Por Tarso Genro, no site Sul-21:
Para popularizar a defesa política, ainda em curso, sobre a legalidade e legitimidade obtida nas urnas pelo Governo Dilma, o campo de apoio de apoio da Presidenta cunhou a expressão “não vai ter golpe”. Correta, por sinal, mas que agora precisa ser interpretada de maneira diversa no plano estrito da política, face às formas originais que vem adquirindo os contenciosos políticos, dentro da crise econômica e do próprio Estado de Direito pervertido, que estamos vivendo.
Sustento que, a partir de agora, o destino da crise não será resolvido somente em função dos movimentos de rua, mas terá um grande peso também a disputa dentro das instituições. Mormente pelas decisões do Parlamento e do Poder Judiciário, pois este decidirá - se o impedimento da Presidenta for aprovado - até se ele o foi de forma legal, ou não. A pressão política democrática e pacífica sobre os parlamentares, que tem o poder constitucional de chancelar a “exceção”, já instalada, adquire importância evidente neste momento político.
Os movimentos de rua poderão exercer, sobre estas decisões, uma grande influência, mas mesmo que eles se tornem equilibrados, em termos numéricos, por si só não decidirão a “exceção”. Os “movimentos” de rua têm limites para influenciar o Direito, pois este – agora – já comanda a Política: a “exceção” está constituída e é hegemônica, e ela só poderá ser travada, se o for, pela combinação da força das ruas com as instituições. Não foi gratuita a divulgação, pelo golpismo, das gravações de Lula, reclamando das posições do Supremo, pois os que o fizeram sabem que o desfecho não será decidido pelas armas da República, mas pela flexibilização dos seus princípios constitucionais: ódio e “exceção”, são os instrumentos centrais da política golpista.
O evento dos juristas no Largo de São Francisco, dia 18, em São Paulo, foi tão importante, para enfrentar a “exceção”, como a grande manifestação da Avenida Paulista. A expressão “não vai ter golpe”, nestas circunstâncias, deve então ser interpretada, agora, no contexto da “exceção” já realizado, que obteve um resultado estratégico: a sabotagem na recuperação da economia e a inviabilização de um Governo estável, com maioria social e parlamentar, capaz de lhe permitir uma rotina de governabilidade. Revogar a “exceção” é a verdadeira disputa pela hegemonia, nesta guerra de posições que a direita encurralou o país, pois a Presidenta pode permanecer no poder, “sangrando”, sem de fato governar.
Importante ressaltar, igualmente, que a expressão “não vai ter golpe”, não deve sugerir -na parte da sociedade que nos apoia- que estamos numa situação semelhante a de 64. Naquele momento da História os militares estavam organizados em torno dos confrontos da Guerra Fria e participavam, expressamente, de uma conspiração. Opunham-se -de maneira direta e frontal- aos projetos de mudanças reformistas no país. Hoje, os militares, pela discrição que tem tido nas crises, e, precisamente, por estarem atuando dentro das suas funções constitucionais, tem um prestígio inédito na nossa história. Vincular os movimentos de rua em defesa da Presidenta, a março de 64, pode ser uma desinformação fatal às nossas bases e um grave erro político. Um presente de ouro à direita fascista, que quer eternizar a exceção, com o apoio das Forças Armadas, que são da nação e não de facções políticas em luta.
Não cabe analisar, neste momento, os erros do comando político do Governo e dos partidos ou frações de Partidos, que o apoiam. Nem a convergência liberal-conservadora e autoritária, que envolve a grande mídia, altas frações do empresariado e lideranças políticas de distintas organizações políticas e da sociedade civil, “cansadas” da democracia. Não é hora de “balanços”, mas de resistência à continuidade da “exceção”, que é, ela mesma, um golpe “novo tipo”, nos regimes democráticos em crise de representação.
O que estamos disputando, neste momento, é se a “exceção” vai se consolidar ou não; se teremos uma transição, para uma outra situação institucional e política em dois meses ou em dois anos; se conseguiremos – para o próximo período – voltar ao convívio entre diferentes, aberto pela Carta de 88, ou se isso vai se tornar impossível; se a utopia democrática ainda tem validade histórica ou se ela será arquivada, como o foi, a experiência socialista autoritária do Século passado; ou se virão novos ciclos de confronto, preparatórios de uma longa guerra civil não declarada, que certamente vai sufocar o futuro das novas gerações.
No último dia 18, encerrei um grande ato da resistência democrática, em Porto Alegre, que não tinha menos de 50 mil pessoas. Algumas estavam lá para defender o PT, outras por amarem Lula – o melhor Presidente que este país teve depois de 88 -, outras, ainda, por se indignarem com a brutal campanha golpista, que é promovida pela maioria da grande mídia nacional, para derrubar o Governo. Todas as pessoas contra a corrupção, pela democracia, por uma saída da crise com mais democracia, não com menos democracia.
Quando desci do palanque para o meio de uma multidão comovida, uma senhora de cabelos já embranquecidos me abraçou e perguntou-me: “quando eles vão dar o golpe?”, recordando certamente 1964. Naquele preciso momento me dei conta que algo estava errado no cálculo da nossa resistência: o golpe político já está dado pela “exceção” e o que estamos disputando é se ele vai se consolidar como novas formas institucionais não democráticas ou se vamos sair da “exceção” com mais democracia e República.
O golpe pós-moderno, tanto pode se consolidar por um acordo com a corrupção endêmica, que nenhuma “exceção” tem condições de enfrentar -pois historicamente sempre a agrava- como por uma República dos Promotores e Juízes, cujos protagonistas, elevando-se à condição de salvadores da nação, tutelem a política e coloquem a Constituição a serviço do seu autoritarismo.
Este é, agora, o nível da nossa resistência, na época da despolitização da política que foi judicializada, da desideologização da cidadania que foi subsumida no mercado, da utilização funcional da burocracia para capturara a democracia, que sai -cada vez mais- das praças e flui no círculo etéreo das redes e nos círculos de granito dos aparatos do Estado. Não nos enganemos, a última palavra não será das Forças Armadas, porque elas não querem, mas será do que as ruas e o debate político de alto nível repercutirem no Parlamento e no do Supremo Tribunal Federal, como guardião formal da Constituição.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
Para popularizar a defesa política, ainda em curso, sobre a legalidade e legitimidade obtida nas urnas pelo Governo Dilma, o campo de apoio de apoio da Presidenta cunhou a expressão “não vai ter golpe”. Correta, por sinal, mas que agora precisa ser interpretada de maneira diversa no plano estrito da política, face às formas originais que vem adquirindo os contenciosos políticos, dentro da crise econômica e do próprio Estado de Direito pervertido, que estamos vivendo.
Sustento que, a partir de agora, o destino da crise não será resolvido somente em função dos movimentos de rua, mas terá um grande peso também a disputa dentro das instituições. Mormente pelas decisões do Parlamento e do Poder Judiciário, pois este decidirá - se o impedimento da Presidenta for aprovado - até se ele o foi de forma legal, ou não. A pressão política democrática e pacífica sobre os parlamentares, que tem o poder constitucional de chancelar a “exceção”, já instalada, adquire importância evidente neste momento político.
Os movimentos de rua poderão exercer, sobre estas decisões, uma grande influência, mas mesmo que eles se tornem equilibrados, em termos numéricos, por si só não decidirão a “exceção”. Os “movimentos” de rua têm limites para influenciar o Direito, pois este – agora – já comanda a Política: a “exceção” está constituída e é hegemônica, e ela só poderá ser travada, se o for, pela combinação da força das ruas com as instituições. Não foi gratuita a divulgação, pelo golpismo, das gravações de Lula, reclamando das posições do Supremo, pois os que o fizeram sabem que o desfecho não será decidido pelas armas da República, mas pela flexibilização dos seus princípios constitucionais: ódio e “exceção”, são os instrumentos centrais da política golpista.
O evento dos juristas no Largo de São Francisco, dia 18, em São Paulo, foi tão importante, para enfrentar a “exceção”, como a grande manifestação da Avenida Paulista. A expressão “não vai ter golpe”, nestas circunstâncias, deve então ser interpretada, agora, no contexto da “exceção” já realizado, que obteve um resultado estratégico: a sabotagem na recuperação da economia e a inviabilização de um Governo estável, com maioria social e parlamentar, capaz de lhe permitir uma rotina de governabilidade. Revogar a “exceção” é a verdadeira disputa pela hegemonia, nesta guerra de posições que a direita encurralou o país, pois a Presidenta pode permanecer no poder, “sangrando”, sem de fato governar.
Importante ressaltar, igualmente, que a expressão “não vai ter golpe”, não deve sugerir -na parte da sociedade que nos apoia- que estamos numa situação semelhante a de 64. Naquele momento da História os militares estavam organizados em torno dos confrontos da Guerra Fria e participavam, expressamente, de uma conspiração. Opunham-se -de maneira direta e frontal- aos projetos de mudanças reformistas no país. Hoje, os militares, pela discrição que tem tido nas crises, e, precisamente, por estarem atuando dentro das suas funções constitucionais, tem um prestígio inédito na nossa história. Vincular os movimentos de rua em defesa da Presidenta, a março de 64, pode ser uma desinformação fatal às nossas bases e um grave erro político. Um presente de ouro à direita fascista, que quer eternizar a exceção, com o apoio das Forças Armadas, que são da nação e não de facções políticas em luta.
Não cabe analisar, neste momento, os erros do comando político do Governo e dos partidos ou frações de Partidos, que o apoiam. Nem a convergência liberal-conservadora e autoritária, que envolve a grande mídia, altas frações do empresariado e lideranças políticas de distintas organizações políticas e da sociedade civil, “cansadas” da democracia. Não é hora de “balanços”, mas de resistência à continuidade da “exceção”, que é, ela mesma, um golpe “novo tipo”, nos regimes democráticos em crise de representação.
O que estamos disputando, neste momento, é se a “exceção” vai se consolidar ou não; se teremos uma transição, para uma outra situação institucional e política em dois meses ou em dois anos; se conseguiremos – para o próximo período – voltar ao convívio entre diferentes, aberto pela Carta de 88, ou se isso vai se tornar impossível; se a utopia democrática ainda tem validade histórica ou se ela será arquivada, como o foi, a experiência socialista autoritária do Século passado; ou se virão novos ciclos de confronto, preparatórios de uma longa guerra civil não declarada, que certamente vai sufocar o futuro das novas gerações.
No último dia 18, encerrei um grande ato da resistência democrática, em Porto Alegre, que não tinha menos de 50 mil pessoas. Algumas estavam lá para defender o PT, outras por amarem Lula – o melhor Presidente que este país teve depois de 88 -, outras, ainda, por se indignarem com a brutal campanha golpista, que é promovida pela maioria da grande mídia nacional, para derrubar o Governo. Todas as pessoas contra a corrupção, pela democracia, por uma saída da crise com mais democracia, não com menos democracia.
Quando desci do palanque para o meio de uma multidão comovida, uma senhora de cabelos já embranquecidos me abraçou e perguntou-me: “quando eles vão dar o golpe?”, recordando certamente 1964. Naquele preciso momento me dei conta que algo estava errado no cálculo da nossa resistência: o golpe político já está dado pela “exceção” e o que estamos disputando é se ele vai se consolidar como novas formas institucionais não democráticas ou se vamos sair da “exceção” com mais democracia e República.
O golpe pós-moderno, tanto pode se consolidar por um acordo com a corrupção endêmica, que nenhuma “exceção” tem condições de enfrentar -pois historicamente sempre a agrava- como por uma República dos Promotores e Juízes, cujos protagonistas, elevando-se à condição de salvadores da nação, tutelem a política e coloquem a Constituição a serviço do seu autoritarismo.
Este é, agora, o nível da nossa resistência, na época da despolitização da política que foi judicializada, da desideologização da cidadania que foi subsumida no mercado, da utilização funcional da burocracia para capturara a democracia, que sai -cada vez mais- das praças e flui no círculo etéreo das redes e nos círculos de granito dos aparatos do Estado. Não nos enganemos, a última palavra não será das Forças Armadas, porque elas não querem, mas será do que as ruas e o debate político de alto nível repercutirem no Parlamento e no do Supremo Tribunal Federal, como guardião formal da Constituição.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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