Por Izaías Almada
Considerando que o reino em que vivem está à deriva, um príncipe, um filósofo e um poeta resolveram deitar falação sobre aquilo que consideram estar errado à sua volta. “É preciso estar atento e forte”, pensaram, “não temos tempo de temer a morte”... Irmanados nos versos desta canção de conhecido menestrel do mesmo grupo litero/musical, o príncipe, o filósofo e o poeta, todos sempre prontos a disputar espaços nos mais conhecidos jornais do reino, acharam por bem – do alto de sua sabedoria – botar alguns pingos nos is e descer à ágora dos sacripantas para discordar do governo e sua corte e lançar um pouco de lenha na fogueira das vaidades e das intrigas antirrepublicanas.
O povo trabalhador, de volta para casa após mais um dia de labuta, passa por aquelas figuras exóticas sem entender muito bem o que falam na ágora, mas puderam ouvir algumas frases soltas.
Dizia o príncipe envolto em seu fardão com filigranas douradas: “Marina Silva é uma reserva moral do país”... O filósofo, com cara de bravo, acenava com pedagogias democráticas: “Que ao menos fique a lição de que nenhuma invenção democrática neste país será possível sem um processo amplo, geral e irrestrito de combate à corrupção, no qual o último mensaleiro petista será, enfim, enforcado nas tripas do último mensaleiro tucano”... E como que a concordar com a animada retórica acadêmica, o poeta, de longos cabelos grisalhos, soltou o seu canto ditirâmbico: “Será que esse país tem medo de punir?”
Reserva moral, processo amplo geral e irrestrito, medo de punir, o que será que diziam aquelas sumidades, pensava a massa ignara. Alguns poucos passantes pararam para ouvir, mais pelo exotismo da cena do que propriamente pela peroração do trio.
Estava eu ali a observar todo o quadro, dividido entre falácias e sofismas de um lado e a quase perplexidade de cidadãos trabalhadores do outro, quando avistei um pouco à minha direita um senhor já de idade, atento ao discurso dos três cidadãos. Aproximei-me do senhor e perguntei-lhe se podia explicar o que diziam aqueles oradores tão empolgados e cheios de si.
O velho me olhou por detrás das lentes grossas de seus óculos, que revelavam dois olhinhos inquietos e percucientes, e disparou numa voz firme e convincente:
-Estão criticando o que se passa em nossa democracia...
-E quem são eles? Arrisquei.
-O senhor não sabe?
Considerei que fingir minha ignorância sobre tais celebridades pudesse me trazer sua opinião mais sincera, mesmo que apaixonada.
-Não, confesso que não os conheço ou, pelo menos, não conheço o que pensam.
-Ali estão um príncipe, um filósofo e um poeta, respondeu o velho senhor orgulhoso em mostrar seus conhecimentos. E vou responder em poucas palavras a sua pergunta:
-O príncipe é um senhor que conseguiu entrar para a Academia de Letras depois de pedir a todos nós que esquecêssemos o que ele escreveu, entendeu o paradoxo? Pertence a um partido político onde a honestidade está em baixa e, tal qual todo bom oportunista, resolveu puxar a brasa de uma moralidade até agora desconhecida da tal senhora que teve alguns milhões de votos na última eleição presidencial para tentar dar um respiro ao seu partido em frangalhos...
-Hum, balbuciei segurando o riso.
-O filósofo, continuou, não se sabe muito bem o que ele pensa, mas encheu-se de brios para criticar um caso de suposta corrupção ainda não esclarecido pedindo o enforcamento dos réus, sem nomeá-los, nas tripas uns dos outros, requentando uma velha e surrada expressão dos iluministas franceses que gostariam de ver o último rei enforcado nas tripas do último padre. E veja que ele, inconscientemente, usa a expressão de um general da nossa ditadura sobre abertura ampla, geral e irrestrita. Um ato falho, talvez, ou coisas de uma nova esquerda à qual ele julga pertencer...
-Com uma esquerda assim, não é preciso direita, concorda?
-O velho senhor encarou-me sem fazer qualquer comentário.
-E o poeta?
-Bem, o poeta queria saber, tal qual o filósofo, porque a suprema corte de justiça do país se acovardou numa de suas últimas decisões e, segundo, ele, esquivou-se de punir o mais rápido possível, mesmo sem provas, os tais cidadãos que merecem ser enforcados nas tripas uns dos outros... O curioso é que esse mesmo poeta disse estar arrependido de ter sido comunista um dia e que se converteu à democracia. Supõe-se que ele ainda faz parte daquele grupo de pessoas que identificam democracia com capitalismo e ditadura com socialismo... Se estiver arrependido de seus pecados deveria se confessar a um padre, não acha?
Ato contínuo, o velho senhor escafedeu-se...
Fiquei pensando se não tinha conversado por cinco minutos com o desconhecido Stanley Burburinho.
Considerando que o reino em que vivem está à deriva, um príncipe, um filósofo e um poeta resolveram deitar falação sobre aquilo que consideram estar errado à sua volta. “É preciso estar atento e forte”, pensaram, “não temos tempo de temer a morte”... Irmanados nos versos desta canção de conhecido menestrel do mesmo grupo litero/musical, o príncipe, o filósofo e o poeta, todos sempre prontos a disputar espaços nos mais conhecidos jornais do reino, acharam por bem – do alto de sua sabedoria – botar alguns pingos nos is e descer à ágora dos sacripantas para discordar do governo e sua corte e lançar um pouco de lenha na fogueira das vaidades e das intrigas antirrepublicanas.
O povo trabalhador, de volta para casa após mais um dia de labuta, passa por aquelas figuras exóticas sem entender muito bem o que falam na ágora, mas puderam ouvir algumas frases soltas.
Dizia o príncipe envolto em seu fardão com filigranas douradas: “Marina Silva é uma reserva moral do país”... O filósofo, com cara de bravo, acenava com pedagogias democráticas: “Que ao menos fique a lição de que nenhuma invenção democrática neste país será possível sem um processo amplo, geral e irrestrito de combate à corrupção, no qual o último mensaleiro petista será, enfim, enforcado nas tripas do último mensaleiro tucano”... E como que a concordar com a animada retórica acadêmica, o poeta, de longos cabelos grisalhos, soltou o seu canto ditirâmbico: “Será que esse país tem medo de punir?”
Reserva moral, processo amplo geral e irrestrito, medo de punir, o que será que diziam aquelas sumidades, pensava a massa ignara. Alguns poucos passantes pararam para ouvir, mais pelo exotismo da cena do que propriamente pela peroração do trio.
Estava eu ali a observar todo o quadro, dividido entre falácias e sofismas de um lado e a quase perplexidade de cidadãos trabalhadores do outro, quando avistei um pouco à minha direita um senhor já de idade, atento ao discurso dos três cidadãos. Aproximei-me do senhor e perguntei-lhe se podia explicar o que diziam aqueles oradores tão empolgados e cheios de si.
O velho me olhou por detrás das lentes grossas de seus óculos, que revelavam dois olhinhos inquietos e percucientes, e disparou numa voz firme e convincente:
-Estão criticando o que se passa em nossa democracia...
-E quem são eles? Arrisquei.
-O senhor não sabe?
Considerei que fingir minha ignorância sobre tais celebridades pudesse me trazer sua opinião mais sincera, mesmo que apaixonada.
-Não, confesso que não os conheço ou, pelo menos, não conheço o que pensam.
-Ali estão um príncipe, um filósofo e um poeta, respondeu o velho senhor orgulhoso em mostrar seus conhecimentos. E vou responder em poucas palavras a sua pergunta:
-O príncipe é um senhor que conseguiu entrar para a Academia de Letras depois de pedir a todos nós que esquecêssemos o que ele escreveu, entendeu o paradoxo? Pertence a um partido político onde a honestidade está em baixa e, tal qual todo bom oportunista, resolveu puxar a brasa de uma moralidade até agora desconhecida da tal senhora que teve alguns milhões de votos na última eleição presidencial para tentar dar um respiro ao seu partido em frangalhos...
-Hum, balbuciei segurando o riso.
-O filósofo, continuou, não se sabe muito bem o que ele pensa, mas encheu-se de brios para criticar um caso de suposta corrupção ainda não esclarecido pedindo o enforcamento dos réus, sem nomeá-los, nas tripas uns dos outros, requentando uma velha e surrada expressão dos iluministas franceses que gostariam de ver o último rei enforcado nas tripas do último padre. E veja que ele, inconscientemente, usa a expressão de um general da nossa ditadura sobre abertura ampla, geral e irrestrita. Um ato falho, talvez, ou coisas de uma nova esquerda à qual ele julga pertencer...
-Com uma esquerda assim, não é preciso direita, concorda?
-O velho senhor encarou-me sem fazer qualquer comentário.
-E o poeta?
-Bem, o poeta queria saber, tal qual o filósofo, porque a suprema corte de justiça do país se acovardou numa de suas últimas decisões e, segundo, ele, esquivou-se de punir o mais rápido possível, mesmo sem provas, os tais cidadãos que merecem ser enforcados nas tripas uns dos outros... O curioso é que esse mesmo poeta disse estar arrependido de ter sido comunista um dia e que se converteu à democracia. Supõe-se que ele ainda faz parte daquele grupo de pessoas que identificam democracia com capitalismo e ditadura com socialismo... Se estiver arrependido de seus pecados deveria se confessar a um padre, não acha?
Ato contínuo, o velho senhor escafedeu-se...
Fiquei pensando se não tinha conversado por cinco minutos com o desconhecido Stanley Burburinho.
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