Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:
"Você já viu o que está circulando na internet? Tem foto e tudo. Estou com medo de deixar filho meu sair de casa"
"Vi agora no Facebook que vai faltar água e luz, a inflação vai explodir, a coisa está feia".
Quem ainda não ouviu ou recebeu um e-mail com este tipo de comentário? É assim que surgem os boatos e se alastram como pólvora na grande rede, nos táxis, nos ônibus, nos botecos, no boca a boca por toda parte, criando um clima de medo e intolerância, revolta e ódio, mau humor generalizado, pessimismo, o caldo de cultura que acaba levando à morte, como aconteceu quando mais de 100 pessoas lincharam a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, no último domingo, no Guarujá, em São Paulo.
Quando li a notícia sobre mais este crime hediondo fiquei tão chocado que não sabia nem o que escrever. E começo a me perguntar: adianta escrever alguma coisa depois de ver o vídeo desta barbaridade promovida no balneário mais chique dos paulistas? São tantos os casos de violência extrema acontecidos ultimamente que já deveria estar anestesiado a esta altura do campeonato da vida de jornalista, mas ainda reajo com o inconformismo do início da carreira e procuro entender primeiro o que está se passando na alma dos brasileiros, aquele povo outrora chamado de cordial por Sérgio Buarque de Holanda.
Linchamentos e chacinas sempre aconteceram, não são novidade no Brasil nem no mundo civilizado, mas não me lembro de alguém arrancar e jogar um vaso sanitário do alto da arquibancada nas pessoas que estão passando na rua, como vimos no último final de semana, no Recife. De uns tempos para cá, porém, noto que a violência e a intolerância se disseminaram na nossa sociedade, em todas as relações humanas, nas diferentes classes sociais, no trânsito, nas filas, no transporte coletivo, no trabalho, nos comentários na internet, na política, nos jogos de futebol, nas baladas e até na família. Concorrentes e adversários viraram inimigos, e a vida vale cada vez menos. São tempos de vale tudo, de salve-se quem puder.
Quem pensa diferente de nós é um idiota ou um vendido, quem prega fraternidade, paz, tolerância é um poeta inocente a serviço dos bandidos, quem defende o desarmamento de espíritos é um sujeito que está fora do mundo, quem procura se colocar no lugar do outro e ouvir diferentes opiniões antes de emitir a sua está perdendo seu tempo.
É um tempo de certezas absolutas, de donos da verdade, de tudo ou nada, preto ou branco, escreveu não leu, o pau comeu. No jornalismo, por exemplo,para se dar bem hoje em dia, tem que ser mais radical do que os outros, pregar a justiça com as próprias mãos, mandar prender todo mundo porque ninguém presta. Isso dá aumento de salário, prestígio e rende novas propostas de trabalho.
"Eu também tenho filhos e o papo que rolava é que estavam matando crianças. Não sabia se ela era inocente ou não", disse candidamente à policia o primeiro assassino preso no Guarujá, o eletricista Valmir Dias Barbosa, de 47 anos.
Quer dizer que, se Fabiane de Jesus, de 33 anos, mãe de dois filhos, não fosse inocente, ele e o restante da malta enfurecida teriam todo o direito de mata-la a pauladas porque "o papo que rolava" é que a dona de casa que carregava uma Bíblia na mão sequestrava crianças para fazer magia negra.
Sabe-se agora que a boataria se espalhou a partir de um retrato falado feito pela polícia do Rio há mais de dois anos e reproduzido, sem nenhuma checagem ou apuração, no dia 25 de abril, pela página do Facebook do "Guarujá Alerta", que tem mais de 55 mil seguidores. A imagem teria sido retirada, segundo o advogado do "responsável" pelo Facebook, depois de ele perceber que era um boato, mas o estrago já estava feito, alarmando a população de Morrinhos, um bairro pobre de 40 mil habitantes.
"A gente não pode culpar ninguém, tem que culpar a internet", disse aoR7o ajudante Jonas Thiago Andrade, que aparece no vídeo do linchamento e também foi ouvido pela polícia.
Como assim, culpar a internet? Vão prender todos os provedores e computadores da grande rede? Internet é apenas um instrumento, um equipamento eletrônico como o rádio e a televisão. Culpados, além da centena de linchadores, são os responsáveis pelos conteúdos irados e apopléticos que estão instigando a violência, disseminando boatos, assassinando reputações, atirando primeiro para depois pedir documentos, jogando a população contra governantes e políticos em geral, como se a democracia e a justiça pudessem ser feitas com as próprias mãos, conforme o que der na telha de cada um.
Às vésperas da grande festa que poderia ser a Copa do Mundo no Brasil, programam-se novas manifestações de protesto e uma onda de greves, tendo como pano de fundo a campanha eleitoral, em crescente clima de beligerância nas redes sociais, como se o mundo fosse acabar amanhã. E a CPI da Petrobras ainda nem começou. Tudo parece seguir um roteiro macabro, que acaba desaguando em cenas dramáticas como a do linchamento no Guarujá, com o virando inimigo do próprio povo. É disso que Fabiane Maria de Jesus foi vítima. E vida que segue.
"Você já viu o que está circulando na internet? Tem foto e tudo. Estou com medo de deixar filho meu sair de casa"
"Vi agora no Facebook que vai faltar água e luz, a inflação vai explodir, a coisa está feia".
Quem ainda não ouviu ou recebeu um e-mail com este tipo de comentário? É assim que surgem os boatos e se alastram como pólvora na grande rede, nos táxis, nos ônibus, nos botecos, no boca a boca por toda parte, criando um clima de medo e intolerância, revolta e ódio, mau humor generalizado, pessimismo, o caldo de cultura que acaba levando à morte, como aconteceu quando mais de 100 pessoas lincharam a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, no último domingo, no Guarujá, em São Paulo.
Quando li a notícia sobre mais este crime hediondo fiquei tão chocado que não sabia nem o que escrever. E começo a me perguntar: adianta escrever alguma coisa depois de ver o vídeo desta barbaridade promovida no balneário mais chique dos paulistas? São tantos os casos de violência extrema acontecidos ultimamente que já deveria estar anestesiado a esta altura do campeonato da vida de jornalista, mas ainda reajo com o inconformismo do início da carreira e procuro entender primeiro o que está se passando na alma dos brasileiros, aquele povo outrora chamado de cordial por Sérgio Buarque de Holanda.
Linchamentos e chacinas sempre aconteceram, não são novidade no Brasil nem no mundo civilizado, mas não me lembro de alguém arrancar e jogar um vaso sanitário do alto da arquibancada nas pessoas que estão passando na rua, como vimos no último final de semana, no Recife. De uns tempos para cá, porém, noto que a violência e a intolerância se disseminaram na nossa sociedade, em todas as relações humanas, nas diferentes classes sociais, no trânsito, nas filas, no transporte coletivo, no trabalho, nos comentários na internet, na política, nos jogos de futebol, nas baladas e até na família. Concorrentes e adversários viraram inimigos, e a vida vale cada vez menos. São tempos de vale tudo, de salve-se quem puder.
Quem pensa diferente de nós é um idiota ou um vendido, quem prega fraternidade, paz, tolerância é um poeta inocente a serviço dos bandidos, quem defende o desarmamento de espíritos é um sujeito que está fora do mundo, quem procura se colocar no lugar do outro e ouvir diferentes opiniões antes de emitir a sua está perdendo seu tempo.
É um tempo de certezas absolutas, de donos da verdade, de tudo ou nada, preto ou branco, escreveu não leu, o pau comeu. No jornalismo, por exemplo,para se dar bem hoje em dia, tem que ser mais radical do que os outros, pregar a justiça com as próprias mãos, mandar prender todo mundo porque ninguém presta. Isso dá aumento de salário, prestígio e rende novas propostas de trabalho.
"Eu também tenho filhos e o papo que rolava é que estavam matando crianças. Não sabia se ela era inocente ou não", disse candidamente à policia o primeiro assassino preso no Guarujá, o eletricista Valmir Dias Barbosa, de 47 anos.
Quer dizer que, se Fabiane de Jesus, de 33 anos, mãe de dois filhos, não fosse inocente, ele e o restante da malta enfurecida teriam todo o direito de mata-la a pauladas porque "o papo que rolava" é que a dona de casa que carregava uma Bíblia na mão sequestrava crianças para fazer magia negra.
Sabe-se agora que a boataria se espalhou a partir de um retrato falado feito pela polícia do Rio há mais de dois anos e reproduzido, sem nenhuma checagem ou apuração, no dia 25 de abril, pela página do Facebook do "Guarujá Alerta", que tem mais de 55 mil seguidores. A imagem teria sido retirada, segundo o advogado do "responsável" pelo Facebook, depois de ele perceber que era um boato, mas o estrago já estava feito, alarmando a população de Morrinhos, um bairro pobre de 40 mil habitantes.
"A gente não pode culpar ninguém, tem que culpar a internet", disse aoR7o ajudante Jonas Thiago Andrade, que aparece no vídeo do linchamento e também foi ouvido pela polícia.
Como assim, culpar a internet? Vão prender todos os provedores e computadores da grande rede? Internet é apenas um instrumento, um equipamento eletrônico como o rádio e a televisão. Culpados, além da centena de linchadores, são os responsáveis pelos conteúdos irados e apopléticos que estão instigando a violência, disseminando boatos, assassinando reputações, atirando primeiro para depois pedir documentos, jogando a população contra governantes e políticos em geral, como se a democracia e a justiça pudessem ser feitas com as próprias mãos, conforme o que der na telha de cada um.
Às vésperas da grande festa que poderia ser a Copa do Mundo no Brasil, programam-se novas manifestações de protesto e uma onda de greves, tendo como pano de fundo a campanha eleitoral, em crescente clima de beligerância nas redes sociais, como se o mundo fosse acabar amanhã. E a CPI da Petrobras ainda nem começou. Tudo parece seguir um roteiro macabro, que acaba desaguando em cenas dramáticas como a do linchamento no Guarujá, com o virando inimigo do próprio povo. É disso que Fabiane Maria de Jesus foi vítima. E vida que segue.
2 comentários:
Perfeito ! como sempre o Ricardo consegue captar um sentimento e escrever com simplicidade e força. Pena que é sobre um momento tão triste da nossa sociedade. A internet e os meios de comunicação sendo utilizados para disseminar o ódio e a intolerancia. Caro Miro ... o que fazer?
E tudo isso começou a partir das manifestações de junho ano passado. Onde está o MPL agora? "Desculpe o transtorno, estamos mudando o Brasil". Mudaram mesmo. Acabaram com o país. Daquele tempo em diante qualquer coisa é motivo para manifestações violentas, depredações, etc. E pensar que o Brasil estava caminhando bem, não uma maravilha, mas bem.
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