Por Juarez Guimarães, no site Carta Maior:
Antes de Marina Silva deixar o segundo governo Lula e o PT, Hamilton Pereira eu escrevemos uma carta aberta a ela dirigida com o nome “Em favor das razões de Marina”, publicada no site da Fundação Perseu Abramo. Nela, após anotar os avanços já conquistados no campo ecológico durante os governos Lula (redução drástica do desmatamento da Amazonia, nova regulação inclusive com a introdução do critério ambiental no financiamento dos bancos públicos, grande extensão das áreas ecologicamente preservadas, presença de liderança nos fóruns internacionais de políticas contra o aquecimento global), reconhecíamos que a agenda ecológica ainda não havia ido ao centro da cultura da esquerda brasileira e do próprio governo. Marina tinha ainda um grande trabalho a cumprir neste sentido.
Mas nesta mesma carta, alertávamos para dois grandes riscos corridos por Marina: o de separar dramaticamente a luta ecológica da luta por justiça social e ser seduzida pelas novas ondas do eco-liberalismo, isto é, inserir a sua visão ecológica na sedutora rede do chamado “capitalismo verde”. A trajetória de Marina até estas eleições de 2014 superou as piores expectativas: ela se tornou, de fato, a nova criatura política do neoliberalismo cosmopolita e bem articulado de Fernando Henrique Cardoso.
Já na candidatura de 2010, como expõe Alfredo Sirkis, coordenador geral da candidatura de Marina, no livro “O efeito Marina” ( Editora Nova Fronteira), foi realizada em fevereiro de 2010 no apartamento de FHC em Higienópolis uma “reunião secreta” , nas próprias palavras do autor, com FHC e Serra para combinar um palanque duplo de Gabeira no Rio. A candidatura de Marina pelo PV já havia passado por um acordo com o presidente deste partido, fisiologicamente ligado ao governo do PSDB em São Paulo. De lá, Sirkis seguiu para combinar com Aécio Neves o acordo do PV com o PSDB em Minas.
O “rabo preso” de Marina com o PSDB ficaria nítido no segundo turno das eleições de 2010, quando Marina optou por se abster do confronto entre Dilma e Serra. Ali, como marcou memoravelmente a sagrada ira crítica de Leonardo Boff, Marina começou definitivamente a separar o programa ecológico da luta dos trabalhadores e oprimidos brasileiros contra o neoliberalismo.
A sua participação nestas eleições de 2014 completa o ciclo de mudanças de Marina. Após o trágico acidente que vitimou Eduardo Campos, Marina já se apresenta como aquela que vai reunir a “nova elite”, isto é, que vai salvar não o Brasil como afirma mas o neoliberalismo brasileiro de sua derrota política estrondosa e final.
Como um Aécio que está dando certo, Marina tem na liderança de Fernando Henrique Cardoso o seu novo epicentro político. Sem este epicentro, o folego político de Marina seria muito curto. Mas é preciso demonstrar esta convergência entre a evangélica de posicionamentos fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita.
Estratégia, linguagem e nova articulação política
O primeiro modo de documentar a organicidade da práxis de Marina nestas eleições em relação a FHC é refletir sobre a sua estratégia política. O seu posicionamento de oposição frontal ao governo de Dilma Rousseff poderia ser combinado com uma delimitação clara com a base política histórica e social do PSDB, estabelecendo as suas críticas fundamentais ao ciclo FHC, se quisesse de fato construir uma “terceira via”. É o contrário do que fez: adotou a narrativa que pretende estabelecer o mérito histórico de FHC em conquistar a estabilidade econômica do país como Lula cumpriu a grande meta da inclusão social, exatamente a mesma narrativa assumida antes por Aécio Neves. Isto é, desfazer o abismo entre a impopularidade de FHC e a popularidade de Lula, o sentido classista antagônico dramático dos dois governos, apenas para melhor disputar por dentro a base social em ascensão econômica e de acesso a direitos e que forma a maioria do eleitorado brasileiro.
Ao elogiar FHC e não entrar em choque frontal com a liderança política de Lula, Marina pretende combinar dois objetivos: tornar-se orgânica em relação as forcas políticas e econômicas do neoliberalismo e , ao mesmo tempo, cultivar a base social que já construiu a consciência democrática de seu antagonismo com os tempos de FHC. Mais do que Aécio, por todo seu simbolismo, ela está muito mais bem posicionada para cumprir esta estratégia.
Ora, esta estratégia – a de formar uma base social ampla do anti-petismo e capitalizar uma dinâmica de “mutirão das oposições” contra Dilma – foi exatamente formulada por FHC. E, neste sentido, a nova Marina é a criatura que melhor encarna esta estratégia.
O segundo modo de comprovar a identidade de Marina com FHC é registrar a fonte de sua linguagem. Se a linguagem encena a política – com suas agendas, seu vocabulário, seus argumentos - , não há hoje na fala pública de Marina nada que não possa ser identificado ou assimilado pela linguagem de FHC, que formou o ideário cosmopolita do neoliberalismo brasileiro. Não há classes e interesses sociais em disputa mas “elites”.
Seus novos “heróis ecológicos” são empresários ou herdeiros ou associados a grandes banqueiros nacionais e internacionais. As promessas de políticas sociais serão melhor cumpridas com um programa econômico neoliberal. O Brasil deve mudar sua política externa, voltando ao eixo americanista. O estado será diminuído e será mais eficiente ao ser governado pelos “melhores”.
E, ao mesmo tempo, cenho franzido, voz indignada, dedo em riste acusador para falar do governo Dilma e do PT. A °nova política” expulsará os corruptos! A Petrobrás virou um antro de corrupção e tem uma gestão catastrófica. A inflação está fora do controle e disparada! O “Mais Médicos “ foi um paliativo. A política de partilha do pré-sal deve ser revista para modelo de concessão. O número de ministérios será diminuído!
Erra Aécio Neves quando diz que o programa de Marina é um plágio do seu. É mais grave: ele tem a mesma fonte de inspiração, ou seja, o paradigma político de FHC. Em resumo: a nova linguagem de Marina se faz com a gramática e o dicionário de FHC. Mesmo o tema da participação social no governo pode ser assimilado pelos argumentos do papel protagonista da “sociedade civil”, das ONGs , do “terceiro setor”, do governo em rede etc.
Há uma terceira linha de organicidade nova de Marina em relação a rede de articuladores liderada por FHC. Há aí um novo pragmatismo político da política de convicções fundamentalistas no plano moral e novos atores que estão indo ao centro em substituição aos amadores da Rede ou dos quadros históricos mais a esquerda do PSB, como Luiza Erundina ou Roberto Amaral.
Se FHC foi, desde a origem, a grande referencia programática do PSDB, ele nunca fez politica “de partido”. Primeiro, jogou-se no grande mundo oposicionista do PMDB. Depois, já no início do PSDB, só não entrou no governo Collor devido a cerrada oposição de Covas, como já está documentado. Foi a partir de dentro do governo Itamar, que armou a estratégia do Real e da candidatura a presidência. No governo, cooptou na direita do espectro político e na esquerda.
Na oposição aos governos Lula e Dilma, sempre trabalhou em rede: além do trio PSDB, PPS, PFL/DEM , articula um setor oposicionista dentro do PMDB (Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos etc), do PDT ( os senadores Cristóvão Buarque e Tasques), do PSB (os deputados federais Beto Albuquerque e Júlio Delgado etc), do PTB, do PV. Esta rede oposicionista em parte já convergiu e está convergindo cada vez mais para Marina. Seus novos articuladores políticos já falam na intimidade com Serra, Alckmin e com os núcleos dirigentes dos políticos conservadores brasileiros.
A “nova elite” em formação – o marinato –, na verdade, é composta centralmente de personagens políticos da intimidade ou da relação com FHC.
Neoliberalismo selvagem e visão de mundo
A quarta dimensão que escancara a configuração da nova Marina como criatura política de FHC é a sua adesão sem limites a um relançamento do programa neoliberal, em bases ainda mais selvagens do aquele cumprido nos anos FHC. A proposta de “autonomia do Banco Central”, na verdade, um atentado ao poder do presidente soberanamente eleito de dirigir a economia do país em detrimento do poder dos grandes banqueiros, é um símbolo e uma direção. Esta radicalização do programa neoliberal está bem documentada em atas dos seminários do Instituto FHC realizados nos últimos anos.
Um novo encaixe de um Brasil neoliberal na fase extremamente regressiva hoje vivida pelo capitalismo internacional, certamente duplicará seus efeitos sociais perversos. E uma nova rodada de assalto, concebido como definitivo, ao patrimônio público – privatização por dentro da Petrobrás, revisão do regime de partilha do pré-sal , privatização por dentro do Banco do Brasil e da Caixa Econômica como já foi anunciado, desmontagem do BNDES – certamente viria com uma eventual eleição de Marina.
O Banco Itaú, da nova amiga de confiança de Marina, a agora famosa Neca, que lhe abriu a coordenação do programa e da arrecadação financeira, foi sempre intimamente vinculado a FHC. Os dois personagens até agora mandatados por Marina para a área econômica – Eduardo Gianetti e André Lara Resende – compuseram o governo FHC em cargos muito importantes. O primeiro foi secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior, órgão diretamente vinculado à presidência. O segundo foi diretor do Banco Central e, depois, presidente do BNDES no segundo governo FHC por um período de alguns meses em 1998, tendo que deixar o cargo após o chamado escândalo dos grampos da privatização das telecomunicações.
Os dois são personagens tidos como brilhantes no grande pequeno mundo neoliberal: um economista filósofo de quinta categoria que chegou ao disparate de afirmar que a escola econômica desenvolvimentista da Unicamp é “filhote da ditadura” e de propor, como está documentado no livro “O que os economistas pensam sobre a sustentabilidade”, organizado por Ricardo Arnt, que os precos do leite e da carne deviam ser aumentados por motivos ecológicos, isto é, para se reduzir o tamanho do rebanho bovino cujos gases impactam a camada de ozônio; o segundo é um rentista especulador, fundador do Banco Matrix, gestor no Brasil do dinheiro de grandes bancos estrangeiros e de fundos de investimento internacionais, um milionário que tem como esporte carros de corrida e cavalos de raça.
Mas há uma quinta convergência entre esta política de preconceitos morais fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita que é preciso esclarecer mais. Há mais do que funcionalidade recíproca entre Marina e FHC: uma criatura que encarna com mais dinamismo e eficácia o “tsunami anti-petista” vocalizado por Aécio mas dirigido por FHC e o interlocutor que lhe abre o caminho real da bolsa, do poder e da mídia empresarial.
Fernando Henrique Cardoso já manifestou várias vezes a sua avaliação positiva das seitas evangélicas no Brasil: elas , retomando de modo superficial um tema clássico de Max Weber, ao retirar o sentido cristão católico negativo atribuído ao dinheiro e ao enriquecimento, seriam vetores culturais de afirmação de valores saudáveis do capitalismo. Ora, esta que faz o elogio da “boa consciência” dos milionários é facilmente assimilada por este que sempre, contra a tradição varguista, desenvolvimentista e agora petista , faz a defesa ideológica do casamento da democracia liberal com o mercado.
A “nova “ Marina e a velha ordem neoliberal
Marina constituiu sua primeira identidade pública, por um longo período, no campo da esquerda brasileira. Isto a diferencia de Collor e de Jânio Quadros que, apenas em um primeiro momento, contou com a simpatia do antigo PSB. Não se trata, pois, de um caso de simulacro, de um personagem que faz de conta ser o que não é.
Houve uma ruptura política profunda e há uma “nova” Marina Silva. O conceito clássico para designar esta passagem, esta transformação, em que uma liderança de fora da ordem dominante é tragada por esta ordem em busca de uma relegitimação política , é o de transformismo, operado por Gramsci para entender a política italiana.
Toda a virulência da operação transformista de Marina – como um sintoma – veio a tona em sua afirmação durante o debate entre os candidatos presidenciais na Rede Bandeirantes de que Chico Mendes, assim como o empresário dono da Natura, Guilherme Leal e a herdeira Banco Itaú, são parte da elite.
Há certas afirmações que denunciam quem as faz. Chico Mendes não é mais para Marina um seringueiro, um sindicalista, um socialista e um grande mártir da luta ecológica dos brasileiros contra os poderes predatórios do capitalismo. Marina só é capaz de dizer isto porque agora já se sente e deseja, com toda a força de sua personalidade, ser parte da elite.
Aliás, o termo “elite” tem uma famosa genealogia na ciência política. A chamada “teoria das elites” foi formulada por italianos ultra-conservadores, que depois aderiram ao fascismo de Mussolini, como uma resposta ao princípio da soberania popular na virada do século XIX para XX. O par de “elite” é exatamente “massa”, indicando a incapacidade permanente de formas de auto-governo. No liberalismo conservador contemporâneo, ao qual Marina está aderindo, o termo elite designa a teoria do chamado “elitismo democrático”, isto é, uma democracia que é na verdade governada pelas “elites”.
Trinta dias atrás FHC prognosticou a vitória provável de Aécio nestas eleições presidenciais. Os seus grandes erros na política sempre decorreram de se conceber como parte da elite, por um viés elitista desprezar a consciência politica em formação do povo brasileiro. Agora, sua aposta será cada vez mais na vitória provável de Marina nestas eleições.
Mas a nova Marina não é um mito mas uma mistificação. O resultado destas eleições dependera de nossa capacidade em construir junto com a consciência democrática, republicana e socialista do povo brasileiro – esta que Chico Mendes deu a vida para formar – a convicção de que a nova Marina é apenas a nova criatura do velho neoliberalismo de FHC.
Antes de Marina Silva deixar o segundo governo Lula e o PT, Hamilton Pereira eu escrevemos uma carta aberta a ela dirigida com o nome “Em favor das razões de Marina”, publicada no site da Fundação Perseu Abramo. Nela, após anotar os avanços já conquistados no campo ecológico durante os governos Lula (redução drástica do desmatamento da Amazonia, nova regulação inclusive com a introdução do critério ambiental no financiamento dos bancos públicos, grande extensão das áreas ecologicamente preservadas, presença de liderança nos fóruns internacionais de políticas contra o aquecimento global), reconhecíamos que a agenda ecológica ainda não havia ido ao centro da cultura da esquerda brasileira e do próprio governo. Marina tinha ainda um grande trabalho a cumprir neste sentido.
Mas nesta mesma carta, alertávamos para dois grandes riscos corridos por Marina: o de separar dramaticamente a luta ecológica da luta por justiça social e ser seduzida pelas novas ondas do eco-liberalismo, isto é, inserir a sua visão ecológica na sedutora rede do chamado “capitalismo verde”. A trajetória de Marina até estas eleições de 2014 superou as piores expectativas: ela se tornou, de fato, a nova criatura política do neoliberalismo cosmopolita e bem articulado de Fernando Henrique Cardoso.
Já na candidatura de 2010, como expõe Alfredo Sirkis, coordenador geral da candidatura de Marina, no livro “O efeito Marina” ( Editora Nova Fronteira), foi realizada em fevereiro de 2010 no apartamento de FHC em Higienópolis uma “reunião secreta” , nas próprias palavras do autor, com FHC e Serra para combinar um palanque duplo de Gabeira no Rio. A candidatura de Marina pelo PV já havia passado por um acordo com o presidente deste partido, fisiologicamente ligado ao governo do PSDB em São Paulo. De lá, Sirkis seguiu para combinar com Aécio Neves o acordo do PV com o PSDB em Minas.
O “rabo preso” de Marina com o PSDB ficaria nítido no segundo turno das eleições de 2010, quando Marina optou por se abster do confronto entre Dilma e Serra. Ali, como marcou memoravelmente a sagrada ira crítica de Leonardo Boff, Marina começou definitivamente a separar o programa ecológico da luta dos trabalhadores e oprimidos brasileiros contra o neoliberalismo.
A sua participação nestas eleições de 2014 completa o ciclo de mudanças de Marina. Após o trágico acidente que vitimou Eduardo Campos, Marina já se apresenta como aquela que vai reunir a “nova elite”, isto é, que vai salvar não o Brasil como afirma mas o neoliberalismo brasileiro de sua derrota política estrondosa e final.
Como um Aécio que está dando certo, Marina tem na liderança de Fernando Henrique Cardoso o seu novo epicentro político. Sem este epicentro, o folego político de Marina seria muito curto. Mas é preciso demonstrar esta convergência entre a evangélica de posicionamentos fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita.
Estratégia, linguagem e nova articulação política
O primeiro modo de documentar a organicidade da práxis de Marina nestas eleições em relação a FHC é refletir sobre a sua estratégia política. O seu posicionamento de oposição frontal ao governo de Dilma Rousseff poderia ser combinado com uma delimitação clara com a base política histórica e social do PSDB, estabelecendo as suas críticas fundamentais ao ciclo FHC, se quisesse de fato construir uma “terceira via”. É o contrário do que fez: adotou a narrativa que pretende estabelecer o mérito histórico de FHC em conquistar a estabilidade econômica do país como Lula cumpriu a grande meta da inclusão social, exatamente a mesma narrativa assumida antes por Aécio Neves. Isto é, desfazer o abismo entre a impopularidade de FHC e a popularidade de Lula, o sentido classista antagônico dramático dos dois governos, apenas para melhor disputar por dentro a base social em ascensão econômica e de acesso a direitos e que forma a maioria do eleitorado brasileiro.
Ao elogiar FHC e não entrar em choque frontal com a liderança política de Lula, Marina pretende combinar dois objetivos: tornar-se orgânica em relação as forcas políticas e econômicas do neoliberalismo e , ao mesmo tempo, cultivar a base social que já construiu a consciência democrática de seu antagonismo com os tempos de FHC. Mais do que Aécio, por todo seu simbolismo, ela está muito mais bem posicionada para cumprir esta estratégia.
Ora, esta estratégia – a de formar uma base social ampla do anti-petismo e capitalizar uma dinâmica de “mutirão das oposições” contra Dilma – foi exatamente formulada por FHC. E, neste sentido, a nova Marina é a criatura que melhor encarna esta estratégia.
O segundo modo de comprovar a identidade de Marina com FHC é registrar a fonte de sua linguagem. Se a linguagem encena a política – com suas agendas, seu vocabulário, seus argumentos - , não há hoje na fala pública de Marina nada que não possa ser identificado ou assimilado pela linguagem de FHC, que formou o ideário cosmopolita do neoliberalismo brasileiro. Não há classes e interesses sociais em disputa mas “elites”.
Seus novos “heróis ecológicos” são empresários ou herdeiros ou associados a grandes banqueiros nacionais e internacionais. As promessas de políticas sociais serão melhor cumpridas com um programa econômico neoliberal. O Brasil deve mudar sua política externa, voltando ao eixo americanista. O estado será diminuído e será mais eficiente ao ser governado pelos “melhores”.
E, ao mesmo tempo, cenho franzido, voz indignada, dedo em riste acusador para falar do governo Dilma e do PT. A °nova política” expulsará os corruptos! A Petrobrás virou um antro de corrupção e tem uma gestão catastrófica. A inflação está fora do controle e disparada! O “Mais Médicos “ foi um paliativo. A política de partilha do pré-sal deve ser revista para modelo de concessão. O número de ministérios será diminuído!
Erra Aécio Neves quando diz que o programa de Marina é um plágio do seu. É mais grave: ele tem a mesma fonte de inspiração, ou seja, o paradigma político de FHC. Em resumo: a nova linguagem de Marina se faz com a gramática e o dicionário de FHC. Mesmo o tema da participação social no governo pode ser assimilado pelos argumentos do papel protagonista da “sociedade civil”, das ONGs , do “terceiro setor”, do governo em rede etc.
Há uma terceira linha de organicidade nova de Marina em relação a rede de articuladores liderada por FHC. Há aí um novo pragmatismo político da política de convicções fundamentalistas no plano moral e novos atores que estão indo ao centro em substituição aos amadores da Rede ou dos quadros históricos mais a esquerda do PSB, como Luiza Erundina ou Roberto Amaral.
Se FHC foi, desde a origem, a grande referencia programática do PSDB, ele nunca fez politica “de partido”. Primeiro, jogou-se no grande mundo oposicionista do PMDB. Depois, já no início do PSDB, só não entrou no governo Collor devido a cerrada oposição de Covas, como já está documentado. Foi a partir de dentro do governo Itamar, que armou a estratégia do Real e da candidatura a presidência. No governo, cooptou na direita do espectro político e na esquerda.
Na oposição aos governos Lula e Dilma, sempre trabalhou em rede: além do trio PSDB, PPS, PFL/DEM , articula um setor oposicionista dentro do PMDB (Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos etc), do PDT ( os senadores Cristóvão Buarque e Tasques), do PSB (os deputados federais Beto Albuquerque e Júlio Delgado etc), do PTB, do PV. Esta rede oposicionista em parte já convergiu e está convergindo cada vez mais para Marina. Seus novos articuladores políticos já falam na intimidade com Serra, Alckmin e com os núcleos dirigentes dos políticos conservadores brasileiros.
A “nova elite” em formação – o marinato –, na verdade, é composta centralmente de personagens políticos da intimidade ou da relação com FHC.
Neoliberalismo selvagem e visão de mundo
A quarta dimensão que escancara a configuração da nova Marina como criatura política de FHC é a sua adesão sem limites a um relançamento do programa neoliberal, em bases ainda mais selvagens do aquele cumprido nos anos FHC. A proposta de “autonomia do Banco Central”, na verdade, um atentado ao poder do presidente soberanamente eleito de dirigir a economia do país em detrimento do poder dos grandes banqueiros, é um símbolo e uma direção. Esta radicalização do programa neoliberal está bem documentada em atas dos seminários do Instituto FHC realizados nos últimos anos.
Um novo encaixe de um Brasil neoliberal na fase extremamente regressiva hoje vivida pelo capitalismo internacional, certamente duplicará seus efeitos sociais perversos. E uma nova rodada de assalto, concebido como definitivo, ao patrimônio público – privatização por dentro da Petrobrás, revisão do regime de partilha do pré-sal , privatização por dentro do Banco do Brasil e da Caixa Econômica como já foi anunciado, desmontagem do BNDES – certamente viria com uma eventual eleição de Marina.
O Banco Itaú, da nova amiga de confiança de Marina, a agora famosa Neca, que lhe abriu a coordenação do programa e da arrecadação financeira, foi sempre intimamente vinculado a FHC. Os dois personagens até agora mandatados por Marina para a área econômica – Eduardo Gianetti e André Lara Resende – compuseram o governo FHC em cargos muito importantes. O primeiro foi secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior, órgão diretamente vinculado à presidência. O segundo foi diretor do Banco Central e, depois, presidente do BNDES no segundo governo FHC por um período de alguns meses em 1998, tendo que deixar o cargo após o chamado escândalo dos grampos da privatização das telecomunicações.
Os dois são personagens tidos como brilhantes no grande pequeno mundo neoliberal: um economista filósofo de quinta categoria que chegou ao disparate de afirmar que a escola econômica desenvolvimentista da Unicamp é “filhote da ditadura” e de propor, como está documentado no livro “O que os economistas pensam sobre a sustentabilidade”, organizado por Ricardo Arnt, que os precos do leite e da carne deviam ser aumentados por motivos ecológicos, isto é, para se reduzir o tamanho do rebanho bovino cujos gases impactam a camada de ozônio; o segundo é um rentista especulador, fundador do Banco Matrix, gestor no Brasil do dinheiro de grandes bancos estrangeiros e de fundos de investimento internacionais, um milionário que tem como esporte carros de corrida e cavalos de raça.
Mas há uma quinta convergência entre esta política de preconceitos morais fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita que é preciso esclarecer mais. Há mais do que funcionalidade recíproca entre Marina e FHC: uma criatura que encarna com mais dinamismo e eficácia o “tsunami anti-petista” vocalizado por Aécio mas dirigido por FHC e o interlocutor que lhe abre o caminho real da bolsa, do poder e da mídia empresarial.
Fernando Henrique Cardoso já manifestou várias vezes a sua avaliação positiva das seitas evangélicas no Brasil: elas , retomando de modo superficial um tema clássico de Max Weber, ao retirar o sentido cristão católico negativo atribuído ao dinheiro e ao enriquecimento, seriam vetores culturais de afirmação de valores saudáveis do capitalismo. Ora, esta que faz o elogio da “boa consciência” dos milionários é facilmente assimilada por este que sempre, contra a tradição varguista, desenvolvimentista e agora petista , faz a defesa ideológica do casamento da democracia liberal com o mercado.
A “nova “ Marina e a velha ordem neoliberal
Marina constituiu sua primeira identidade pública, por um longo período, no campo da esquerda brasileira. Isto a diferencia de Collor e de Jânio Quadros que, apenas em um primeiro momento, contou com a simpatia do antigo PSB. Não se trata, pois, de um caso de simulacro, de um personagem que faz de conta ser o que não é.
Houve uma ruptura política profunda e há uma “nova” Marina Silva. O conceito clássico para designar esta passagem, esta transformação, em que uma liderança de fora da ordem dominante é tragada por esta ordem em busca de uma relegitimação política , é o de transformismo, operado por Gramsci para entender a política italiana.
Toda a virulência da operação transformista de Marina – como um sintoma – veio a tona em sua afirmação durante o debate entre os candidatos presidenciais na Rede Bandeirantes de que Chico Mendes, assim como o empresário dono da Natura, Guilherme Leal e a herdeira Banco Itaú, são parte da elite.
Há certas afirmações que denunciam quem as faz. Chico Mendes não é mais para Marina um seringueiro, um sindicalista, um socialista e um grande mártir da luta ecológica dos brasileiros contra os poderes predatórios do capitalismo. Marina só é capaz de dizer isto porque agora já se sente e deseja, com toda a força de sua personalidade, ser parte da elite.
Aliás, o termo “elite” tem uma famosa genealogia na ciência política. A chamada “teoria das elites” foi formulada por italianos ultra-conservadores, que depois aderiram ao fascismo de Mussolini, como uma resposta ao princípio da soberania popular na virada do século XIX para XX. O par de “elite” é exatamente “massa”, indicando a incapacidade permanente de formas de auto-governo. No liberalismo conservador contemporâneo, ao qual Marina está aderindo, o termo elite designa a teoria do chamado “elitismo democrático”, isto é, uma democracia que é na verdade governada pelas “elites”.
Trinta dias atrás FHC prognosticou a vitória provável de Aécio nestas eleições presidenciais. Os seus grandes erros na política sempre decorreram de se conceber como parte da elite, por um viés elitista desprezar a consciência politica em formação do povo brasileiro. Agora, sua aposta será cada vez mais na vitória provável de Marina nestas eleições.
Mas a nova Marina não é um mito mas uma mistificação. O resultado destas eleições dependera de nossa capacidade em construir junto com a consciência democrática, republicana e socialista do povo brasileiro – esta que Chico Mendes deu a vida para formar – a convicção de que a nova Marina é apenas a nova criatura do velho neoliberalismo de FHC.
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