Por Breno Altman, em seu blog:
A mídia tradicional dormiu e amanheceu, após a apresentação oficial da nova equipe econômica, em saliente regojizo.
A formalização de que o economista Joaquim Levy será o novo ministro da Fazenda foi recebida como se tivesse sido instituído um regime parlamentarista.
A presidente Dilma Rousseff, reeleita chefe de Estado, estaria obrigada a manter suas mãos esquerdistas fora dos assuntos econômicos.
A partir de agora, se o PT quiser paz e o retorno aos tempos de prosperidade, quem manda é o homem da gravata azul.
Ladeado por Alexandre Tombini e Nelson Barbosa, que estarão respectivamente encarregados de comandar o Banco Central e a pasta do Planejamento, Joaquim Levy deu seu recado em coletiva de imprensa.
Foi respeitoso com o atual titular da Fazenda, Guido Mantega, mas não dirigiu uma só palavra de agradecimento à presidente da República por tê-lo nomeado a tão importante cargo.
Muito menos fez os tradicionais votos de disciplina, próprios ao presidencialismo, através dos quais um alto funcionário assume obediência devida ao programa de governo escolhido pela soberania popular e ao supremo mandatário que o representa.
O ex-diretor do Bradesco não anunciou medidas concretas. A prudência exige que se aguarde este momento antes de qualquer conclusão mais profunda sobre o rumo que pretende imprimir.
Mas seu discurso pré-posse, lido perante os jornalistas, foi cheio de conteúdo.
O tema fundamental foi geração de superávit primário. Sob tal princípio reitor, ainda que gradualmente dominante, a pedra de toque da gestão econômica passaria a ser o enxugamento de despesas.
Aluno aplicado da escola monetarista, Levy retirou da gaveta, cheirando à naftalina, o velho roteiro da economia liberal.
A questão primordial está na captação dos fluxos de investimento.
Para esse propósito, o governo precisa oferecer atrativos irrecusáveis (taxa elevada de juros, desregulamentação, concessões e privatizações, baixos custos comparativos) e segurança fazendária, demarcada pela produção progressiva de caixa.
O mercado faria o resto.
O capital, seduzido por vantagens e garantias, traria embutida a perspectiva de aceleração do crescimento e até de melhorias sociais.
Os povos estão cansados de ver como termina este filme, com a riqueza social tungada pelos fundos financeiros privados, exacerbando desigualdades e concentrando a renda, colocando de joelhos Estados estropiados e nações empobrecidas.
O Brasil foi escapando deste cenário nos últimos doze anos, forjando um novo modelo de desenvolvimento, ainda instável e precário, alicerçado na ampliação do mercado interno de massas e na inclusão social.
As principais ferramentas para este processo – por exemplo, os programas sociais, a expansão das obras públicas e o aumento do salario mínimo – foram construídas fundamentalmente pelo reordenamento e a majoração dos gastos governamentais.
O ritmo de implementação desde modelo avançou quando a administração federal teve empenho, condições econômicas e força política para reduzir a renda financeira do capital, baixando a taxa real de juros, e se apropriar desta poupança para fortalecer políticas distributivistas.
A aposta desta via de desenvolvimento, adotada com mais vigor a partir do segundo mandato de Lula, era que a pujança do mercado interno, animado pela ação do Estado, impulsionava o crescimento e aumentava as receitas tributárias.
Além de recuperar a capacidade de investimento estatal, criava-se ambiente favorável também aos investimentos privados produtivos, estimulados pela mescla entre incorporação de novos consumidores e modernização da infraestrutura.
A crise econômica internacional afetou esta construção, reduzindo mercados e investimentos.
A expansão da capacidade popular de consumo, em ritmo superior à criação de oferta, desacelerada pela carência relativa de investimentos, pressionou a inflação.
A resposta do governo, acossado pelos oráculos do mercado, foi o aumento paulatino dos juros para conter a demanda. De março de 2013 a outubro de 2014, a Selic pulou de 7,25% para 11,25% ao ano.
Cresceu a renda financeira das vinte mil famílias que controlam 70% dos títulos da dívida interna. Mas deterioraram-se as contas públicas: quatro pontos a mais de juros significam despesa anual extra ao redor de R$ 120 bilhões.
O Tesouro também se complicou por uma série de desonerações favoráveis às empresas, que as ajudaram a recompor sua margem de lucro, mas sem maiores resultados sobre a taxa de investimento e crescimento.
Aliás, com juros reais de 5% ao ano, descontada a inflação, em um mundo no qual a remuneração do dinheiro está próxima de zero, fica difícil convencer o capital a sair dos bancos e fluir para o risco da produção.
Estabeleceu-se, assim, o consenso sobre a necessidade de um ajuste fiscal, ao mesmo tempo em que fomentou o conflito acerca de como fazê-lo.
Na lógica do projeto social-desenvolvimentista, o impasse deveria ser resolvido pelo primado do crescimento da economia.
O aprofundamento desse modelo dependeria de instrumentos que desonerassem o Estado e os grupos privados de seus custos financeiros, baixando juros, recompondo capacidade e apetite para investimentos. Também exigiria, a médio prazo, alívio tributário dos assalariados e aumento da contribuição prestada pelos extratos mais ricos.
A intervenção de Joaquim Levy, porém, trouxe velhas ideias de volta ao comando.
A retração dos gastos públicos, mantidos os juros altos, em uma situação mundial de debilidade comercial, equivale a uma estratégia que mantém a receita usurária dos mais ricos às custas da ocupação e do provento dos mais pobres.
Não é à toa que as palavras desenvolvimento, emprego e salário sequer foram citadas em seu discurso.
Tampouco se referenciou na inclusão social e na distribuição de renda como mecanismos fundamentais da economia, propulsores do ciclo comandado pelo governo do qual passará a ser empregado.
Ainda por cima, deu-se ao direito de provocar o petismo, quando tratou de incluir Fernando Henrique Cardoso no mesmo período de progresso que Lula e Dilma, ao falar da “consolidação dos avanços sociais, econômicos e institucionais realizados nos últimos vinte anos”.
A seu favor, poderá ser dito que se comprometeu com uma espécie de arrocho suave, por estabelecer uma meta menor que a de seu futuro antecessor para o superávit primário de 2015.
Como a Constituição ainda está vigente, o ministro da Fazenda presta contas à presidente e pode ser colocado na rua com uma canetada.
Que não se tenha ilusões, contudo. No afã de romper o cerco da direita e apaziguar as relações com o mercado, o governo parece ter convidado o inimigo para dormir dentro de casa.
A mídia tradicional dormiu e amanheceu, após a apresentação oficial da nova equipe econômica, em saliente regojizo.
A formalização de que o economista Joaquim Levy será o novo ministro da Fazenda foi recebida como se tivesse sido instituído um regime parlamentarista.
A presidente Dilma Rousseff, reeleita chefe de Estado, estaria obrigada a manter suas mãos esquerdistas fora dos assuntos econômicos.
A partir de agora, se o PT quiser paz e o retorno aos tempos de prosperidade, quem manda é o homem da gravata azul.
Ladeado por Alexandre Tombini e Nelson Barbosa, que estarão respectivamente encarregados de comandar o Banco Central e a pasta do Planejamento, Joaquim Levy deu seu recado em coletiva de imprensa.
Foi respeitoso com o atual titular da Fazenda, Guido Mantega, mas não dirigiu uma só palavra de agradecimento à presidente da República por tê-lo nomeado a tão importante cargo.
Muito menos fez os tradicionais votos de disciplina, próprios ao presidencialismo, através dos quais um alto funcionário assume obediência devida ao programa de governo escolhido pela soberania popular e ao supremo mandatário que o representa.
O ex-diretor do Bradesco não anunciou medidas concretas. A prudência exige que se aguarde este momento antes de qualquer conclusão mais profunda sobre o rumo que pretende imprimir.
Mas seu discurso pré-posse, lido perante os jornalistas, foi cheio de conteúdo.
O tema fundamental foi geração de superávit primário. Sob tal princípio reitor, ainda que gradualmente dominante, a pedra de toque da gestão econômica passaria a ser o enxugamento de despesas.
Aluno aplicado da escola monetarista, Levy retirou da gaveta, cheirando à naftalina, o velho roteiro da economia liberal.
A questão primordial está na captação dos fluxos de investimento.
Para esse propósito, o governo precisa oferecer atrativos irrecusáveis (taxa elevada de juros, desregulamentação, concessões e privatizações, baixos custos comparativos) e segurança fazendária, demarcada pela produção progressiva de caixa.
O mercado faria o resto.
O capital, seduzido por vantagens e garantias, traria embutida a perspectiva de aceleração do crescimento e até de melhorias sociais.
Os povos estão cansados de ver como termina este filme, com a riqueza social tungada pelos fundos financeiros privados, exacerbando desigualdades e concentrando a renda, colocando de joelhos Estados estropiados e nações empobrecidas.
O Brasil foi escapando deste cenário nos últimos doze anos, forjando um novo modelo de desenvolvimento, ainda instável e precário, alicerçado na ampliação do mercado interno de massas e na inclusão social.
As principais ferramentas para este processo – por exemplo, os programas sociais, a expansão das obras públicas e o aumento do salario mínimo – foram construídas fundamentalmente pelo reordenamento e a majoração dos gastos governamentais.
O ritmo de implementação desde modelo avançou quando a administração federal teve empenho, condições econômicas e força política para reduzir a renda financeira do capital, baixando a taxa real de juros, e se apropriar desta poupança para fortalecer políticas distributivistas.
A aposta desta via de desenvolvimento, adotada com mais vigor a partir do segundo mandato de Lula, era que a pujança do mercado interno, animado pela ação do Estado, impulsionava o crescimento e aumentava as receitas tributárias.
Além de recuperar a capacidade de investimento estatal, criava-se ambiente favorável também aos investimentos privados produtivos, estimulados pela mescla entre incorporação de novos consumidores e modernização da infraestrutura.
A crise econômica internacional afetou esta construção, reduzindo mercados e investimentos.
A expansão da capacidade popular de consumo, em ritmo superior à criação de oferta, desacelerada pela carência relativa de investimentos, pressionou a inflação.
A resposta do governo, acossado pelos oráculos do mercado, foi o aumento paulatino dos juros para conter a demanda. De março de 2013 a outubro de 2014, a Selic pulou de 7,25% para 11,25% ao ano.
Cresceu a renda financeira das vinte mil famílias que controlam 70% dos títulos da dívida interna. Mas deterioraram-se as contas públicas: quatro pontos a mais de juros significam despesa anual extra ao redor de R$ 120 bilhões.
O Tesouro também se complicou por uma série de desonerações favoráveis às empresas, que as ajudaram a recompor sua margem de lucro, mas sem maiores resultados sobre a taxa de investimento e crescimento.
Aliás, com juros reais de 5% ao ano, descontada a inflação, em um mundo no qual a remuneração do dinheiro está próxima de zero, fica difícil convencer o capital a sair dos bancos e fluir para o risco da produção.
Estabeleceu-se, assim, o consenso sobre a necessidade de um ajuste fiscal, ao mesmo tempo em que fomentou o conflito acerca de como fazê-lo.
Na lógica do projeto social-desenvolvimentista, o impasse deveria ser resolvido pelo primado do crescimento da economia.
O aprofundamento desse modelo dependeria de instrumentos que desonerassem o Estado e os grupos privados de seus custos financeiros, baixando juros, recompondo capacidade e apetite para investimentos. Também exigiria, a médio prazo, alívio tributário dos assalariados e aumento da contribuição prestada pelos extratos mais ricos.
A intervenção de Joaquim Levy, porém, trouxe velhas ideias de volta ao comando.
A retração dos gastos públicos, mantidos os juros altos, em uma situação mundial de debilidade comercial, equivale a uma estratégia que mantém a receita usurária dos mais ricos às custas da ocupação e do provento dos mais pobres.
Não é à toa que as palavras desenvolvimento, emprego e salário sequer foram citadas em seu discurso.
Tampouco se referenciou na inclusão social e na distribuição de renda como mecanismos fundamentais da economia, propulsores do ciclo comandado pelo governo do qual passará a ser empregado.
Ainda por cima, deu-se ao direito de provocar o petismo, quando tratou de incluir Fernando Henrique Cardoso no mesmo período de progresso que Lula e Dilma, ao falar da “consolidação dos avanços sociais, econômicos e institucionais realizados nos últimos vinte anos”.
A seu favor, poderá ser dito que se comprometeu com uma espécie de arrocho suave, por estabelecer uma meta menor que a de seu futuro antecessor para o superávit primário de 2015.
Como a Constituição ainda está vigente, o ministro da Fazenda presta contas à presidente e pode ser colocado na rua com uma canetada.
Que não se tenha ilusões, contudo. No afã de romper o cerco da direita e apaziguar as relações com o mercado, o governo parece ter convidado o inimigo para dormir dentro de casa.
2 comentários:
Na década de 50 um professor de ginásio nos contava a seguinte história de futebol: o Santos recebera orientação de jogar para frente. Mas,durante um jogo, Pelé atrasou duas vezes para o goleiro, sob protesto de um parceiro menos brilhante. Resposta do Pelé: tem momento em que a única jogada inteligente é recuar. Acho que a Dilma é o nosso Pelé, e tomara que mais uma vez esteja com a razão.
Desejamos que seja um recuo tático. Um passo atrás, dois passos à frente.
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