Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual:
O porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, negou qualquer envolvimento do seu governo na detenção do brasileiro David Miranda, companheiro de Glenn Greenwald, durante nove horas, no aeroporto de Heathrow, em Londres, sob suspeita de “terrorismo”. O governo britânico silenciou, dizendo que se tratava de uma “operação policial”. A Scotland Yard declarou que era algo “de rotina” dentro da Lei Antiterrorismo.
Ninguém ficou convencido. Nem mesmo na Grã-Bretanha: David Anderson, que é uma espécie de ombudsman (ouvidor geral) para a Lei Antiterrorismo, declarou que iria cobrar explicações sobre o caso. Keith Vaz, da Câmara dos Deputados, ex-ministro do governo trabalhista, já cobrou esclarecimentos. A mídia europeia deu destaque ao caso, ressaltando, como os anteriores, a sua excepcionalidade. O governo brasileiro protestou, como devia.
Não há dúvida: como declarou o jornalista Greenwald, norte-americano que trabalha para o Guardian, tratou-se de um ato de intimidação. Não havia qualquer suspeita contra Miranda, exceto a de ter se encontrado com Laura Poitras, que ajudou Greenwald nas filmagens da entrevista com Edward Snowden em Hong Kong. O que, convenhamos, equivale a um zero à esquerda em matéria de suspeita. Até mesmo quanto a um possível transporte de informações por parte de Miranda de Poitras para Greenwald: quem precisa disto hoje?
E se informações há, devem ser divulgadas, e já estariam obviamente de posse de Greenwald no Rio de Janeiro, para onde se dirigia Miranda. Portanto, só resta a hipótese da intimidação, da pressão abusiva, do abuso de poder, do poder que age à sombra do poder.
E ainda houve a ridícula apreensão de equipamentos em poder de Miranda, inclusive de jogos eletrônicos. Lembra certas atitudes correntes durante a nossa ditadura, quando policiais apreendiam livros de Dostoiévski “porque era russo”. Ou os Diálogos de Platão, sob a alegação de verificar “com quem eram estes diálogos”.
É sabido que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, com a Nova Zelândia, Austrália e Canadá, mantêm uma “intimidade” total em matéria de inteligência e espionagem. Tanto é assim que está confirmado que Londres avisou previamente Washington sobre a presença de Miranda no voo da British Airways que seguia de Berlim para a conexão em direção ao Rio, em Londres.
Algumas perguntas e uma conclusão:
Quem seria o alvo da intimidação? Miranda? Dificilmente, embora ele tenha ficado intimidado. Snowden? É claro que não, seguro que está, garantido por Vladimir Putin na Rússia. Só podem ser Greenwald, Poitras e o jornal The Guardian, para quem estes dois trabalharam. Ou outros jornalistas que queiram se aventurar neste campo das revelações incômodas para os serviços secretos das “democracias” ocidentais, cujas aspas aqui são bem merecidas. No caso de Poitras, uma cineasta internacionalmente premiada – é bom lembrar que ela mesma tem sido vítima de frequentes detenções, com apreensão de seu material eletrônico e cinematográfico, há algum tempo, conforme denunciou o próprio Greenwald em 2012:
Por que a Casa Branca negou interferência no caso? Teria sido melhor se ficasse em silêncio? Do seu ponto de vista não. Porque é necessário manter a aparência de que existe soberania nos sistemas de inteligência europeus. Na verdade, como já está mais do que evidente, e não em relação àqueles cinco países acima mencionados, existe um verdadeiro “concubinato” entre eles, ou, se quiserem os moralmente mais escandalizados, uma espécie de “suruba total”.
O caso Miranda comprova, por osmose, coabitação, o que seja, o caso Morales, da interceptação do seu avião presidencial. E comprova, com este outro caso anterior, que estamos diante de um poder imperial que escapa às leis do próprio império. Conceitualmente, a situação é idêntica àquela dos tempos da nossa ditadura, quando o governo instalou um poder acima do poder, os Doi-Codis e outros órgãos que tinham carta branca para fazer o que quisessem com quem quisessem, perguntar depois e não responder a qualquer pergunta de ninguém.
Não custa também lembrar o caso de Jean Charles de Menezes, o brasileiro assassinado no metrô de Londres, em 2005, sob suspeita de ser o terrorista procurado na ocasião – o brasileiro errado no lugar errado, na mira errada, mas certeira. É muita suspeita sobre o Brasil. Neste caso, é bom lembrar das ameaças cruas da Casa Branca sobre quem quer que, na América Latina, acobertasse Snowden. A ameaça, com colaboração explícita do serviço secreto britânico, se estende agora aos jornalistas também. E seus companheiros, amizades etc.
Em outra ponta da intimidação, no dia seguinte ao da detenção de Miranda, a promotoria norte-americana pediu a condenação de Bradley Manning a 60 anos de prisão, afirmando que ele merece passar a maior parte de sua hipoteticamente restante vida sob custódia, além da aplicação de uma multa de 100 mil dólares e de sua demissão desonrosa das Forças Armadas. É possível até que haja aquelas cenas trágicas e ridículas de arrancar insígnias e botões das roupas da vítima.Uma ironia: ao voltar ao Brasil, Miranda declarou sentir-se “seguro” em nosso país, diante da “insegurança” vivida em Heathrow. Para meditar.
Ninguém ficou convencido. Nem mesmo na Grã-Bretanha: David Anderson, que é uma espécie de ombudsman (ouvidor geral) para a Lei Antiterrorismo, declarou que iria cobrar explicações sobre o caso. Keith Vaz, da Câmara dos Deputados, ex-ministro do governo trabalhista, já cobrou esclarecimentos. A mídia europeia deu destaque ao caso, ressaltando, como os anteriores, a sua excepcionalidade. O governo brasileiro protestou, como devia.
Não há dúvida: como declarou o jornalista Greenwald, norte-americano que trabalha para o Guardian, tratou-se de um ato de intimidação. Não havia qualquer suspeita contra Miranda, exceto a de ter se encontrado com Laura Poitras, que ajudou Greenwald nas filmagens da entrevista com Edward Snowden em Hong Kong. O que, convenhamos, equivale a um zero à esquerda em matéria de suspeita. Até mesmo quanto a um possível transporte de informações por parte de Miranda de Poitras para Greenwald: quem precisa disto hoje?
E se informações há, devem ser divulgadas, e já estariam obviamente de posse de Greenwald no Rio de Janeiro, para onde se dirigia Miranda. Portanto, só resta a hipótese da intimidação, da pressão abusiva, do abuso de poder, do poder que age à sombra do poder.
E ainda houve a ridícula apreensão de equipamentos em poder de Miranda, inclusive de jogos eletrônicos. Lembra certas atitudes correntes durante a nossa ditadura, quando policiais apreendiam livros de Dostoiévski “porque era russo”. Ou os Diálogos de Platão, sob a alegação de verificar “com quem eram estes diálogos”.
É sabido que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, com a Nova Zelândia, Austrália e Canadá, mantêm uma “intimidade” total em matéria de inteligência e espionagem. Tanto é assim que está confirmado que Londres avisou previamente Washington sobre a presença de Miranda no voo da British Airways que seguia de Berlim para a conexão em direção ao Rio, em Londres.
Algumas perguntas e uma conclusão:
Quem seria o alvo da intimidação? Miranda? Dificilmente, embora ele tenha ficado intimidado. Snowden? É claro que não, seguro que está, garantido por Vladimir Putin na Rússia. Só podem ser Greenwald, Poitras e o jornal The Guardian, para quem estes dois trabalharam. Ou outros jornalistas que queiram se aventurar neste campo das revelações incômodas para os serviços secretos das “democracias” ocidentais, cujas aspas aqui são bem merecidas. No caso de Poitras, uma cineasta internacionalmente premiada – é bom lembrar que ela mesma tem sido vítima de frequentes detenções, com apreensão de seu material eletrônico e cinematográfico, há algum tempo, conforme denunciou o próprio Greenwald em 2012:
Por que a Casa Branca negou interferência no caso? Teria sido melhor se ficasse em silêncio? Do seu ponto de vista não. Porque é necessário manter a aparência de que existe soberania nos sistemas de inteligência europeus. Na verdade, como já está mais do que evidente, e não em relação àqueles cinco países acima mencionados, existe um verdadeiro “concubinato” entre eles, ou, se quiserem os moralmente mais escandalizados, uma espécie de “suruba total”.
O caso Miranda comprova, por osmose, coabitação, o que seja, o caso Morales, da interceptação do seu avião presidencial. E comprova, com este outro caso anterior, que estamos diante de um poder imperial que escapa às leis do próprio império. Conceitualmente, a situação é idêntica àquela dos tempos da nossa ditadura, quando o governo instalou um poder acima do poder, os Doi-Codis e outros órgãos que tinham carta branca para fazer o que quisessem com quem quisessem, perguntar depois e não responder a qualquer pergunta de ninguém.
Não custa também lembrar o caso de Jean Charles de Menezes, o brasileiro assassinado no metrô de Londres, em 2005, sob suspeita de ser o terrorista procurado na ocasião – o brasileiro errado no lugar errado, na mira errada, mas certeira. É muita suspeita sobre o Brasil. Neste caso, é bom lembrar das ameaças cruas da Casa Branca sobre quem quer que, na América Latina, acobertasse Snowden. A ameaça, com colaboração explícita do serviço secreto britânico, se estende agora aos jornalistas também. E seus companheiros, amizades etc.
Em outra ponta da intimidação, no dia seguinte ao da detenção de Miranda, a promotoria norte-americana pediu a condenação de Bradley Manning a 60 anos de prisão, afirmando que ele merece passar a maior parte de sua hipoteticamente restante vida sob custódia, além da aplicação de uma multa de 100 mil dólares e de sua demissão desonrosa das Forças Armadas. É possível até que haja aquelas cenas trágicas e ridículas de arrancar insígnias e botões das roupas da vítima.Uma ironia: ao voltar ao Brasil, Miranda declarou sentir-se “seguro” em nosso país, diante da “insegurança” vivida em Heathrow. Para meditar.
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