Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual:
Não, cara leitora, caro leitor: não é o passado de Marina que é o desastre. Pelo contrário, Marina Silva tem um passado louvável de luta ambientalista. Além disso, tem o direito de se candidatar ao que quiser e como quiser. Mas há um “outro passado” que está se grudando nela, e este “outro passado” é que é o desastre. Pior: é um desastre que aponta para o futuro.
Marina diz que vai governar “para além das alianças”, ou algo assim. Ninguém sabe o que isto quer dizer exatamente – exceto que isto é uma retórica impossível de ser cumprida, a menos que ela queira passar por cima das instituições da República, o que, sinceramente, duvido. Fatalmente haverá alianças.
A própria candidatura de Marina é fruto de uma aliança: a sua com Eduardo Campos. Depois da trágica morte deste, Marina herdou as alianças da candidatura dele. E estas iam na direção do que na Europa se chama a candidatura business friendly, e que pode ser traduzida livremente na nossa língua por “amigo do mercado” – não o das pulgas, muito menos o público –, mas o financeiro.
Temos assim a peculiar situação em que o mercado financeiro e o mundo rentista têm dois candidatos preferenciais: Marina e Aécio. O pêndulo do relógio está pendendo mais para ela do que para ele. A corte a Aécio está virando um cortejo fúnebre, e os sinais da extrema-unção que se avizinha foram a especulação no jornal Valor de que ele poderia jogar a toalha ainda no primeiro turno (seria a crônica de um suicídio anunciado, logo desmentida) em favor de Marina, e o anúncio, por parte do coordenador de sua campanha, senador Agripino Maia, do DEM, de que já estava preparando o apoio a ela no segundo turno.
Bom, não se pode negar que a perspectiva de um segundo turno disputado entre duas ex-ministras do ex-presidente Lula não deixa de ser um avanço histórico, relegando o PSDB neste momento aos arquivos da história, no plano da eleição federal. Porém, falta combinar esta irrelevância com o próprio PSDB e com seu eterno aliado, o finado PFL, hoje DEM. Como Marina teria de governar com apoios, ou se apoiando em alguém, pois seus partidos (tanto o PSB quanto a possivelmente futura Rede) não têm quadros suficientes para governar sozinhos (aliás, ninguém tem), apesar dos operosos Gianetti da Fonseca e Lara Resende, além de outros anexos, teriam de recorrer ao empréstimo de quadros (mais do que alianças). E PSDB e DEM já estão afiando tudo – a faca, os dentes, as unhas – para cortar neste queijo algumas generosas fatias.
Portanto, o que se projeta para o futuro de um possível governo Marina contém uma razoável dose de esperança – por quem defenda este tipo de política – de retorno sim ao passado e de muitos de seus espectros: orgia do mundo do mercado financeiro no tal do “Banco Central Independente”, contenção do salário mínimo e do poder aquisitivo da maioria da população (inclusive de parte considerável da classe média que apoia hoje Marina ou Aécio), desarticulação ou redução (até a inércia) da política de transferência de renda para os mais pobres, desossamento de políticas como a do Prouni ou do Ciência sem Fronteiras, talvez também do Mais Médicos, cortes nos subsídios a setores fragilizados da economia, ao custo da energia, reserva do pré-sal para tempos futuros quando a Petrobras já esteja privatizada e transformada em Petrobrax, e ainda de quebra o reatrelamento preferencial da política externa brasileira aos interesses recessivos e depressivos dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão. Em suma, uma orgia de passado a entrevar nosso futuro.
Há um problema neste quadro de festividades para a direita e de funeral para o futuro do país: falta combinar este programa – realmente previsto para ser executado pela direita que hoje absorve a figura de Marina, a ponto de transformar-lhe o gestuário e a mudar propostas, como no caso do casamento gay – com o próprio país que pretende governar. É claro que este receituário da direita segue a norma neoliberal de que o propósito de um governo deve ser o de semear o caos e a catástrofe, garantindo privilégios e administrando a contenção de direitos da cidadania, para depois administrar este caos e esta catástrofe. O percalço neste caminho é que o Brasil tornou-se complexo demais para uma tal visão simplista da sua realidade.
Por exemplo: reduzir o poder aquisitivo da população em nome de uma hipotética “contenção da inflação” através de uma política de reelevação dos juros e de depreciação dos salários pode semear sim o caos e a catástrofe. Mas talvez não do modo como estas elites almejem e sim na direção de uma crise de representatividade institucional de consequências imprevisíveis. Ademais, esta política estaria roubando ao nosso país a possibilidade de um belo futuro, num momento em que nos bastidores das retóricas até a poderosa Alemanha aborrece do mundo atrelado ao dólar e cogita, na surdina, uma aproximação com o projetado banco alternativo dos Brics.
Mas deste futuro trataremos mais tarde. A análise do passado que quer retornar através de Marina Silva já vai longa. Até breve.
Marina diz que vai governar “para além das alianças”, ou algo assim. Ninguém sabe o que isto quer dizer exatamente – exceto que isto é uma retórica impossível de ser cumprida, a menos que ela queira passar por cima das instituições da República, o que, sinceramente, duvido. Fatalmente haverá alianças.
A própria candidatura de Marina é fruto de uma aliança: a sua com Eduardo Campos. Depois da trágica morte deste, Marina herdou as alianças da candidatura dele. E estas iam na direção do que na Europa se chama a candidatura business friendly, e que pode ser traduzida livremente na nossa língua por “amigo do mercado” – não o das pulgas, muito menos o público –, mas o financeiro.
Temos assim a peculiar situação em que o mercado financeiro e o mundo rentista têm dois candidatos preferenciais: Marina e Aécio. O pêndulo do relógio está pendendo mais para ela do que para ele. A corte a Aécio está virando um cortejo fúnebre, e os sinais da extrema-unção que se avizinha foram a especulação no jornal Valor de que ele poderia jogar a toalha ainda no primeiro turno (seria a crônica de um suicídio anunciado, logo desmentida) em favor de Marina, e o anúncio, por parte do coordenador de sua campanha, senador Agripino Maia, do DEM, de que já estava preparando o apoio a ela no segundo turno.
Bom, não se pode negar que a perspectiva de um segundo turno disputado entre duas ex-ministras do ex-presidente Lula não deixa de ser um avanço histórico, relegando o PSDB neste momento aos arquivos da história, no plano da eleição federal. Porém, falta combinar esta irrelevância com o próprio PSDB e com seu eterno aliado, o finado PFL, hoje DEM. Como Marina teria de governar com apoios, ou se apoiando em alguém, pois seus partidos (tanto o PSB quanto a possivelmente futura Rede) não têm quadros suficientes para governar sozinhos (aliás, ninguém tem), apesar dos operosos Gianetti da Fonseca e Lara Resende, além de outros anexos, teriam de recorrer ao empréstimo de quadros (mais do que alianças). E PSDB e DEM já estão afiando tudo – a faca, os dentes, as unhas – para cortar neste queijo algumas generosas fatias.
Portanto, o que se projeta para o futuro de um possível governo Marina contém uma razoável dose de esperança – por quem defenda este tipo de política – de retorno sim ao passado e de muitos de seus espectros: orgia do mundo do mercado financeiro no tal do “Banco Central Independente”, contenção do salário mínimo e do poder aquisitivo da maioria da população (inclusive de parte considerável da classe média que apoia hoje Marina ou Aécio), desarticulação ou redução (até a inércia) da política de transferência de renda para os mais pobres, desossamento de políticas como a do Prouni ou do Ciência sem Fronteiras, talvez também do Mais Médicos, cortes nos subsídios a setores fragilizados da economia, ao custo da energia, reserva do pré-sal para tempos futuros quando a Petrobras já esteja privatizada e transformada em Petrobrax, e ainda de quebra o reatrelamento preferencial da política externa brasileira aos interesses recessivos e depressivos dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão. Em suma, uma orgia de passado a entrevar nosso futuro.
Há um problema neste quadro de festividades para a direita e de funeral para o futuro do país: falta combinar este programa – realmente previsto para ser executado pela direita que hoje absorve a figura de Marina, a ponto de transformar-lhe o gestuário e a mudar propostas, como no caso do casamento gay – com o próprio país que pretende governar. É claro que este receituário da direita segue a norma neoliberal de que o propósito de um governo deve ser o de semear o caos e a catástrofe, garantindo privilégios e administrando a contenção de direitos da cidadania, para depois administrar este caos e esta catástrofe. O percalço neste caminho é que o Brasil tornou-se complexo demais para uma tal visão simplista da sua realidade.
Por exemplo: reduzir o poder aquisitivo da população em nome de uma hipotética “contenção da inflação” através de uma política de reelevação dos juros e de depreciação dos salários pode semear sim o caos e a catástrofe. Mas talvez não do modo como estas elites almejem e sim na direção de uma crise de representatividade institucional de consequências imprevisíveis. Ademais, esta política estaria roubando ao nosso país a possibilidade de um belo futuro, num momento em que nos bastidores das retóricas até a poderosa Alemanha aborrece do mundo atrelado ao dólar e cogita, na surdina, uma aproximação com o projetado banco alternativo dos Brics.
Mas deste futuro trataremos mais tarde. A análise do passado que quer retornar através de Marina Silva já vai longa. Até breve.
1 comentários:
Trata-se de introduzir no Brasil a Primavera Árabe. Será a Primavera da América Latina. Insurreição, caos, imperialismo dando as cartas...
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