Desde que o mundo é mundo, prever o futuro tem sido um desafio constante. Da cigana que lê a mão aos videntes e futurólogos de todos as matizes, ainda não se conheceu ninguém que fosse capaz de predizê-lo regularmente e com precisão. Seria absurdo, portanto, esperar que os “analistas” políticos que proliferam na mídia formassem um gênero diferenciado e mais eficaz de pitonisas. Eles sempre erram, e isso qualquer observador do mundo político que se preze sabe. Mas, convenhamos, suas bolas de cristal talvez poucas vezes estiveram tão ativas como agora.
Na verdade eles tentam fazer luz sobre os pontos obscuros da campanha golpista que ganhou intensidade nos últimos dias. Seguindo o velho manual da direita, a explicação básica é a necessidade de tirar o Brasil da “beira do abismo”, o clássico lugar-comum que no caso concreto tem a denominação de antipetismo, uma calculada mistificação e manobra política para aterrorizar e ludibriar a população. Essa falsa imagem, contudo, tem um objetivo nada imaginário.
Componentes de fora
O Brasil não está à beira de nenhum abismo. Pelo contrário; marcha para frente, um pouco aos trancos e barrancos, à boa maneira brasileira, buscando seu próprio caminho de desenvolvimento progressista e independente. Só pessoas completamente analfabetas em assuntos políticos — para não dizer sociológicos — acreditam nesse engodo. E o golpismo, inspirado, ditado, determinado e teleguiado por forças também nada imaginárias, vem, ele sim, se convertendo em perigo muito real e muito presente. Querem, tão somente, se instalar no poder com suas armas e bagagens.
A montagem da peça golpista tem componentes de fora, com sinais emitidos longe daqui, e vem sendo comandada por especialistas e peritos — muitos, como os grupos midiáticos, com aexpertise do golpe de 1964 —, uma operação meticulosa de preparação psicológica. A técnica da mistificação, “cientificamente” planejada, explora a fundo o ódio ao “petismo” — corruptela que expressa toda a gama de pensamento e ações que se opõem ao ideário da direita —, lucrativa indústria para alguns e preconceito incutido à força de repetição para outros.
Esse espectro “petista”, que há muito tempo vem sendo agitado sobre as cabeças desprevenidas e que há mais de uma década se transformou em realidade concreta, é o alvo das marchas da família com Deus (heresia das heresias) e os tucanos. A campanha, funcionando a todo vapor e abundantemente lubrificada com a bufunfa dos ditos bem-nascidos, prega o rótulo de “petista” em tudo o que cheira, de longe ou de perto, a ideias, opiniões, proposições, medidas, projetos, programas, reivindicações de caráter progressista.
Fariseus da politicagem
O epíteto aparece em todos os comentários da direita sobre o que pretende tocar, mesmo que de leve e de forma moderada, nos aspectos mais atrasados e nos conteúdos mais obsoletos das estruturas econômicas e sociais do país. A obseção antipetista, calculadamente dosada, empesteia o ar, disseminando pavor e terrorismo, contaminando até mentes equilibradas. Nos bastidores do medonho espetáculo, os conspiradores golpistas friamente dão os retoques à empulhação, ensaiando o coro comandado pela malta de mercenários: petismo, petismo, petismo...
Sem dúvida, muita gente de boa fé está se deixando influenciar pela onda publicitária, caindo no conto do vigário. Mas o que ninguém poderá negar, honestamente, é que nunca houve no Brasil governos que assegurassem ao povo em geral maior soma, nas condições brasileiras, de direitos democráticos como nesta era “petista”. Nenhuma perseguição arbitrária ou processo por motivos políticos, nenhuma restrição ilegal à liberdade de crítica. E ninguém pode esquecer até que ponto chegaou a virulência da mídia nesse período.
Na verdade, os fariseus da politicagem sentem horror à movimentação das massas populares. Estão, à sua lógica, com razão: a atividade política do povo é um fenômeno saudável e fecundo, sinal de vitalidade e vigor do processo de avanço, ampliação e aprimoramento das instituições democráticas. Para eles, democracia é o seu direito de manter a imensa maioria da sociedade na passividade e no conformismo, na convivência social à base do “sim-senhor”. Ou seja: o oposto de qualquer regime democrático medianamente decente.
Sacudir pelas entranhas
Dizem também que o “petismo” quer implantar uma “ditadura comunista”, a base da argumentação golpista para justificar a repugnante campanha contra a “corrupção” que teria se infiltrado por todos os poros do governo. Quando se analisa os autos, contudo, o que se vê são fatos que desmentem a falácia de cabo a rabo. E chega-se facilmente à conclusão de que a argumentação da direita é um mostrengo sem pé nem cabeça, histórias de bicho-papão, lobisomem, assombração e outras tenebrosas patranhas para enganar a legião de incautos e ignorantes — que ainda é grande neste velho mundo.
Sem máscara, os golpistas mostram sua brutal nudez. Seus objetivos reais consistem unicamente em interromper o ciclo de desenvolvimento e de crescente democratização da vida política e social do país. Eis porque se define, cientificamente, a direita brasileira como gente reacionária e antinacional. “Os déspotas sempre foram ilusionistas”, dizia o escritor russo Anton Pavlovitch Tchekhov.
Essas coisas são duras de dizer, mas devem ser ditas e repetidas. É preciso sacudir pelas entranhas os cegos que não querem ver e os surdos que não querem ouvir. Entre outras razões porque o Brasil não pode se transformar em um país de mudos, como pretende a direita com a monopolização da comunicação. Não tem outro sentido o terrorismo organizado contra a inteligência brasileira. O terror midiático é hoje o mais escandaloso dos escândalos. Ele se traduz no cerceamento ao debate, à controvérsia, à palavra de discordância, à opinião pública.
Consciência popular
Os golpistas e seus mentores (e motores) enfeitam-se, mascaram-se e se auto-proclamam os guardiões da moralidade porque sabem que o povo brasileiro, acompanhando a maioria dos povos da Terra, atingiu um certo grau de consciência democrática e de arraigado apego às liberdades constitucionais. Necessitam, por isso, enganar a opinião pública com a falácia do caos e da deterioração da democracia, agitando freneticamente o perigo da “ditadura petista”.
A essência de tudo está em que as ideias, quando apoderadas pelas massas, se transformam em força — segundo o pensamento de Karl Marx. Com suas manobras e mistificações publicitárias, os golpistas dão a oportunidade aos que olham a realidade com lentes argutas de comprovar na prática o pensamento marxista de que a força das armas da direita não é suficientemente forte para enfrentar e derrubar a força das ideias ancoradas na consciência popular.
Daí a tática da tergiversação, da mistificação, da confusão, que tem sido a tônica ideológica da direita. Pretendem com isso amortecer, desfigurar, desnaturar a autenticidade das ideias democráticas e libertárias que favorecem o curso do processo dos avanços sociais. A força só é realmente fecunda quando posta a serviço de ideias progressistas e generosas, a serviço dos interesses gerais da nação. Aí ela é concretamente emanada do povo. A força pela força não resolve nada; é mero instrumento de opressão e despotismo, que só se mantém à base da mentira e da hipocrisia.
Pouca imaginação
De resto, o cinismo da direita hoje é o mesmo de sempre. Basta recordar que igual mistificação se fez no Brasil durante a campanha abolicionista. Já em 1871, durante os debates do Projeto de Lei do ventre-livre, o gabinete conservador do Visconde do Rio Branco foi acusado, em pleno parlamento, de “governo comunista, governo do morticínio e do roubo”. Em 1884, o governo Souza Dantas, que apresentara à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei dos sexagenários, elaborado pelo então deputado Rui Barbosa, foi também chamado de “comunista”.
O deputado Souza Carvalho, defensor radical dos interesses escravistas, disse que o governo era cúmplice de “manifestações subversivas”. O Projeto, segundo ele, não passava de “pretexto para agitação, revolução e subversão social” e para “lisonjear os anarquistas e gritadores das ruas”, favorecendo “as passeatas incendiárias e demonstrações estrondosas”, permitindo “certa associação comunista” que promovia “ruidosa agitação contra uma propriedade legal, em edifícios públicos, no seio de uma escola superior”. Referia-se às manifestações organizadas pela Confederação Abolicionista e pelo Centro Abolicionista da Escola Politécnica.
Esses exemplos demonstram que a direita tem pouca imaginação, repetindo sempre as mesmas táticas e práticas. Foi assim também no golpe do Estado Novo em 1937 com o “Plano Cohen”, no governo do general Eurico Gaspar Dutra com a cassação do registro e dos mandatos do Partido Comunista do Brasil, no segundo governo de Getúlio Vargas, na conspiração fascista contra o governo João Goulart que resultou no golpe militar de 1964 e nos ataques incessantes ao governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
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