Foto: Felipe Bianchi |
O ex-presidente uruguaio José "Pepe" Mujica concedeu entrevista a blogueiros e mídias alternativas na manhã desta quarta-feira (27), em São Paulo. Atento ao cenário de golpe em curso no Brasil, Mujica alertou para o papel jogado pelos meios de comunicação: "A mídia expressa o poder das classes dominantes. O que percebo, no Brasil, é que os meios criam uma subconsciência nos cidadãos, colocando defeitos da sociedade brasileira e do sistema político como defeitos da esquerda".
Durante a entrevista, ocorrida na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e promovida em parceria com a Fundação Perseu Abramo, a Confederação Sindical das Américas (CSA) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o ex-mandatário e atual senador do país vizinho traçou paralelo entre a mídia brasileira e a uruguaia."Também temos, no Uruguai, uma grande concentração nos meios, controlados por famílias muito poderosas", relata. "O maior jornal do país nunca se declarou contrário à ditadura. Hoje, até fala contra, mas apoiar causas de esquerda? Jamais". Por isso, em sua opinião, "é fundamental fortalecer os meios alternativos".
A Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual, que define regras para impor limites ao poder dos grandes meios de comunicação e democratizar o setor, foi discutida, elaborada e aprovada sob a gestão de Mujica. Atualmente, sob a presidência de Tabaré Vázquez, a lei encontra-se estacionada. "Ela tem sido judicializada e acusada, em alguns trechos, de ser inconstitucional", explica Mujica - o expediente é praxe quando aprovada qualquer regulação que atinja o monopólio midiático no continente.
'Não há catástofe na América Latina'
Mujica avalia que o momento pelo qual passa a região é de refluxo, sob ofensiva conservadora, como nos exemplos mais emblemáticos de Brasil, Venezuela e Argentina. Apesar disso, o ex-presidente uruguaio não acredita que a derrota esteja consumada. "O momento é muito ruim, mas não há catástrofe na América Latina. Agora é tempo de lutar, não de buscar culpados", opina.
Segundo ele, analisar o avanço da direita no continente é uma questão de perspectiva. "Podemos nos perguntar sobre o crescimento deles, mas também podemos nos perguntar por que eles perderam tantas eleições na última década", sublinha. "No Brasil, aconteça o que acontecer, não se vai perder tudo. Não se pode perder tudo. A direita também tem de negociar".
Crise, integração e desenvolvimento
Para Mujica, a cooperação e a solidariedade entre os países da região são imprescindíveis para o crescimento econômico e o desenvolvimento social. "Em um mundo que se apresenta cada vez mais poderoso, a causa continental tem de ser a integração", argumenta.
A grave crise econômica que se abate sobre o mundo na atualidade, em sua visão, é um "desborde" do capitalismo. "O capital financeiro precisa de especulação, de liberdade de movimento", explica, "e isso fere os processos de desenvolvimento econômico e produtivo dos nosso países". A integração é uma saída para esse quadro, conforme ele aponta: "Só a integração nos levará ao desenvolvimento. Integrar inteligências, conhecimentos, para que os homens da ciência, por exemplo, não tenham de ir pra fora".
Desmitificar para avançar
Famoso pela simplicidade no estilo de vida, Mujica também ganhou notoriedade ao enfrentar, enquanto presidente, temas polêmicos e caros às sociedades contemporâneas, como a maconha e o aborto. "É melhor trazer os problemas à luz da legalidade e tratá-los como questão de Estado do que impor repressão e criminalização", salienta o ex-mandatário.
"O esforço do Estado enquanto ao aborto", explica, "não é só o de colocar condições para a sua realização, mas de não isolar e abandonar as mulheres uruguaias". Ele acrecenta, ainda, que não se trata de ser contra ou a favor. "Independente da posição, o problema segue existindo. E quem sofre mais são as mulheres pobres", defende.
Resistência contra o golpe
Sereno em sua análise sobre o golpe à democracia perpetrado no processo ilegal de impeachment da presidente Dilma Rousseff, Mujica conclama os movimentos sociais brasileiros a não esmoecerem. "Nunca triunfamos em definitivo. Temos que ter uma humildade estratégica. Afinal, a sociedade é um acúmulo de contradições", reflete.
Quanto à demonização dos partidos e militantes de esquerda, produto da onda de ódio e intolerância desatada por setores da imprensa nos últimos anos, Mujica acredita que trata-se de um grande equívoco das pessoas em entenderem o sistema. "A classe média, em especial, parece não entendê-lo. Para uns, a culpa já foi dos judeus. Para outros, a culpa é dos trabalhadores, dos comunistas", diz.
Mujica sugere às esquerdas que lembrem de um termo muito importante, que por vezes é esquecido: a igualdade. "O que é ser de esquerda, afinal? É uma posição filosófica perante à vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo", define. "Em momentos de tempestade, é preciso resistir. Não precisamos e nem devemos pensar igual, mas temos de estar juntos, em defesa das conquistas. É por isso que me solidarizo com vocês, brasileiros. Pois sou primeiro latino-americano e, depois, uruguaio".
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