Por Pedro Pomar, no blog Escrevinhador:
O governador tucano Geraldo Alckmin demitiu o secretário da Saúde, Guido Cerri, e o substituiu por David Uip. Ambos, o que sai e o que entra, médicos. Ambos empresários da saúde.
Cerri é ligado à Fundação Faculdade de Medicina (FFM, privada) e ao Hospital Sírio-Libanês. Uip é ligado à Fundação Zerbini (privada) e ao Hospital Sírio-Libanês.
Cerri é dono de empresas de medicina diagnóstica. Uip é dono de uma clínica privada que atua dentro do Instituto do Coração (InCor, público), onde se beneficia da “dupla porta”.
Como se vê, mudou tudo na pasta estadual da Saúde… Ou, como comentou uma pesquisadora da área: “Seis por meia-dúzia”.
Mídia mal informada?
A grande mídia não conseguiu explicar a demissão de Cerri. A justificativa oficiosa para sua saída é que Alckmin precisa de um “nome forte” na Saúde para fazer frente ao potencial candidato petista ao governo estadual em 2014, o ministro Alexandre Padilha. Uip, apresentado como excêntrico e “médico de celebridades”, seria este “nome forte”. Então tá, como se diz no popular. Mas é preciso registrar que essa mesma grande mídia, ou mídia comercial, recusou-se a investigar, ou mesmo a publicar, as possíveis causas da súbita vontade de Cerri de deixar a pasta, noticiada por uma nota na seção Painel da Folha de S. Paulo, em 9/6: “O governo paulista pode perder seu secretário de Saúde, Giovanni Guido Cerri. O médico quer deixar a administração para dedicar seu tempo à direção da Faculdade de Medicina da USP e a seu consultório particular. Cerri ainda não procurou Geraldo Alckmin (PSDB), mas a cúpula do Palácio dos Bandeirantes já detectou a insatisfação”.
Insatisfação com que? Parece que Cerri estava mais interessado em candidatar-se a reitor da USP do que a voltar a seu “consultório particular”. Mas este não é o único “porém” nessa história. É que dois dias antes da publicação da nota, numa audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (realizada a pedido dos funcionários da Saúde, então em greve), circulou amplamente a edição 54 da Revista Adusp, publicação da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, cuja matéria de capa diz respeito a ninguém menos do que o doutor Cerri:http://goo.gl/QPPM1I. A reportagem demonstrou, com riqueza de informações, que o então secretário estadual da Saúde incorria em conflito de interesses, pois, nesse cargo, administrava contratos com entidades privadas nas quais têm interesses pecuniários, a FFM e o Sírio-Libanês.
“Presidente licenciado” da fundação privada, Cerri é também membro do Conselho de Administração do Sírio-Libanês. Ambas as entidades, FFM e Sírio-Libanês, atuam como “organizações sociais de saúde” (OSS) e nessa condição firmaram com o poder público estadual diversos contratos de gestão de equipamentos públicos (hospitais e outras unidades). Quanto à FFM, para ficarmos num exemplo apenas, o contrato de gestão do Instituto do Câncer (Icesp), firmado entre ela e a Saúde, envolve R$ 1,134 bilhão apenas em 2013. Já o contrato entre Saúde e Sírio-Libanês é de R$ 115 milhões.
Em 2011, um funcionário da Secretaria de Segurança Pública foi demitido depois que a Folha de S. Paulo revelou seu duplo vínculo com o governo estadual: era contratado ao mesmo tempo como funcionário e como empresário prestador de serviços. Para piorar as coisas, ele vendia os dados produzidos por seu trabalho no órgão público. Alckmin o demitiu em 24 horas. A diferença deste caso para o de Cerri é que os valores envolvidos na Saúde são muito maiores.
Alguns repórteres da mídia comercial tiveram acesso ao conteúdo da reportagem, mas preferiram não mexer no assunto. Mesmo quando o Fórum Popular de Saúde foi às ruas, em agosto, para pedir a demissão de Cerri por conflito de interesses, fazendo manifestações diante do Sírio-Libanês, a mídia limitou-se a registrar o protesto, sem tocar na questão crucial do vínculo existente entre o então secretário e aquela organização privada.
O mais curioso é que Cerri teria voltado atrás na sua suposta insatisfação. No final de julho, teria pedido a Alckmin para permanecer no cargo — ou, na versão palaciana, anunciou sua disposição para tanto. Mas a vontade de ficar não durou mais dez dias. É possível que a exposição do Sírio-Libanês no noticiário tenha abalado as convicções do doutor.
“Telhado de vidro” de Uip
Agora entra Uip, mas seu “telhado de vidro” também é grande. Sua gestão no Hospital Emílio Ribas é alvo de investigações na Polícia Civil e no Ministério Público Estadual, como revela a mesma edição 54 da Revista Adusp, em http://goo.gl/9t1Fid. Além disso, Uip é um dos principais nomes da Fundação Zerbini, a fundação privada que controla totalmente o InCor embora este seja um hospital público. O atendimento “VIP” no InCor, a pacientes particulares e de convênios, é faturado para as empresas de médicos que ali atuam, como Uip. Qual é a diferença, portanto, entre esta situação e a de Túlio Kahn, o funcionário da Segurança Pública punido por Alckmin? Nenhuma, essencialmente.
A atuação de Uip como prestador de serviços privados no hospital em que trabalha como funcionário público veio à luz após denúncia de um paciente, em 2005, à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados. O vendedor Wilson Gandolfo Filho denunciou que a empresa Sociedade Consultoria e Assistência Médica David Everson Uip S/C Ltda., “por meio de seu sócio David Uip, utiliza-se da estrutura do Incor, um hospital público, para fins particulares, prejudicando os pacientes e o bom nome da instituição”.
Gandolfo Filho relatou que a Sociedade David Everson Uip “entrou com ação ordinária de cobrança contra ele na 4ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, por supostamente ter se utilizado dos seus serviços, ao ter sido internado e submetido a tratamento médico no InCor de 26 de julho de 2005 a 24 de agosto de 2005” (http://goo.gl/hCX3r6).
Assim, não deixa de ser intrigante a troca de Cerri por Uip. O novo ocupante do principal cargo da Saúde estadual não parece ser um nome talhado para trazer tranquilidade à pasta, antes pelo contrário. Pode ser que ele, involuntariamente, ponha mais lenha para arder no inferno astral de Alckmin e dos tucanos paulistas, já povoado por CPTM, Metrô, Siemmens, Alstom, espancamentos na Fundação Casa e outros demônios.
O governador tucano Geraldo Alckmin demitiu o secretário da Saúde, Guido Cerri, e o substituiu por David Uip. Ambos, o que sai e o que entra, médicos. Ambos empresários da saúde.
Cerri é ligado à Fundação Faculdade de Medicina (FFM, privada) e ao Hospital Sírio-Libanês. Uip é ligado à Fundação Zerbini (privada) e ao Hospital Sírio-Libanês.
Cerri é dono de empresas de medicina diagnóstica. Uip é dono de uma clínica privada que atua dentro do Instituto do Coração (InCor, público), onde se beneficia da “dupla porta”.
Como se vê, mudou tudo na pasta estadual da Saúde… Ou, como comentou uma pesquisadora da área: “Seis por meia-dúzia”.
Mídia mal informada?
A grande mídia não conseguiu explicar a demissão de Cerri. A justificativa oficiosa para sua saída é que Alckmin precisa de um “nome forte” na Saúde para fazer frente ao potencial candidato petista ao governo estadual em 2014, o ministro Alexandre Padilha. Uip, apresentado como excêntrico e “médico de celebridades”, seria este “nome forte”. Então tá, como se diz no popular. Mas é preciso registrar que essa mesma grande mídia, ou mídia comercial, recusou-se a investigar, ou mesmo a publicar, as possíveis causas da súbita vontade de Cerri de deixar a pasta, noticiada por uma nota na seção Painel da Folha de S. Paulo, em 9/6: “O governo paulista pode perder seu secretário de Saúde, Giovanni Guido Cerri. O médico quer deixar a administração para dedicar seu tempo à direção da Faculdade de Medicina da USP e a seu consultório particular. Cerri ainda não procurou Geraldo Alckmin (PSDB), mas a cúpula do Palácio dos Bandeirantes já detectou a insatisfação”.
Insatisfação com que? Parece que Cerri estava mais interessado em candidatar-se a reitor da USP do que a voltar a seu “consultório particular”. Mas este não é o único “porém” nessa história. É que dois dias antes da publicação da nota, numa audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (realizada a pedido dos funcionários da Saúde, então em greve), circulou amplamente a edição 54 da Revista Adusp, publicação da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, cuja matéria de capa diz respeito a ninguém menos do que o doutor Cerri:http://goo.gl/QPPM1I. A reportagem demonstrou, com riqueza de informações, que o então secretário estadual da Saúde incorria em conflito de interesses, pois, nesse cargo, administrava contratos com entidades privadas nas quais têm interesses pecuniários, a FFM e o Sírio-Libanês.
“Presidente licenciado” da fundação privada, Cerri é também membro do Conselho de Administração do Sírio-Libanês. Ambas as entidades, FFM e Sírio-Libanês, atuam como “organizações sociais de saúde” (OSS) e nessa condição firmaram com o poder público estadual diversos contratos de gestão de equipamentos públicos (hospitais e outras unidades). Quanto à FFM, para ficarmos num exemplo apenas, o contrato de gestão do Instituto do Câncer (Icesp), firmado entre ela e a Saúde, envolve R$ 1,134 bilhão apenas em 2013. Já o contrato entre Saúde e Sírio-Libanês é de R$ 115 milhões.
Em 2011, um funcionário da Secretaria de Segurança Pública foi demitido depois que a Folha de S. Paulo revelou seu duplo vínculo com o governo estadual: era contratado ao mesmo tempo como funcionário e como empresário prestador de serviços. Para piorar as coisas, ele vendia os dados produzidos por seu trabalho no órgão público. Alckmin o demitiu em 24 horas. A diferença deste caso para o de Cerri é que os valores envolvidos na Saúde são muito maiores.
Alguns repórteres da mídia comercial tiveram acesso ao conteúdo da reportagem, mas preferiram não mexer no assunto. Mesmo quando o Fórum Popular de Saúde foi às ruas, em agosto, para pedir a demissão de Cerri por conflito de interesses, fazendo manifestações diante do Sírio-Libanês, a mídia limitou-se a registrar o protesto, sem tocar na questão crucial do vínculo existente entre o então secretário e aquela organização privada.
O mais curioso é que Cerri teria voltado atrás na sua suposta insatisfação. No final de julho, teria pedido a Alckmin para permanecer no cargo — ou, na versão palaciana, anunciou sua disposição para tanto. Mas a vontade de ficar não durou mais dez dias. É possível que a exposição do Sírio-Libanês no noticiário tenha abalado as convicções do doutor.
“Telhado de vidro” de Uip
Agora entra Uip, mas seu “telhado de vidro” também é grande. Sua gestão no Hospital Emílio Ribas é alvo de investigações na Polícia Civil e no Ministério Público Estadual, como revela a mesma edição 54 da Revista Adusp, em http://goo.gl/9t1Fid. Além disso, Uip é um dos principais nomes da Fundação Zerbini, a fundação privada que controla totalmente o InCor embora este seja um hospital público. O atendimento “VIP” no InCor, a pacientes particulares e de convênios, é faturado para as empresas de médicos que ali atuam, como Uip. Qual é a diferença, portanto, entre esta situação e a de Túlio Kahn, o funcionário da Segurança Pública punido por Alckmin? Nenhuma, essencialmente.
A atuação de Uip como prestador de serviços privados no hospital em que trabalha como funcionário público veio à luz após denúncia de um paciente, em 2005, à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados. O vendedor Wilson Gandolfo Filho denunciou que a empresa Sociedade Consultoria e Assistência Médica David Everson Uip S/C Ltda., “por meio de seu sócio David Uip, utiliza-se da estrutura do Incor, um hospital público, para fins particulares, prejudicando os pacientes e o bom nome da instituição”.
Gandolfo Filho relatou que a Sociedade David Everson Uip “entrou com ação ordinária de cobrança contra ele na 4ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, por supostamente ter se utilizado dos seus serviços, ao ter sido internado e submetido a tratamento médico no InCor de 26 de julho de 2005 a 24 de agosto de 2005” (http://goo.gl/hCX3r6).
Assim, não deixa de ser intrigante a troca de Cerri por Uip. O novo ocupante do principal cargo da Saúde estadual não parece ser um nome talhado para trazer tranquilidade à pasta, antes pelo contrário. Pode ser que ele, involuntariamente, ponha mais lenha para arder no inferno astral de Alckmin e dos tucanos paulistas, já povoado por CPTM, Metrô, Siemmens, Alstom, espancamentos na Fundação Casa e outros demônios.
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