Por Andriolli Costa, do IHU-Online, no jornal Brasil de Fato:
Em carta aberta ao povo brasileiro, publicada nesta terça-feira (17), o ex-agente da Agência de Segurança Nacional - NSA, Edward Snowden, manifestou interesse em vir para o Brasil.
Perseguido pelo governo dos Estados Unidos e confinado em seu asilo na Rússia, Snowden se dispôs a colaborar com as investigações sobre os abusos cometidos pela vigilância massiva estadunidense, que teve como alvo diversas lideranças políticas, agências e empresas brasileiras.
Alertou: “Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir em minha capacidade de falar”. No mesmo dia o Itamaraty recusou o pretenso pedido, alegando não ter interesse em “dar o troco na NSA”. Na quarta-feira (18), a presidenta Dilma Rousseff também se manifestou negativamente. "Não me encaminharam nada, não me pediram nada, não interpreto nada. Não vou falar sobre isso", disse ela.
Para o cientista político Sérgio Amadeu, no entanto, o apoio a Snowden não indica uma postura revanchista, mas de solidariedade e valorização do papel histórico executado pelo ex-agente, da defesa do direito à privacidade, liberdade e autonomia dos povos. “As pessoas podem ter mil causas para defender o Snowden, mas todas elas são dignas. Abandonar Snowden é uma causa indigna”, defende ele. “As razões de não dar asilo a Snowden são racionalmente compreensíveis, mas eticamente inaceitáveis.” Mesmo que o ex-agente não seja capaz de efetivamente deixar o território russo, a simples reação positiva do Estado brasileiro representaria uma recusa simbólica às violações e abusos aos direitos do povo.
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Amadeu defende uma série de medidas possíveis para assegurar a segurança nacional. “Não precisamos do Snowden para saber que o sistema operacional da Presidência da República não deve ser o Windows.” Segundo ele, o Brasil tem a competência e a capacidade de desenvolver tecnologias de armazenamento e correspondência seguras, de código aberto e auditáveis, de modo a não nos tornarmos reféns de tecnologias e soluções estrangeiras sem qualquer comprometimento efetivo com o governo brasileiro. “Há muitas medidas concretas que podem ser tomadas dentro do Estado brasileiro. Segurança não é comprar produtos; segurança é um processo contínuo de inteligência na área de informações”, aponta.
Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP, participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre – CISL. Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI da Casa Civil da Presidência da República. É professor na Universidade Federal do ABC – UFABC. É autor de, entre outros, Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento (São Paulo: Perseu Abramo, 2004) e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação (São Paulo: Perseu Abramo, 2007).
Confira a entrevista.
Apesar da carta aberta de Snowden, o Itamaraty afirmou que não tem interesse em “dar o troco” na NSA e dar asilo a Snowden em troca de informações. Como você enxerga essa decisão?
É uma resposta muito triste esta do Itamaraty, especialmente porque a espionagem dos Estados Unidos não tinha interesse apenas em controle e dominação política, mas também em benefícios econômicos. Conceder asilo a Snowden não é uma questão de “dar o troco”, mas de solidariedade, de reconhecer seu papel histórico na sociedade mundial.
Acho que é uma posição completamente equivocada da diplomacia brasileira — que em geral tem posições boas. Mesmo em momentos autoritários o Brasil nunca foi uma mera corrente de transmissão norte-americana. Nós já coordenamos votações contra os Estados Unidos, já rompemos acordos prioritários, e é lamentável que não tenhamos mantido nossa posição agora, justamente em um momento em que tanto os Estados Unidos quanto a Inglaterra instituem uma diplomacia do cinismo.
Julian Assange, por exemplo, está preso em uma embaixada equatoriana não por ter denunciado assassinatos ocultados pelas tropas e pelo departamento de Estado americano, não por ter vazado informações, mas por acusações de crime sexual na Suécia. É o fim da picada. Se a opinião pública mundial dos países democráticos perderem Snowden para uma prisão norte-americana, eu diria que este seria um século XXI pior do que deveríamos ter. Teremos um século onde um Estado como o norte-americano se institui como a polícia do mundo; uma polícia autocrática que mente, assassina, interfere na vida das pessoas.
Em que medida a postura do Itamaraty contribui para uma sociedade mais livre, longe da espionagem e da vigilância de Estado?
A medida do Itamaraty é equivocada. Uma resposta adequada seria simplesmente dizer que, em defesa da coerência do discurso da presidenta Dilma na ONU, que dava conta de um pacto contra o vigilantismo em massa do mundo, em defesa da autonomia dos povos e do respeito à dignidade e aos direitos humanos, estamos mostrando para a maior potência do mundo que somos solidários a Snowden. O Brasil tem de deixar claro que não vai permitir tamanho absurdo, que é a supremacia da violação massiva de direitos.
A primeira chefe de Estado a defender a internet livre e o respeito à privacidade na ONU foi a presidenta Dilma Roussef. O que há de contraditório entre a postura de Dilma na ONU e a postura do Itamaraty?
O Itamaraty agiu em nome das ações do Estado brasileiro e da diplomacia em um mundo tenso. Ele decidiu não arriscar as relações econômicas com os Estados Unidos para fazer solidariedade a uma pessoa nitidamente contrária à política internacional americana. Então ele agiu com um pragmatismo completamente distante de uma política de paz, de diversidade cultural. A solidariedade a Snowden pode ser um sinal para esses estados mudarem a sua política. Pode igualmente ser um sinal positivo de um país que tem uma democracia muito mais estável do que a norte-americana, que vive em permanente estado de exceção.
Qual seria uma resposta à altura para a espionagem dos Estados Unidos?
Uma das respostas à altura, na minha opinião, seria primeiro dar cobertura a Snowden e tentar trazê-lo da Rússia para o Brasil — coisa que não seria simples, pois a aeronave ou embarcação seria interceptada pelas forças norte-americanas. Uma segunda ação seria fazer uma denúncia contundente da política norte-americana de vigilantismo em massa, além do que a presidente fez. Externar claramente na assembleia geral da ONU os detalhes desta agressão que nós sofremos. Assim, a medida de propor um acordo internacional e trabalhar por esse acordo, junto com a medida de dar asilo, mostrar interesse em proteger e ser solidário a Snowden, seriam boas respostas. Os Estados Unidos têm muita força, mas temos que começar a inverter isso.
Você concorda que se o Brasil tivesse aceitado o pedido de asilo de Snowden, esse ato seria encarado nos EUA como revanchismo?
Poderia, sim. Afinal, os Estados Unidos são o país que mais entende de revanche no mundo. Mas os EUA não teriam como repreender esse possível ato brasileiro. Eles não teriam condições de dizer que o Brasil faz parte do eixo do mal. O Brasil não dá guarida a terroristas, não tem em seu território operações militares antiamericanas, não tem interesse expansionista na América do Sul e em nenhum lugar do planeta. Logo, o Brasil não é um país que coloque em risco qualquer elemento do conceito de segurança norte-americano. A revanche brasileira ficaria difícil de ser sustentada como algo que requer uma retaliação, como foi o caso da perseguição do líder da Al-Qaeda. A cultura americana é belicista, isso nós entendemos, mas não podemos aceitar. Não podemos achar bonito que os americanos se vangloriem de atacar qualquer lugar do mundo. Isso não é normal e aceitável para uma cultura democrática que pretende ser pacífica e tolerante.
Snowden representa o que há de melhor na sociedade norte-americana. Porque esta sociedade não é feita só por esses grupos de crença puritana, que acham que estão predestinados a comandar o mundo. O Snowden vem de um espírito de tudo o que tem de mais rico nesta cultura.
A cultura americana é muito rica; lá nasceu o movimento hacker, o software livre, a internet, ojazz e várias situações de práticas recombinantes. Então, temos de entender que o Snowden representa essa parcela da população norte-americana.
No mesmo dia em que o asilo foi negado, foi criada uma petição pública no Avaaz que rapidamente atingiu milhares de assinaturas solicitando que o Brasil aceite a vinda de Snowden. Como encara esse tipo de manifestação de apoio? Ela representa a conscientização e atenção do povo brasileiro para este tipo de assunto ou é reflexo de uma onda estimulada pela internet?
Se for uma onda, é uma onda extremamente importante no plano político nacional e internacional. É fundamental que a opinião pública se manifeste. As pessoas podem ter mil causas para defender o Snowden, mas todas elas são dignas. Abandonar Snowden é uma causa indigna. Ela vem do receio de enfrentar ou de criar uma situação inconveniente para com os Estados Unidos. As razões de não dar asilo a Snowden são racionalmente compreensíveis, mas eticamente inaceitáveis. Então, não importa por que um jovem, um adulto ou uma mulher assinem esta petição. O Snowden representa colocar a dignidade, a privacidade, a liberdade, o direito à autonomia dos povos acima das razões do Estado, e isso é extremamente relevante. Se existe uma onda, devemos incentivar.
Snowden afirma que poderia auxiliar o Brasil nas investigações sobre a suspeita de crimes cometidos pela NSA contra cidadãos brasileiros. Acredita que ele teria com o que colaborar ou o seu aceite seria muito mais de ordem simbólica?
A vinda dele seria muito mais simbólica. É claro que ele poderia dar uma colaboração, mas eu não vejo como nosso interesse esse tipo de investigação. O Brasil não tem uma política imperialista, mas sim de defesa da liberdade democrática e de direitos. A medida mais adequada é voltar-se para a segurança nacional da informação, apesar de o governo ainda continuar tratando empresas americanas, como a Microsoft, como empresas quaisquer. Eu falo da Microsoft porque ela está querendo vender para os Estados Unidos uma nuvem de segurança, e é possível que o governo realmente adquira esse produto.
Você acredita que a Microsoft poderia enviar dados sigilosos para a NSA?
Pode e, de acordo com as denúncias do Snowden e as notícias divulgadas em vários jornais, é o que acontece. A empresa atua em diversos projetos junto com a NSA. É claro que as empresas que fornecem equipamentos de comunicação têm que colaborar com o governo americano, porque a lei manda. Não precisamos do Snowden para saber que o sistema operacional da Presidência da República não deve ser o Windows. Agora nós estamos em um momento em que é possível desenvolver tecnologias auditáveis, que são abertas e que podemos ter domínio completo sobre elas — ou, pelo menos, um domínio maior. No caso do armazenamento em nuvem e e-mail seguro, também temos condição de fazer isso. Então qual é o problema? O problema é que lamentavelmente existe um lobby pesado que penetra na burocracia brasileira.
Quais medidas podem ser tomadas para maior segurança da informação caso haja um planejamento adequado?
Primeiro, temos que buscar utilizar softwares nas máquinas das autoridades mais visadas, que trabalham com informações sensíveis, que possam ser auditadas por técnicos da nossa inteira confiança. A segunda medida é apoiar, inclusive com o BNDES e outras estruturas de financiamento, o desenvolvimento de soluções abertas ou soluções que sejam nacionais e que não tenham condições de ser cooptadas e capturadas pelas agências de inteligência americana. Então, do ponto de vista de segurança de informações de nossas empresas estratégicas da política internacional brasileira e de nossas autoridades, temos condições de adotar essas medidas, que passam por softwares abertos e auditáveis, por começar a desenvolver plataformas de tecnologia seguras. Temos hoje uma capacidade de desenvolvimento tecnológico, mas é preciso identificar quem são os lobistas que só querem ganhar dinheiro à custa da defesa da liberdade, como o da Microsoft. Esse lobista não deveria nem ser respeitado dentro do governo, porque está mais do que nítido que ele está defendendo um interesse econômico, vendendo não o software, mas backdoors, instruções que permitam vazar as informações do Estado brasileiro.
Só para você ter uma ideia, antes da denúncia do Snowden eu assisti a uma apresentação no comitê gestor do Centro de Defesa Cibernética Brasileira (CDCiber). A segunda tela que foi apresentada mostrava as empresas que estavam ajudando a montar o centro, e uma delas era a Microsoft. Quando terminou a apresentação, perguntei para o general: “Como o senhor garante que vai conseguir se defender caso o inimigo sejam os Estados Unidos ou os interesses norte-americanos, se o senhor não domina a tecnologia da Microsoft, já que ela é de código fonte fechada?”. Ele respondeu somente: “Eles são nossos aliados”. Então, veja, isso aconteceu um ano antes da denúncia do Snowden. Esse tipo de concepção vai nos levar aonde? Tal concepção é ingênua, mas tem pessoas que levam essas propostas para o centro de Cibernética.
Há muitas medidas concretas que podem ser tomadas dentro do Estado brasileiro. Segurança não é comprar produtos; segurança é um processo contínuo de inteligência na área de informações.
Em relação às chamadas tecnologias da informação, a segurança é uma luta de inteligência, de criatividade, de tentar estar sempre um passo à frente daquele que quer isolar o seu sistema.
Então, não dá para aceitar determinadas posturas do Estado brasileiro. É claro que eu não desconheço as dificuldades migradas para o sistema, mas também não desconheço o potencial brasileiro e sua capacidade de propor soluções a curto, médio e longo prazos para uma série de problemas.
Em carta aberta ao povo brasileiro, publicada nesta terça-feira (17), o ex-agente da Agência de Segurança Nacional - NSA, Edward Snowden, manifestou interesse em vir para o Brasil.
Perseguido pelo governo dos Estados Unidos e confinado em seu asilo na Rússia, Snowden se dispôs a colaborar com as investigações sobre os abusos cometidos pela vigilância massiva estadunidense, que teve como alvo diversas lideranças políticas, agências e empresas brasileiras.
Alertou: “Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir em minha capacidade de falar”. No mesmo dia o Itamaraty recusou o pretenso pedido, alegando não ter interesse em “dar o troco na NSA”. Na quarta-feira (18), a presidenta Dilma Rousseff também se manifestou negativamente. "Não me encaminharam nada, não me pediram nada, não interpreto nada. Não vou falar sobre isso", disse ela.
Para o cientista político Sérgio Amadeu, no entanto, o apoio a Snowden não indica uma postura revanchista, mas de solidariedade e valorização do papel histórico executado pelo ex-agente, da defesa do direito à privacidade, liberdade e autonomia dos povos. “As pessoas podem ter mil causas para defender o Snowden, mas todas elas são dignas. Abandonar Snowden é uma causa indigna”, defende ele. “As razões de não dar asilo a Snowden são racionalmente compreensíveis, mas eticamente inaceitáveis.” Mesmo que o ex-agente não seja capaz de efetivamente deixar o território russo, a simples reação positiva do Estado brasileiro representaria uma recusa simbólica às violações e abusos aos direitos do povo.
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Amadeu defende uma série de medidas possíveis para assegurar a segurança nacional. “Não precisamos do Snowden para saber que o sistema operacional da Presidência da República não deve ser o Windows.” Segundo ele, o Brasil tem a competência e a capacidade de desenvolver tecnologias de armazenamento e correspondência seguras, de código aberto e auditáveis, de modo a não nos tornarmos reféns de tecnologias e soluções estrangeiras sem qualquer comprometimento efetivo com o governo brasileiro. “Há muitas medidas concretas que podem ser tomadas dentro do Estado brasileiro. Segurança não é comprar produtos; segurança é um processo contínuo de inteligência na área de informações”, aponta.
Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP, participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre – CISL. Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI da Casa Civil da Presidência da República. É professor na Universidade Federal do ABC – UFABC. É autor de, entre outros, Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento (São Paulo: Perseu Abramo, 2004) e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação (São Paulo: Perseu Abramo, 2007).
Confira a entrevista.
Apesar da carta aberta de Snowden, o Itamaraty afirmou que não tem interesse em “dar o troco” na NSA e dar asilo a Snowden em troca de informações. Como você enxerga essa decisão?
É uma resposta muito triste esta do Itamaraty, especialmente porque a espionagem dos Estados Unidos não tinha interesse apenas em controle e dominação política, mas também em benefícios econômicos. Conceder asilo a Snowden não é uma questão de “dar o troco”, mas de solidariedade, de reconhecer seu papel histórico na sociedade mundial.
Acho que é uma posição completamente equivocada da diplomacia brasileira — que em geral tem posições boas. Mesmo em momentos autoritários o Brasil nunca foi uma mera corrente de transmissão norte-americana. Nós já coordenamos votações contra os Estados Unidos, já rompemos acordos prioritários, e é lamentável que não tenhamos mantido nossa posição agora, justamente em um momento em que tanto os Estados Unidos quanto a Inglaterra instituem uma diplomacia do cinismo.
Julian Assange, por exemplo, está preso em uma embaixada equatoriana não por ter denunciado assassinatos ocultados pelas tropas e pelo departamento de Estado americano, não por ter vazado informações, mas por acusações de crime sexual na Suécia. É o fim da picada. Se a opinião pública mundial dos países democráticos perderem Snowden para uma prisão norte-americana, eu diria que este seria um século XXI pior do que deveríamos ter. Teremos um século onde um Estado como o norte-americano se institui como a polícia do mundo; uma polícia autocrática que mente, assassina, interfere na vida das pessoas.
Em que medida a postura do Itamaraty contribui para uma sociedade mais livre, longe da espionagem e da vigilância de Estado?
A medida do Itamaraty é equivocada. Uma resposta adequada seria simplesmente dizer que, em defesa da coerência do discurso da presidenta Dilma na ONU, que dava conta de um pacto contra o vigilantismo em massa do mundo, em defesa da autonomia dos povos e do respeito à dignidade e aos direitos humanos, estamos mostrando para a maior potência do mundo que somos solidários a Snowden. O Brasil tem de deixar claro que não vai permitir tamanho absurdo, que é a supremacia da violação massiva de direitos.
A primeira chefe de Estado a defender a internet livre e o respeito à privacidade na ONU foi a presidenta Dilma Roussef. O que há de contraditório entre a postura de Dilma na ONU e a postura do Itamaraty?
O Itamaraty agiu em nome das ações do Estado brasileiro e da diplomacia em um mundo tenso. Ele decidiu não arriscar as relações econômicas com os Estados Unidos para fazer solidariedade a uma pessoa nitidamente contrária à política internacional americana. Então ele agiu com um pragmatismo completamente distante de uma política de paz, de diversidade cultural. A solidariedade a Snowden pode ser um sinal para esses estados mudarem a sua política. Pode igualmente ser um sinal positivo de um país que tem uma democracia muito mais estável do que a norte-americana, que vive em permanente estado de exceção.
Qual seria uma resposta à altura para a espionagem dos Estados Unidos?
Uma das respostas à altura, na minha opinião, seria primeiro dar cobertura a Snowden e tentar trazê-lo da Rússia para o Brasil — coisa que não seria simples, pois a aeronave ou embarcação seria interceptada pelas forças norte-americanas. Uma segunda ação seria fazer uma denúncia contundente da política norte-americana de vigilantismo em massa, além do que a presidente fez. Externar claramente na assembleia geral da ONU os detalhes desta agressão que nós sofremos. Assim, a medida de propor um acordo internacional e trabalhar por esse acordo, junto com a medida de dar asilo, mostrar interesse em proteger e ser solidário a Snowden, seriam boas respostas. Os Estados Unidos têm muita força, mas temos que começar a inverter isso.
Você concorda que se o Brasil tivesse aceitado o pedido de asilo de Snowden, esse ato seria encarado nos EUA como revanchismo?
Poderia, sim. Afinal, os Estados Unidos são o país que mais entende de revanche no mundo. Mas os EUA não teriam como repreender esse possível ato brasileiro. Eles não teriam condições de dizer que o Brasil faz parte do eixo do mal. O Brasil não dá guarida a terroristas, não tem em seu território operações militares antiamericanas, não tem interesse expansionista na América do Sul e em nenhum lugar do planeta. Logo, o Brasil não é um país que coloque em risco qualquer elemento do conceito de segurança norte-americano. A revanche brasileira ficaria difícil de ser sustentada como algo que requer uma retaliação, como foi o caso da perseguição do líder da Al-Qaeda. A cultura americana é belicista, isso nós entendemos, mas não podemos aceitar. Não podemos achar bonito que os americanos se vangloriem de atacar qualquer lugar do mundo. Isso não é normal e aceitável para uma cultura democrática que pretende ser pacífica e tolerante.
Snowden representa o que há de melhor na sociedade norte-americana. Porque esta sociedade não é feita só por esses grupos de crença puritana, que acham que estão predestinados a comandar o mundo. O Snowden vem de um espírito de tudo o que tem de mais rico nesta cultura.
A cultura americana é muito rica; lá nasceu o movimento hacker, o software livre, a internet, ojazz e várias situações de práticas recombinantes. Então, temos de entender que o Snowden representa essa parcela da população norte-americana.
No mesmo dia em que o asilo foi negado, foi criada uma petição pública no Avaaz que rapidamente atingiu milhares de assinaturas solicitando que o Brasil aceite a vinda de Snowden. Como encara esse tipo de manifestação de apoio? Ela representa a conscientização e atenção do povo brasileiro para este tipo de assunto ou é reflexo de uma onda estimulada pela internet?
Se for uma onda, é uma onda extremamente importante no plano político nacional e internacional. É fundamental que a opinião pública se manifeste. As pessoas podem ter mil causas para defender o Snowden, mas todas elas são dignas. Abandonar Snowden é uma causa indigna. Ela vem do receio de enfrentar ou de criar uma situação inconveniente para com os Estados Unidos. As razões de não dar asilo a Snowden são racionalmente compreensíveis, mas eticamente inaceitáveis. Então, não importa por que um jovem, um adulto ou uma mulher assinem esta petição. O Snowden representa colocar a dignidade, a privacidade, a liberdade, o direito à autonomia dos povos acima das razões do Estado, e isso é extremamente relevante. Se existe uma onda, devemos incentivar.
Snowden afirma que poderia auxiliar o Brasil nas investigações sobre a suspeita de crimes cometidos pela NSA contra cidadãos brasileiros. Acredita que ele teria com o que colaborar ou o seu aceite seria muito mais de ordem simbólica?
A vinda dele seria muito mais simbólica. É claro que ele poderia dar uma colaboração, mas eu não vejo como nosso interesse esse tipo de investigação. O Brasil não tem uma política imperialista, mas sim de defesa da liberdade democrática e de direitos. A medida mais adequada é voltar-se para a segurança nacional da informação, apesar de o governo ainda continuar tratando empresas americanas, como a Microsoft, como empresas quaisquer. Eu falo da Microsoft porque ela está querendo vender para os Estados Unidos uma nuvem de segurança, e é possível que o governo realmente adquira esse produto.
Você acredita que a Microsoft poderia enviar dados sigilosos para a NSA?
Pode e, de acordo com as denúncias do Snowden e as notícias divulgadas em vários jornais, é o que acontece. A empresa atua em diversos projetos junto com a NSA. É claro que as empresas que fornecem equipamentos de comunicação têm que colaborar com o governo americano, porque a lei manda. Não precisamos do Snowden para saber que o sistema operacional da Presidência da República não deve ser o Windows. Agora nós estamos em um momento em que é possível desenvolver tecnologias auditáveis, que são abertas e que podemos ter domínio completo sobre elas — ou, pelo menos, um domínio maior. No caso do armazenamento em nuvem e e-mail seguro, também temos condição de fazer isso. Então qual é o problema? O problema é que lamentavelmente existe um lobby pesado que penetra na burocracia brasileira.
Quais medidas podem ser tomadas para maior segurança da informação caso haja um planejamento adequado?
Primeiro, temos que buscar utilizar softwares nas máquinas das autoridades mais visadas, que trabalham com informações sensíveis, que possam ser auditadas por técnicos da nossa inteira confiança. A segunda medida é apoiar, inclusive com o BNDES e outras estruturas de financiamento, o desenvolvimento de soluções abertas ou soluções que sejam nacionais e que não tenham condições de ser cooptadas e capturadas pelas agências de inteligência americana. Então, do ponto de vista de segurança de informações de nossas empresas estratégicas da política internacional brasileira e de nossas autoridades, temos condições de adotar essas medidas, que passam por softwares abertos e auditáveis, por começar a desenvolver plataformas de tecnologia seguras. Temos hoje uma capacidade de desenvolvimento tecnológico, mas é preciso identificar quem são os lobistas que só querem ganhar dinheiro à custa da defesa da liberdade, como o da Microsoft. Esse lobista não deveria nem ser respeitado dentro do governo, porque está mais do que nítido que ele está defendendo um interesse econômico, vendendo não o software, mas backdoors, instruções que permitam vazar as informações do Estado brasileiro.
Só para você ter uma ideia, antes da denúncia do Snowden eu assisti a uma apresentação no comitê gestor do Centro de Defesa Cibernética Brasileira (CDCiber). A segunda tela que foi apresentada mostrava as empresas que estavam ajudando a montar o centro, e uma delas era a Microsoft. Quando terminou a apresentação, perguntei para o general: “Como o senhor garante que vai conseguir se defender caso o inimigo sejam os Estados Unidos ou os interesses norte-americanos, se o senhor não domina a tecnologia da Microsoft, já que ela é de código fonte fechada?”. Ele respondeu somente: “Eles são nossos aliados”. Então, veja, isso aconteceu um ano antes da denúncia do Snowden. Esse tipo de concepção vai nos levar aonde? Tal concepção é ingênua, mas tem pessoas que levam essas propostas para o centro de Cibernética.
Há muitas medidas concretas que podem ser tomadas dentro do Estado brasileiro. Segurança não é comprar produtos; segurança é um processo contínuo de inteligência na área de informações.
Em relação às chamadas tecnologias da informação, a segurança é uma luta de inteligência, de criatividade, de tentar estar sempre um passo à frente daquele que quer isolar o seu sistema.
Então, não dá para aceitar determinadas posturas do Estado brasileiro. É claro que eu não desconheço as dificuldades migradas para o sistema, mas também não desconheço o potencial brasileiro e sua capacidade de propor soluções a curto, médio e longo prazos para uma série de problemas.
2 comentários:
ASsange, Snowden e Manning, são o snossos ZÈ DIRCEU, GENOÍNO e DElÙBIO, caçados por ajudarem a reduzir a extrema desiguladade brasileira, da qual as elites meritocráticas se orgulham ...
“ANOS tuKKKânus LEWINSKYânus NUNCA MAIS !!! NO PASSARÁN !! VIVA GENOÍNO !! VIVA ZÈ DIRCEU !! VIVA A LIBERDADE, A DEMOCRACIA E A LEGALIDADE !! VIVA LULA !! VIVA DILMA !! VIVA O PT !! VIVA O BRASIL SOBERANO !! LIBERDADE PARA JULIAN ASSANGE, BRADLEY MANNING E EDWARD SNOWDEN JÁ !! FORA YOANI e MÉDICOS COXINHAS !! ABAIXO A DITADURA DO STF DE 4 PARA A GLOBO !! ABAIXO A GRANDE MÍDIA CORPORATIVA, SEU DEUS 'MERCADO' & TODOS OS SEUS LACAIOS & ASSECLAS !! CPI DA PRIVATARIA TUCANA, JÁ !! LEI DE MÍDIAS, JÁ !! "O BRASIL PARA TODOS não passa no SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO - O que passa SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”
Cada palavra do amigo, tem o meu aplauso. Precisamos de gente assim!!!!!!!!
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