Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Ainda não inventaram nada melhor que a imprensa para garantir a circulação da pluralidade de informações. Não se sabe de melhor insumo para a vida social autônoma que a capacidade de agir de forma consciente e bem informada. O direito à informação livre é uma conquista e expressão das sociedades democráticas.
Este é o lado panglossiano e otimista da liberdade de imprensa. Mas também há a manifestação cheia de contradições na realidade da indústria da informação. A liberdade de imprensa é traduzida como liberdade de empresa; a liberdade de informar é por vezes tomada como liberdade de ofender; a capacidade de cobrar retratações, em casos de mentiras e injúrias, é sempre desproporcional.
Nos últimos dias, em momentos quase simultâneos, a sociedade brasileira pôde comparar bem esses dois mundos. De um lado o festival de agressões à honra de Lula e de sua família e a estupidez dos comentários racistas nas redes sociais. De outro, a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei que regulamenta o direito de resposta; o anúncio do processo movido pelo ex-presidente contra a revista Veja; e o corajoso ato da atriz Taís Araújo em processar os autores de injúria racial, escondidos no anonimato covarde dessa fábrica (bilionária) de pequenas vaidades que é o Facebook.
Se a justiça comum tem seu rito próprio para fazer frente a danos morais, o Projeto de Lei recém aprovado define o caminho para cobrar a reparação pela ofensa ou mentira publicada nos meios de comunicação. Garantido na Constituição, esse direito, para ser exercido, precisava trilhar caminhos nos âmbitos penal e civil, sendo sempre empurrado para o esquecimento pela morosidade do processo. O que confirmava a lei da irrelevância: quanto mais distante o desmentido ou apresentação do contraditório, maior a perenidade do dano.
A nova legislação não traz constrangimento à liberdade de informar, apenas afirma o primado da responsabilidade. Nada está proibido, a não ser a mentira e as afrontas à honra. A partir da sanção, os prazos para recursos passam a ser mais rápidos e a reparação mais equânime. Se uma agressão à honra sai na capa de um jornal ou é proferida em um telejornal em horário nobre, a decisão judicial levará em conta as mesmas condições, espaço e tempo. Não vai mais adiantar publicar desmentidos miúdos e cifrados em rodapés ou entre cartas de leitores. Aliás, é bastante sintomático que as empresas julguem como plebeu o espaço conferido a seus leitores.
Os meios de comunicação no Brasil padecem de uma tripla arrogância: acham que são os donos da verdade, os proprietários da opinião pública e os detentores absolutos do julgamento sobre seus próprios erros. Assim, costumam se eximir de três valores básicos de seu mandato: a pluralidade, humildade e a responsabilidade. No caso específico da nova legislação, o que se aprovou foi a retirada dos próprios meios de comunicação do papel de julgar o que acham merecedor de reparação e a melhor forma de fazê-lo.
Os veículos e entidades empresariais chiaram. O que era esperado. E contra-atacaram com mentiras e meias-verdades, o que também não espanta. Disseram que já existem meios legais para exigir direito de resposta, sem explicar que podem demorar anos e custar caro ao injuriado (o que consagra o assassinato de reputação). Afirmaram ainda que se trata de uma forma de controle externo da mídia, sem aclarar que as decisões cumprem um trâmite legal e, portanto, só se submetem à lei, não aos caprichos das empresas, como ocorre hoje. E, ainda, que se trata de cerceamento da liberdade de opinião, quando na verdade se incentiva ao máximo a abertura prévia dos diferentes atores envolvidos.
A nova regra tem um caráter corretivo necessário e é bom que funcione com agilidade e equilíbrio. Será seu teste de realidade. Mas é, sobretudo, a apresentação de um novo horizonte de responsabilidade para quem lida com informação. No território defeso da mídia ainda persiste o abismo entre a força das pressões empresariais e a debilidade das garantias dos afetados pelas notícias falsas ou injuriosas. A nova lei é um corretivo para o sentimento de impotência que decorria dessa desproporção.
Se para as empresas o horizonte é de derrota, para os jornalistas não deixa de ser um estímulo para o exercício profissional legítimo. Se tudo funcionar bem, a notícia passa a mandar de novo no território que está ocupado por interesses e suas estratégias de moralização, entretenimento e engodo. Todo mundo vai ser obrigado a pensar bem antes de publicar algo. Não pode haver notícia melhor para o leitor.
Ainda não inventaram nada melhor que a imprensa para garantir a circulação da pluralidade de informações. Não se sabe de melhor insumo para a vida social autônoma que a capacidade de agir de forma consciente e bem informada. O direito à informação livre é uma conquista e expressão das sociedades democráticas.
Este é o lado panglossiano e otimista da liberdade de imprensa. Mas também há a manifestação cheia de contradições na realidade da indústria da informação. A liberdade de imprensa é traduzida como liberdade de empresa; a liberdade de informar é por vezes tomada como liberdade de ofender; a capacidade de cobrar retratações, em casos de mentiras e injúrias, é sempre desproporcional.
Nos últimos dias, em momentos quase simultâneos, a sociedade brasileira pôde comparar bem esses dois mundos. De um lado o festival de agressões à honra de Lula e de sua família e a estupidez dos comentários racistas nas redes sociais. De outro, a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei que regulamenta o direito de resposta; o anúncio do processo movido pelo ex-presidente contra a revista Veja; e o corajoso ato da atriz Taís Araújo em processar os autores de injúria racial, escondidos no anonimato covarde dessa fábrica (bilionária) de pequenas vaidades que é o Facebook.
Se a justiça comum tem seu rito próprio para fazer frente a danos morais, o Projeto de Lei recém aprovado define o caminho para cobrar a reparação pela ofensa ou mentira publicada nos meios de comunicação. Garantido na Constituição, esse direito, para ser exercido, precisava trilhar caminhos nos âmbitos penal e civil, sendo sempre empurrado para o esquecimento pela morosidade do processo. O que confirmava a lei da irrelevância: quanto mais distante o desmentido ou apresentação do contraditório, maior a perenidade do dano.
A nova legislação não traz constrangimento à liberdade de informar, apenas afirma o primado da responsabilidade. Nada está proibido, a não ser a mentira e as afrontas à honra. A partir da sanção, os prazos para recursos passam a ser mais rápidos e a reparação mais equânime. Se uma agressão à honra sai na capa de um jornal ou é proferida em um telejornal em horário nobre, a decisão judicial levará em conta as mesmas condições, espaço e tempo. Não vai mais adiantar publicar desmentidos miúdos e cifrados em rodapés ou entre cartas de leitores. Aliás, é bastante sintomático que as empresas julguem como plebeu o espaço conferido a seus leitores.
Os meios de comunicação no Brasil padecem de uma tripla arrogância: acham que são os donos da verdade, os proprietários da opinião pública e os detentores absolutos do julgamento sobre seus próprios erros. Assim, costumam se eximir de três valores básicos de seu mandato: a pluralidade, humildade e a responsabilidade. No caso específico da nova legislação, o que se aprovou foi a retirada dos próprios meios de comunicação do papel de julgar o que acham merecedor de reparação e a melhor forma de fazê-lo.
Os veículos e entidades empresariais chiaram. O que era esperado. E contra-atacaram com mentiras e meias-verdades, o que também não espanta. Disseram que já existem meios legais para exigir direito de resposta, sem explicar que podem demorar anos e custar caro ao injuriado (o que consagra o assassinato de reputação). Afirmaram ainda que se trata de uma forma de controle externo da mídia, sem aclarar que as decisões cumprem um trâmite legal e, portanto, só se submetem à lei, não aos caprichos das empresas, como ocorre hoje. E, ainda, que se trata de cerceamento da liberdade de opinião, quando na verdade se incentiva ao máximo a abertura prévia dos diferentes atores envolvidos.
A nova regra tem um caráter corretivo necessário e é bom que funcione com agilidade e equilíbrio. Será seu teste de realidade. Mas é, sobretudo, a apresentação de um novo horizonte de responsabilidade para quem lida com informação. No território defeso da mídia ainda persiste o abismo entre a força das pressões empresariais e a debilidade das garantias dos afetados pelas notícias falsas ou injuriosas. A nova lei é um corretivo para o sentimento de impotência que decorria dessa desproporção.
Se para as empresas o horizonte é de derrota, para os jornalistas não deixa de ser um estímulo para o exercício profissional legítimo. Se tudo funcionar bem, a notícia passa a mandar de novo no território que está ocupado por interesses e suas estratégias de moralização, entretenimento e engodo. Todo mundo vai ser obrigado a pensar bem antes de publicar algo. Não pode haver notícia melhor para o leitor.
1 comentários:
Direito de querer
A aprovação da Lei do Direito de Resposta é uma vitória da esquerda brasileira e do governo federal. O tão criticado veto de Dilma Rousseff constitui aspecto menor da medida e não prejudica a sua aplicação. Pode mesmo ter o efeito de viabilizá-la, por exemplo, em períodos eleitorais.
As fragilidades do projeto independem dessas minúcias. Desde os trâmites iniciais venho alertando para o incômodo componente subjetivo do texto, quiçá inevitável, que termina condicionando sua eficácia ao escrutínio dos nobres magistrados. Quando tais limites ficarem claros, todos perceberão que o tal veto fazia pouca diferença.
Imaginemos a manchete de um diário qualquer: “Segundo revista, delator diz que Lula roubou”. Se ficar provado que o informante não acusou Lula, o espírito da lei obrigaria o jornal a exibir uma correção em título do mesmo tamanho e na mesma página do primeiro. Afinal, ainda que a manchete fosse aparentemente verdadeira (a revista disse), ela ajudou a divulgar uma mentira danosa à imagem da vítima.
Mas dificilmente essa obviedade será reconhecida pelo Judiciário. Nas cortes partidarizadas, sob o peso do poder midiático, prevalecerá a tese de que o jornal apenas reportou um fato e não pode ser punido pelo erro alheio. Basta haver um panfleto fascista provendo os veículos de calúnias, e elas serão reproduzidas em seu nome.
Apesar da evidente contribuição para o amadurecimento da democracia, o Direito de Resposta é importante pela simbologia que carrega. Tira o campo jornalístico da torre de marfim supra-institucional e mostra que, pelo menos em tese, as empresas de comunicação estão sujeitas a algum controle da sociedade.
E, acima de tudo, coloca no centro das atenções os verdadeiros responsáveis pela impunidade da mídia criminosa.
http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com.br/
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