55; reprimido em 64; ordenado ditatorialmente contra o povo nos anos 70 e terceirizado aos livres mercados nos anos 90.
A seta do tempo vive um novo estirão.
Luta-se para consolidar uma nova hegemonia ancorada nas energias, demandas e protagonistas que iniciaram a longa viagem à procura de um Brasil inédito, a partir das greves metalúrgicas do ABC paulista, nos anos 70/80.
Um passaporte da travessia é regenerar a base industrial brasileira. E tampouco aqui é contabilidade.
Trata-se de um requisito para gerar empregos e salários de qualidade; ademais de receita fiscal compatível com investimentos sociais, ambientais e logísticos que uma cidadania plena reclama.
Estabilidade ancorada em juro baixo e câmbio desvalorizado (para impedir importações devastadoras da produção local) é uma receita é mortal para a riqueza financeira.
Seu habitat é o jogo intertemporal incessante em que presente e futuro se fundem na busca do rendimento alto e constante.
Todo o círculo de interesses que orbita em torno dessa roleta está em pé de guerra contra o governo.
À falta de um horizonte volátil, semeia-se um ambiente político de beligerante 'desconfiança'.
Do forte apache partem mísseis com alvos selecionados.
A saber:
I) ‘a ameaça inflacionária voltou: com juros baixos, salários, emprego e crédito em alta, em contraposição à oferta rígida de bens – um reflexo do baixo investimento –, a disparada dos preços é inevitável’.
É uma meia verdade. A inflação encontra-se estável, com os preços no atacado em queda. E o investimento é uma batalha em curso. A rigidez por enquanto é mais um alarmismo que o jogral rentista quer transformar em profecia autorrealizável.
II) 'o governo fracassou em expandir o investimento em infraestrutura'.
Também uma verdade parcial, descontextualizada. Esquece-se de que o Estado foi desmontado nos anos 90 e sistematicamente acuado para não se reerguer –coisa que vem sendo feita com acanhamento. Ainda assim, em 2012 o investimento público cresceu 13%; o PAC acionou R$ 40 bi em obras.
III) 'a política econômica intervencionista gera incertezas e trava a retomada do crescimento'.
Capcioso. Até o FMI admite que a santíssima trindade ortodoxa feita de meta de inflação pautada pelo mercado financeiro, superávit fiscal rígido e câmbio livre pode e deve ser adequada às necessidades contracíclicas do desenvolvimento.
Mas a fuzilaria não vai parar.
Quem perdeu a doce vida de dividendos médios de 19% ao ano (fruto predominante da especulação em bolsa e não da produtividade), e viciou na roleta generosa, de juros três vezes acima da inflação, não vai largar o osso pacificamente.
Por trás dos ganidos emitidos pela mídia, há um cachorro grande a latir grosso.
É o forte apache das tesourarias.
Sob risco de se mistificar o protagonismo da mídia, seu nome não pode mais ser omitido quando se denuncia a narrativa do golpismo.
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