Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
O último Dia de Finados foi fúnebre para a Rede Globo. O Jornal Nacional e a novela das 9 foram batidos de uma só vez, e de ponta a ponta, nas três principais capitais, São Paulo, Rio e Belo Horizonte. A inédita surra foi aplicada por outra novela.
Graças aos ares de superprodução (custou mais de 100 milhões de reais), ao fastio do público com o telejornal global e ao avanço do conservadorismo igrejeiro no País, Os Dez Mandamentos virou campeã de audiência na telinha de Edir Macedo. Pode ser somente um incômodo passageiro para a Vênus Platinada, como aconteceu durante a exibição de Pantanal em 1990. Mas a maré não anda promissora para os negócios da família Marinho.
A Globo assiste a uma tentativa de Record, SBT e RedeTV! enveredarem por um setor que, por via direta e indireta, é território dela. As três rivais uniram-se para montar uma nova empresa que venderá conjuntamente seu conteúdo às operadoras comercializadoras de pacotes de canais fechados, como Net e Sky.
Hoje o trio não recebe nada para estar nos pacotes, ao contrário da Globo. A empresa, por ora chamada Newco, também negociará a venda de espaço publicitário na tevê fechada em nome dos sócios. E, no futuro, poderá produzir programas ou um novo canal para oferecer às operadoras, ou ao Netflix.
Com a joint venture, Edir Macedo, da Record, Silvio Santos, do SBT, e Amilcare Dallevo Júnior, da RedeTV!, sonham em abocanhar nacos de um mercado em expansão que em 2014 faturou 30 bilhões de reais com assinantes e 2 bilhões de reais com propaganda.
Os empresários sentem-se prejudicados na disputa por receitas com suas atividades normais na televisão aberta. Acham que a Globo arrecada mais verba publicitária (uns 75% do total) do que a audiência global justifica (uns 55%). Daí a aposta em outra seara.
O plano detonou uma guerra do trio com as operadoras e suspeitas de mão invisível da Globo por trás das cortinas. O palco da batalha é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o órgão federal antitruste.
A proposta de criação da Newco foi submetida ao Cade para exame de seus impactos concorrenciais. O projeto foi enviado ao órgão em julho, dias antes de Silvio Santos e Edir Macedo evidenciarem a parceria com um encontro no Templo de Salomão, do dono da Record, em São Paulo.
No início de outubro, o superintendente-geral-adjunto do Conselho, Diogo Thomson de Andrade, deu aval à joint venture, sob protestos das operadoras. Ele acatou o relatório da área técnica do Cade. Entre outras coisas, o texto diz que o fato de ser a Globo a única a cobrar para estar nos pacotes fechados “pode causar uma distorção no mercado de emissoras de tevê”.
As operadoras espernearam e convenceram o Cade a rever o assunto. Por enquanto, não há prazo para uma decisão final, agora a cargo da conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt. O governo logo se meterá no assunto, já que a conselheira pediu ao Ministério das Comunicações que se pronuncie.
O processo causa agitação desde as primeiras horas. Alguns dias após o Conselho receber a proposta de constituição da Newco, a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (Abta) e a Sky, segunda maior operadora do País, correram ao Cade.
Queriam participar do processo como parte interessada, uma condição que lhes permitiria apresentar informações e argumentos ao Conselho, obviamente contrários à joint venture. A Sky chegou a pedir a suspensão total da análise da proposta, até certas premissas serem esclarecidas. O Cade aceitou incluir a Abta e a Sky no processo e examinar o tema por mais tempo. Mas sem brecar o processo.
As operadoras alegam de modo geral que terão perdas caso vingue a sociedade entre Record, SBT e RedeTV!. Se essas cobrarem algum pagamento para liberar a inserção de seus canais nos pacotes fechados, haveria aumento de custo que teria de ser repassado aos assinantes. Será que o preço da tevê por assinatura é alto porque as operadoras já pagam à Globo? Há quem diga que a família Marinho recebe das operadoras uns 30 reais por assinante.
A Abta aponta ainda efeitos no mercado publicitário decorrentes da Newco que deveriam ser levados em conta pelo Cade. Para a entidade, a união das três emissoras abertas lhes daria força para barganhar uma fatia das verbas de publicidade e para valorizar o trio perante os anunciantes.
A troca de farpas dá o tom na papelada enviada ao Cade pelos envolvidos. A defesa da Abta acusa a Newco de tentar “induzir a Superintendência-Geral a erro” com certas informações. Para os advogados da Newco, seriam as operadoras a “querer ocultar da SG” que a joint venture fará algo já em vigor na tevê paga.
Mais: eles apontaram um “movimento coletivo orquestrado” das operadoras para prejudicar a Record, o SBT e a RedeTV!. Quem seria o regente da orquestra? “Vale mencionar que a Globo, principal concorrente das requerentes (sócias da Newco), exerce influência inquestionável sobre essas empresas (operadoras)”, alegam os advogados.
Não é somente por esse tipo de menção que a Globo é protagonista no processo. A emissora é parte para lá de interessada, mesmo sem ter entrado diretamente no caso. No Brasil, a venda de pacotes de tevê fechada é dominada por um duopólio. Dos 20 milhões de assinantes, 53% pertencem à Net e 30%, à Sky.
A família Marinho tem um pé nas duas canoas. Possui 7% da Sky e, por meio de uma empresa controlada, a EGP, 2,8% da Net. São participações pequenas, mas um acordo de acionistas garante poderes especiais à emissora. Na Sky, ela precisa ser consultada sobre nomear ou destituir o presidente. Na Net, tem poder de veto em alguns investimentos e contratos.
A Vênus Platinada também reina no fornecimento de conteúdo às operadoras de tevê fechada, como se pode ver na documentação no Cade. Com a Globosat Comercialização, batizada oficialmente de G2C, a emissora oferece 39 canais para inclusão nos pacotes, o maior leque de opções da América Latina.
E é líder de audiência, com 46%, graças aos canais negociados pela Globosat. Juntos, Record, SBT e RedeTV! mordem 17% da audiência entre os clientes de tevê por assinatura.
Hoje, as emissoras de sinal aberto estão obrigatoriamente nos pacotes de canais negociados pelas operadoras de tevê fechada. Não pode haver cobrança de um adicional dos clientes por isso, nem as emissoras abertas precisam pagar pela inserção. São determinações da Lei da TV Paga, a 12.485, de 2011.
Os dispositivos nasceram da pressão dos canais abertos, temerosos de que a nova lei levasse a uma explosão de clientes de tevê fechada e à queda da audiência das emissoras tradicionais. Desde 2010, dobrou a quantidade de assinantes no País, embora o ritmo de crescimento seja declinante.
Para botar a Newco em pé, os advogados de Record, SBT e RedeTV! alegam que a obrigatoriedade de veiculação do conteúdo delas nos pacotes fechados logo acabará, situação que abriria caminho à livre negociação. Será, afirmam, uma decorrência da digitalização do sinal das emissoras de tevê aberta. A obrigatoriedade atual está atrelada ao sinal analógico, fadado a desaparecer em breve.
Pelo calendário definido pelas autoridades em Brasília, a digitalização começa em abril de 2016 e termina no fim de 2018, com um teste piloto previsto para este mês, na cidade de Rio Verde, em Goiás. O cronograma ainda pode mudar.
Pressões das emissoras de sinal aberto não faltam. Elas não sabem quantos brasileiros estão aptos a captar sinal digital com tevês ou decodificadores e quantos ainda dependem das velhas e boas antenas analógicas. Um pesadelo para quem ganha dinheiro conforme o tamanho da plateia.
O fim da obrigatoriedade de inserção dos canais abertos nos pacotes fechados tende a dar mais poder negociador às operadoras de tevê por assinatura, conforme um parecer da LCA Consultores encomendado pelos sócios da Newco. Como existe o duopólio Net-Sky na venda de pacotes, juntos, Record, SBT e RedeTV! serão capazes de “atenuar o desequilíbrio na negociação”, diz o estudo.
E também que a criação da Newco tende a gerar ganhos de verba publicitária às três emissoras. O valor do anúncio na tevê fechada é mais caro, pois os assinantes costumam ter renda maior superior à média brasileira. Segundo o parecer, é o que talvez explique por que a Globo absorve mais de 70% do bolo publicitário, mesmo tendo audiência inferior.
A possibilidade de união das três emissoras para enfrentar a Globo na luta por dinheiro de publicidade na tevê aberta tem sido um dos maiores fantasmas na disputa no Cade. Em um parecer encomendado pela Abta, o ex-conselheiro do Cade Cleveland Prates aponta “fortes indícios” de que a joint venture aconteça, de sorte a sugerir a análise cuidadosa da hipótese por parte do Cade.
Na opinião de Prates, a Newco não será uma “joint venture clássica”, mas uma empresa destinada a aumentar o poder de barganha dos sócios. Em outras palavras, um ensaio de cartel. Na presença de tantos fantasmas, Record, SBT e RedeTV! toparam rever suas motivações para deixar claro: só atuarão juntas na publicidade em tevê fechada.
O último Dia de Finados foi fúnebre para a Rede Globo. O Jornal Nacional e a novela das 9 foram batidos de uma só vez, e de ponta a ponta, nas três principais capitais, São Paulo, Rio e Belo Horizonte. A inédita surra foi aplicada por outra novela.
Graças aos ares de superprodução (custou mais de 100 milhões de reais), ao fastio do público com o telejornal global e ao avanço do conservadorismo igrejeiro no País, Os Dez Mandamentos virou campeã de audiência na telinha de Edir Macedo. Pode ser somente um incômodo passageiro para a Vênus Platinada, como aconteceu durante a exibição de Pantanal em 1990. Mas a maré não anda promissora para os negócios da família Marinho.
A Globo assiste a uma tentativa de Record, SBT e RedeTV! enveredarem por um setor que, por via direta e indireta, é território dela. As três rivais uniram-se para montar uma nova empresa que venderá conjuntamente seu conteúdo às operadoras comercializadoras de pacotes de canais fechados, como Net e Sky.
Hoje o trio não recebe nada para estar nos pacotes, ao contrário da Globo. A empresa, por ora chamada Newco, também negociará a venda de espaço publicitário na tevê fechada em nome dos sócios. E, no futuro, poderá produzir programas ou um novo canal para oferecer às operadoras, ou ao Netflix.
Com a joint venture, Edir Macedo, da Record, Silvio Santos, do SBT, e Amilcare Dallevo Júnior, da RedeTV!, sonham em abocanhar nacos de um mercado em expansão que em 2014 faturou 30 bilhões de reais com assinantes e 2 bilhões de reais com propaganda.
Os empresários sentem-se prejudicados na disputa por receitas com suas atividades normais na televisão aberta. Acham que a Globo arrecada mais verba publicitária (uns 75% do total) do que a audiência global justifica (uns 55%). Daí a aposta em outra seara.
O plano detonou uma guerra do trio com as operadoras e suspeitas de mão invisível da Globo por trás das cortinas. O palco da batalha é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o órgão federal antitruste.
A proposta de criação da Newco foi submetida ao Cade para exame de seus impactos concorrenciais. O projeto foi enviado ao órgão em julho, dias antes de Silvio Santos e Edir Macedo evidenciarem a parceria com um encontro no Templo de Salomão, do dono da Record, em São Paulo.
No início de outubro, o superintendente-geral-adjunto do Conselho, Diogo Thomson de Andrade, deu aval à joint venture, sob protestos das operadoras. Ele acatou o relatório da área técnica do Cade. Entre outras coisas, o texto diz que o fato de ser a Globo a única a cobrar para estar nos pacotes fechados “pode causar uma distorção no mercado de emissoras de tevê”.
As operadoras espernearam e convenceram o Cade a rever o assunto. Por enquanto, não há prazo para uma decisão final, agora a cargo da conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt. O governo logo se meterá no assunto, já que a conselheira pediu ao Ministério das Comunicações que se pronuncie.
O processo causa agitação desde as primeiras horas. Alguns dias após o Conselho receber a proposta de constituição da Newco, a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (Abta) e a Sky, segunda maior operadora do País, correram ao Cade.
Queriam participar do processo como parte interessada, uma condição que lhes permitiria apresentar informações e argumentos ao Conselho, obviamente contrários à joint venture. A Sky chegou a pedir a suspensão total da análise da proposta, até certas premissas serem esclarecidas. O Cade aceitou incluir a Abta e a Sky no processo e examinar o tema por mais tempo. Mas sem brecar o processo.
As operadoras alegam de modo geral que terão perdas caso vingue a sociedade entre Record, SBT e RedeTV!. Se essas cobrarem algum pagamento para liberar a inserção de seus canais nos pacotes fechados, haveria aumento de custo que teria de ser repassado aos assinantes. Será que o preço da tevê por assinatura é alto porque as operadoras já pagam à Globo? Há quem diga que a família Marinho recebe das operadoras uns 30 reais por assinante.
A Abta aponta ainda efeitos no mercado publicitário decorrentes da Newco que deveriam ser levados em conta pelo Cade. Para a entidade, a união das três emissoras abertas lhes daria força para barganhar uma fatia das verbas de publicidade e para valorizar o trio perante os anunciantes.
A troca de farpas dá o tom na papelada enviada ao Cade pelos envolvidos. A defesa da Abta acusa a Newco de tentar “induzir a Superintendência-Geral a erro” com certas informações. Para os advogados da Newco, seriam as operadoras a “querer ocultar da SG” que a joint venture fará algo já em vigor na tevê paga.
Mais: eles apontaram um “movimento coletivo orquestrado” das operadoras para prejudicar a Record, o SBT e a RedeTV!. Quem seria o regente da orquestra? “Vale mencionar que a Globo, principal concorrente das requerentes (sócias da Newco), exerce influência inquestionável sobre essas empresas (operadoras)”, alegam os advogados.
Não é somente por esse tipo de menção que a Globo é protagonista no processo. A emissora é parte para lá de interessada, mesmo sem ter entrado diretamente no caso. No Brasil, a venda de pacotes de tevê fechada é dominada por um duopólio. Dos 20 milhões de assinantes, 53% pertencem à Net e 30%, à Sky.
A família Marinho tem um pé nas duas canoas. Possui 7% da Sky e, por meio de uma empresa controlada, a EGP, 2,8% da Net. São participações pequenas, mas um acordo de acionistas garante poderes especiais à emissora. Na Sky, ela precisa ser consultada sobre nomear ou destituir o presidente. Na Net, tem poder de veto em alguns investimentos e contratos.
A Vênus Platinada também reina no fornecimento de conteúdo às operadoras de tevê fechada, como se pode ver na documentação no Cade. Com a Globosat Comercialização, batizada oficialmente de G2C, a emissora oferece 39 canais para inclusão nos pacotes, o maior leque de opções da América Latina.
E é líder de audiência, com 46%, graças aos canais negociados pela Globosat. Juntos, Record, SBT e RedeTV! mordem 17% da audiência entre os clientes de tevê por assinatura.
Hoje, as emissoras de sinal aberto estão obrigatoriamente nos pacotes de canais negociados pelas operadoras de tevê fechada. Não pode haver cobrança de um adicional dos clientes por isso, nem as emissoras abertas precisam pagar pela inserção. São determinações da Lei da TV Paga, a 12.485, de 2011.
Os dispositivos nasceram da pressão dos canais abertos, temerosos de que a nova lei levasse a uma explosão de clientes de tevê fechada e à queda da audiência das emissoras tradicionais. Desde 2010, dobrou a quantidade de assinantes no País, embora o ritmo de crescimento seja declinante.
Para botar a Newco em pé, os advogados de Record, SBT e RedeTV! alegam que a obrigatoriedade de veiculação do conteúdo delas nos pacotes fechados logo acabará, situação que abriria caminho à livre negociação. Será, afirmam, uma decorrência da digitalização do sinal das emissoras de tevê aberta. A obrigatoriedade atual está atrelada ao sinal analógico, fadado a desaparecer em breve.
Pelo calendário definido pelas autoridades em Brasília, a digitalização começa em abril de 2016 e termina no fim de 2018, com um teste piloto previsto para este mês, na cidade de Rio Verde, em Goiás. O cronograma ainda pode mudar.
Pressões das emissoras de sinal aberto não faltam. Elas não sabem quantos brasileiros estão aptos a captar sinal digital com tevês ou decodificadores e quantos ainda dependem das velhas e boas antenas analógicas. Um pesadelo para quem ganha dinheiro conforme o tamanho da plateia.
O fim da obrigatoriedade de inserção dos canais abertos nos pacotes fechados tende a dar mais poder negociador às operadoras de tevê por assinatura, conforme um parecer da LCA Consultores encomendado pelos sócios da Newco. Como existe o duopólio Net-Sky na venda de pacotes, juntos, Record, SBT e RedeTV! serão capazes de “atenuar o desequilíbrio na negociação”, diz o estudo.
E também que a criação da Newco tende a gerar ganhos de verba publicitária às três emissoras. O valor do anúncio na tevê fechada é mais caro, pois os assinantes costumam ter renda maior superior à média brasileira. Segundo o parecer, é o que talvez explique por que a Globo absorve mais de 70% do bolo publicitário, mesmo tendo audiência inferior.
A possibilidade de união das três emissoras para enfrentar a Globo na luta por dinheiro de publicidade na tevê aberta tem sido um dos maiores fantasmas na disputa no Cade. Em um parecer encomendado pela Abta, o ex-conselheiro do Cade Cleveland Prates aponta “fortes indícios” de que a joint venture aconteça, de sorte a sugerir a análise cuidadosa da hipótese por parte do Cade.
Na opinião de Prates, a Newco não será uma “joint venture clássica”, mas uma empresa destinada a aumentar o poder de barganha dos sócios. Em outras palavras, um ensaio de cartel. Na presença de tantos fantasmas, Record, SBT e RedeTV! toparam rever suas motivações para deixar claro: só atuarão juntas na publicidade em tevê fechada.
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