É claro que, como qualquer cidadão de bom senso, tenho muitas preocupações sobre a qualidade do ensino de nossas escolas e o desempenho dos jovens em todas as fases de aprendizado.
Mas confesso que não entendo o escândalo em torno das redações do Enem. Ou melhor: entendo perfeitamente.
Não passa de uma combinação de nossa velha hipocrisia em relação à garotada, combinada com um esforço permanente para desmoralizar toda iniciativa destinada a fortalecer a educação pública.
Vamos combinar que o português é uma língua complexa, de regras muito particulares e assimilação difícil. As exceções são frequentes, os casos especiais também.
O mais grave é que as regras são submetidas a reformas ortográficas periódicas, o que torna o aprendizado um esforço permanente. O sujeito mal conseguiu memorizar as mudanças quando é informado que em algum ponto do universo foram aprovadas novas regras por motivos que só estão claros para quem reside em outra galáxia.
Profissional que lida com a língua portuguesa há quatro décadas, confesso que frequentemente me vejo às voltas com dúvidas e até cometo erros que poderiam ser motivo de humilhação pública num país onde a falta de educação formal chega a ser motivo de ofensa e preconceito.
No caso do Enem, esse comportamento se agrava por um esforço para condenar uma postura descontraída e irreverente dos estudantes. Tudo bem que é meio esquisito um sujeito interromper uma redação e dar uma receita de Miojo. Ou fazer um elogio a seu time de coração.
Mas eu pergunto se isso é o mais importante. Provas de redação devem medir a capacidade de uma pessoa se expressar. Muito mais importante, portanto, é saber se a receita está bem redigida, com pontos, vírgulas e frases no local correto, do que implicar com o assunto escolhido. Basta ler a imprensa pátria para confirmar que a distinção entre assuntos sérios e assuntos leves, questões relevantes, puro entretenimento e bobagens comerciais tornou-se muito difícil de definir, certo?
Essa postura de afirmar autoridade sobre a juventude é um traço de comportamento daninho. Reflete insegurança em relação ao futuro.
No caso do Enem, há um agravante. O combate a todo esforço de melhorar a qualidade do ensino público é uma das bandeiras sagradas que unem os meios de comunicação, a rede privada e a indústria de vestibulares.
Com muito mais virtudes do que defeitos, o Enem é uma ameaça à ordem criada pela privatização da educação que se transformou em política de Estado durante o regime militar – e nunca foi questionada como era preciso.
Cabe às autoridades aprimorar o Enem, sem impressionar-se com reações histéricas nem cair na armadilha de fazer inúteis demonstrações de autoridade diante de uma garotada que, desde o início dos tempos, apenas irá dar risada daqueles que não se esforçam para compreendê-la.
5 comentários:
Sem querer ser chata e já sendo; um agravante ou UMA agravante?
Anônimo(a), esse é o mal que nos acomete. Nos ensinam na escola a fiscalizar a superficialidade dos fatos da língua e não a compreender o 'todo'. Um texto claro como esse e vc vem perguntar se agravante é feminino ou masculino... A resposta está no próprio texto, independentemente do que dizem os dicionários. O que é agravante? O combate... Então 'UM agravante'. Sua pergunta tem relação direta com as notícias escandalosas e interesseiras dadas pela mídia, principalmente a globo, é claro. (obs: comecei a segunda frase com o pronome NOS... Aiaiaiaiaiaiai acho que 'não sei português') Desculpe a brincadeira, tá? Um abraço.
Excelente texto! Claro, objetivo e esclarecedor. Me permito de discordar do 4º parágrafo. A língua portuguesa não é mais complexa ou mais simples do que qualquer outra língua (e são quase 7000...). O senso comum de 'regras muito particulares' de 'assimilação difícil', na verdade é reflexo de um ensino conservador que não aceita facilmente as mudanças naturais. Muitas regras ensinadas como as únicas 'certas' não são usadas pelos falantes brasileiros há muito tempo, o que realmente dificulta a assimilação (por não serem de uso corrente).
Já me inscrevi no blog! Um abraço
UM (detalhe, fato, aspecto) agravante. O substantivo masculino esta enclitico.
Agora você tem pessoas que agem com o objetivo deliberado de tentar desqualificar o exame ou denegrir a reputação do ENEM. Fica claro que o objetivo real e último é político. Não se trata aqui de tentarem forçar a melhora do exame e da educação por essa via: a idéia é jogar pedra no PT e fazer com que um exame importante para aferir qualidade e selecionar os que ingressam nas federais seja extinto. Aluninhos de direita, às vezes arriscando suas vagas e fazendo parte dessa pantomima: eles não dependem disso, claro! A mídia que comete todo tipo de erros (p.ex.- criação de dez mil novos empregos: já viu criarem velhos empregos?) jogando pedra no PT! E agora o argumento safado de que não se pode justificar um erro com outro: pode sim. O garçom traz comida estragada e eu não pago a comida. Um carro entra na minha frente em contramão e eu sou obrigado a rodar pelo acostamento (proibido pelo CNT). Alguém pisa no meu pé já machucado e eu xingo um palavrão.
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