Por Raul Pont, no site Sul-21:
A grande mídia no Brasil substitui a cobertura dos fatos, dos acontecimentos, por versões do ocorrido. O que é secundário, pequeno ou irrelevante torna-se o principal, a grande manchete. O fato, propriamente dito, vai esmaecendo, uma bruma desce sobre a realidade e esta vai ficando obscura, difícil de entender e, em alguns casos, desaparece de cena.
A Operação Zelotes da Polícia Federal é um desses casos. A ação policial desvendou um grande foco de corrupção no Conselho Administrativo da Receita Federal (CARF), instancia de negociação administrativa de devedores e sonegadores que autuados pela Receita questionam suas dívidas antes de irem ao processo judicial.
Os números do CARF são surpreendentes. Mais de 100 mil processos num volume de recursos que ultrapassa os 500 bilhões de reais em impostos devidos e questionados.
Nesse universo a Operação Zelotes investiga em torno de 70 processos envolvendo valores na ordem de 20 bilhões de reais. Esse processo permitiu ao grande público tomar conhecimento desse órgão até então ignorado pelos brasileiros. Ficamos sabendo que o CARF é composto de 216 conselheiros, metade indicada pela Receita Federal e a outra pelos “contribuintes”, ou seja, pelas entidades empresariais. Os conselheiros não são remunerados. Trabalham “patrioticamente” de graça para serem mediadores de processos que envolvem centenas de milhões de reais. As indicações da Receita são de funcionários aposentados, ex-auditores.
A sistemática é simples. Empresas como a SGR Consultoria Empresarial, de um dos implicados, ex-conselheiro José Ricardo da Silva, são intermediárias no recebimento de propinas para aliciar e corromper conselheiros que ajudem a diminuir ou extinguir dívidas de sonegadores e devedores da Receita.
Os beneficiários são as grandes empresas, os bancos, que não pagam tributos devidos e vão discuti-los no CARF, com ou sem propina, na justiça ou em algum espaço que levem vantagem.
Entre as empresas gauchas envolvidas figuram a Gerdau e a RBS, como clientes milionários do lobista José Ricardo da Silva (SGR), ao qual pagaram milhões em propinas, conforme denúncia na Carta Capital n° 874 (4.11.2015).
Nessa primeira fase, a Operação Zelotes não fez sucesso junto aos meios de comunicação. Alguns rápidos e fugazes segundos na Globo, praticamente nada nas suas associadas.
Não houve prisões. Não há voluntários para delações premiadas. Não havia “políticos”, em especial petistas envolvidos. Enfim, um tema desinteressante para a Rede Globo. Era apenas a maior fraude tributária tornada pública no país e envolve grandes bancos, indústrias, empresas de serviço. Nada que interesse a mídia nacional.
Diante da CPI constituída na Câmara Federal, das matérias em órgãos como Carta Capital e da capilaridade das redes sociais, no final do ano de 2015, a Operação Zelotes é recuperada pela Rede Globo após profunda metamorfose.
Aí não se tratava de reconhecer a importância da Operação, o impressionante volume de recursos sonegados, mas de desviar o foco do principal: os privilégios e favorecimento a sonegadores e grandes devedores do fisco via corrupção.
A Operação Zelotes reapareceu na tela da Globo através de Bonner e Fernanda – simpáticos e serviçais âncoras da emissora – com novas descobertas.
A Operação Zelotes buscava agora um filão novo. Subornos para favorecer a setores da indústria automotiva, com renovação de Medidas Provisórias dos anos 90 que beneficiariam a Mitsubishi e o grupo CAOA, com intermediação de diretores da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotivos (ANFAVEA).
Esse conluio teria a participação de Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula e a empresa do diretor da ANFAVEA teria contratos com a empresa de marketing esportivo de Cláudio da Silva, filho de Lula.
Acenderam-se os holofotes. A Operação Zelotes encontrou seu novo rumo. Deixou-se de lado a corrupção bilionária envolvendo grandes grupos econômicos, bancos, empresas de comunicação, para trilhar o novo esporte nacional: acusar, caluniar, falsear qualquer coisa, desde que atinja Lula, o PT e o governo Dilma.
Uma lei, uma Medida Provisória, é um processo lento, público, acompanhado e votado por 513 deputados e 81 senadores, sob a lupa e os holofotes de mídia e de dezenas de partidos. Onde o crime? Os prazos não combinavam. As vantagens alegadas não estavam na legislação. Não interessa. Foram mais algumas semanas de exposição contra Lula e Dilma, de pura suspeição, preconceito e calúnia.
Isso faz lembrar o caso Ford, no RS. A empresa foi embora para a Bahia porque ganhou isenções e benefícios federais que inexistiriam. As isenções estaduais eram as mesmas aqui ou na Bahia, com a enorme vantagem logística e do Mercosul para o RS.
O privilégio a Ford em usufruir as vantagens federais foi alcançado pela trama FHC, ACM e deputado Aleluia na Câmara Federal.
Com o acordo presidencial, os dois baianos contrabandearam uma emenda em MP que transitava no Congresso e que recolocou em vigência a já extinta Lei dos Automotivos, obra de FHC, para incentivar montadoras no Nordeste e que perdeu sua validade sem candidatos. A reedição da lei por 6 meses premiou a FORD. Isso foi público, votado e sancionado. Sem destaque na imprensa, é claro. ACM e Aleluia não foram acusados de propina ou corrupção. São “heróis” baianos por terem levado a primeira montadora do Nordeste.
A versão gaúcha dos fatos nós conhecemos: “Olívio expulsou a Ford”. Tese inventada pela RBS com a cumplicidade da oposição.
Voltemos à Operação Zelotes. Ao que tudo indica retornou ao refluxo e ao esquecimento. Serviu para mais um período de desgaste, a presidenta Dilma chegou a ser arrolada como testemunha por um dos acusados, para produzir mais meia dúzia de matérias, fotos e manchetes de que poderia aí haver algum comprometimento.
Sem sustentação, muda-se o foco, fica a desconfiança, o preconceito, a dúvida.
Agora, a bola da vez é o triplex em Guarujá, o barquinho a remo e o sítio em Atibaia, onde Lula passa feriados e finais de semana.
Comparemos as manchetes, a cobertura de rádio e TV, daquilo que é provado por documentos, fatos, contas em paraísos fiscais e patrimônios dos implicados na Operação Lava Jato e na Operação Zelotes com a cobertura das suspeitas, ilações e vazamentos seletivos na relação com Lula e o PT.
Aí reside o elemento central do preconceito, do ódio, da interdição do contraditório, que se instalou na sociedade brasileira e seus momentos eleitorais.
* Raul Pont é professor e ex-deputado.
A grande mídia no Brasil substitui a cobertura dos fatos, dos acontecimentos, por versões do ocorrido. O que é secundário, pequeno ou irrelevante torna-se o principal, a grande manchete. O fato, propriamente dito, vai esmaecendo, uma bruma desce sobre a realidade e esta vai ficando obscura, difícil de entender e, em alguns casos, desaparece de cena.
A Operação Zelotes da Polícia Federal é um desses casos. A ação policial desvendou um grande foco de corrupção no Conselho Administrativo da Receita Federal (CARF), instancia de negociação administrativa de devedores e sonegadores que autuados pela Receita questionam suas dívidas antes de irem ao processo judicial.
Os números do CARF são surpreendentes. Mais de 100 mil processos num volume de recursos que ultrapassa os 500 bilhões de reais em impostos devidos e questionados.
Nesse universo a Operação Zelotes investiga em torno de 70 processos envolvendo valores na ordem de 20 bilhões de reais. Esse processo permitiu ao grande público tomar conhecimento desse órgão até então ignorado pelos brasileiros. Ficamos sabendo que o CARF é composto de 216 conselheiros, metade indicada pela Receita Federal e a outra pelos “contribuintes”, ou seja, pelas entidades empresariais. Os conselheiros não são remunerados. Trabalham “patrioticamente” de graça para serem mediadores de processos que envolvem centenas de milhões de reais. As indicações da Receita são de funcionários aposentados, ex-auditores.
A sistemática é simples. Empresas como a SGR Consultoria Empresarial, de um dos implicados, ex-conselheiro José Ricardo da Silva, são intermediárias no recebimento de propinas para aliciar e corromper conselheiros que ajudem a diminuir ou extinguir dívidas de sonegadores e devedores da Receita.
Os beneficiários são as grandes empresas, os bancos, que não pagam tributos devidos e vão discuti-los no CARF, com ou sem propina, na justiça ou em algum espaço que levem vantagem.
Entre as empresas gauchas envolvidas figuram a Gerdau e a RBS, como clientes milionários do lobista José Ricardo da Silva (SGR), ao qual pagaram milhões em propinas, conforme denúncia na Carta Capital n° 874 (4.11.2015).
Nessa primeira fase, a Operação Zelotes não fez sucesso junto aos meios de comunicação. Alguns rápidos e fugazes segundos na Globo, praticamente nada nas suas associadas.
Não houve prisões. Não há voluntários para delações premiadas. Não havia “políticos”, em especial petistas envolvidos. Enfim, um tema desinteressante para a Rede Globo. Era apenas a maior fraude tributária tornada pública no país e envolve grandes bancos, indústrias, empresas de serviço. Nada que interesse a mídia nacional.
Diante da CPI constituída na Câmara Federal, das matérias em órgãos como Carta Capital e da capilaridade das redes sociais, no final do ano de 2015, a Operação Zelotes é recuperada pela Rede Globo após profunda metamorfose.
Aí não se tratava de reconhecer a importância da Operação, o impressionante volume de recursos sonegados, mas de desviar o foco do principal: os privilégios e favorecimento a sonegadores e grandes devedores do fisco via corrupção.
A Operação Zelotes reapareceu na tela da Globo através de Bonner e Fernanda – simpáticos e serviçais âncoras da emissora – com novas descobertas.
A Operação Zelotes buscava agora um filão novo. Subornos para favorecer a setores da indústria automotiva, com renovação de Medidas Provisórias dos anos 90 que beneficiariam a Mitsubishi e o grupo CAOA, com intermediação de diretores da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotivos (ANFAVEA).
Esse conluio teria a participação de Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula e a empresa do diretor da ANFAVEA teria contratos com a empresa de marketing esportivo de Cláudio da Silva, filho de Lula.
Acenderam-se os holofotes. A Operação Zelotes encontrou seu novo rumo. Deixou-se de lado a corrupção bilionária envolvendo grandes grupos econômicos, bancos, empresas de comunicação, para trilhar o novo esporte nacional: acusar, caluniar, falsear qualquer coisa, desde que atinja Lula, o PT e o governo Dilma.
Uma lei, uma Medida Provisória, é um processo lento, público, acompanhado e votado por 513 deputados e 81 senadores, sob a lupa e os holofotes de mídia e de dezenas de partidos. Onde o crime? Os prazos não combinavam. As vantagens alegadas não estavam na legislação. Não interessa. Foram mais algumas semanas de exposição contra Lula e Dilma, de pura suspeição, preconceito e calúnia.
Isso faz lembrar o caso Ford, no RS. A empresa foi embora para a Bahia porque ganhou isenções e benefícios federais que inexistiriam. As isenções estaduais eram as mesmas aqui ou na Bahia, com a enorme vantagem logística e do Mercosul para o RS.
O privilégio a Ford em usufruir as vantagens federais foi alcançado pela trama FHC, ACM e deputado Aleluia na Câmara Federal.
Com o acordo presidencial, os dois baianos contrabandearam uma emenda em MP que transitava no Congresso e que recolocou em vigência a já extinta Lei dos Automotivos, obra de FHC, para incentivar montadoras no Nordeste e que perdeu sua validade sem candidatos. A reedição da lei por 6 meses premiou a FORD. Isso foi público, votado e sancionado. Sem destaque na imprensa, é claro. ACM e Aleluia não foram acusados de propina ou corrupção. São “heróis” baianos por terem levado a primeira montadora do Nordeste.
A versão gaúcha dos fatos nós conhecemos: “Olívio expulsou a Ford”. Tese inventada pela RBS com a cumplicidade da oposição.
Voltemos à Operação Zelotes. Ao que tudo indica retornou ao refluxo e ao esquecimento. Serviu para mais um período de desgaste, a presidenta Dilma chegou a ser arrolada como testemunha por um dos acusados, para produzir mais meia dúzia de matérias, fotos e manchetes de que poderia aí haver algum comprometimento.
Sem sustentação, muda-se o foco, fica a desconfiança, o preconceito, a dúvida.
Agora, a bola da vez é o triplex em Guarujá, o barquinho a remo e o sítio em Atibaia, onde Lula passa feriados e finais de semana.
Comparemos as manchetes, a cobertura de rádio e TV, daquilo que é provado por documentos, fatos, contas em paraísos fiscais e patrimônios dos implicados na Operação Lava Jato e na Operação Zelotes com a cobertura das suspeitas, ilações e vazamentos seletivos na relação com Lula e o PT.
Aí reside o elemento central do preconceito, do ódio, da interdição do contraditório, que se instalou na sociedade brasileira e seus momentos eleitorais.
* Raul Pont é professor e ex-deputado.
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