Por César Locatelli, no site dos Jornalistas Livres:
Para tentar dissipar a névoa que sempre envolve a taxa de juros, gostaria de iniciar compartilhando um importante fundamento: a taxa de juros é um dos maiores, senão o maior, concentradores de rendas do nosso país. Isso quer dizer que a taxa de juros tira dos pobres para dar aos ricos. O Estado brasileiro tem uma dívida pública plenamente compatível com o tamanho da dívida de outras nações. A anomalia não está no tamanho da dívida. A enorme irregularidade está no tamanho da taxa de juros que o governo paga, pela dívida pública, para as pessoas, bancos e empresas que emprestam recursos para o Estado.
Por que a taxa de juros é concentradora de renda?
Precisamos avaliar alguns números. O gasto do governo com juros, em doze meses de abril de 2015 até março de 2016, totalizou R$513 bilhões. Esse valor equivale a 8,64% do PIB, o que é o mesmo que dizer: nos últimos 12 meses quase 9 % de tudo que foi produzido no país foi colocado nos bolsos daqueles quem têm títulos do governo. Em outras palavras, R$ 513 bilhões, que foram arrecadados de impostos, voltaram para as pessoas, bancos e empresas que têm títulos da dívida pública, nos 12 meses terminados em março.
Além de comprar títulos públicos diretamente, as pessoas e empresas fazem aplicações em fundos de investimentos e esses fundos compram títulos públicos.
Gasto com juros é 19 vezes maior do que gasto com Bolsa Família
Para termos uma ideia da ordem de grandeza do gasto com juros, vamos comparar com o Bolsa Família. Você sabe qual é o gasto anual do Bolsa Família? É R$ 27 bilhões. Então, nesses 12 meses, o governo federal gastou R$ 513 bilhões com juros e R$ 27 bilhões com o Bolsa Família. A despesa com juros foi 19 vezes maior do que a despesa com o Bolsa Família. Com a diferença que o Bolsa Família beneficia 14 milhões de famílias, os juros beneficiam cerca de 20 mil famílias. Concorda que, através da taxa de juros, o governo tira dos pobres para dar aos ricos?
Não existe interesse em discutir os juros
Acho que está demonstrado o poder concentrador de renda do juros. Dos impostos e tributos que o governo arrecada uma parcela enorme é direcionada para o pagamento de juros. Repare que todos falam dos gastos com a previdência, com o bolsa família, com os direitos sociais e ninguém fala do gasto com juros.
As elites econômica e política, assim como os economistas que as representam não só não tem interesse em falar sobre os juros, mas quando falam dizem que a taxa de juros é fruto da natureza, que cabe ao Banco Central apenas buscar a “taxa natural de juros”. Bem, não é o objetivo aprofundar aqui essa discussão, mas é certo que há inúmeros economistas que discutem a existência dessa “taxa natural” e, mais ainda, discutem a eficiência do combate à inflação tendo como único instrumento a taxa de juros.
Ressaltamos, no entanto, que a taxa Selic não é fruto da natureza, não brota como uma semente de goiaba. Ela não é determinada pelo mercado, como num leilão ou numa feira livre. A taxa de juros é uma convenção, um contrato firmado em uma sociedade. No Brasil é um acordo estabelecido entre o Banco Central e a elite econômica, representada por seus economistas.
Além de tirar dos pobres para dar aos ricos, o gasto com juros não volta para a economia
Mas há outra consequência perniciosa da taxa de juros alta: os juros não voltam para fazer girar a economia. Vamos comparar: o recurso que vai para o Bolsa Família é todo gasto em consumo, isto é o dinheiro volta para a a economia aumentando as vendas, aumentando a produção e o emprego, aumentando até a arrecadação de impostos pelo governo. O gasto com juros é, quase inteiramente, aplicado novamente em títulos, dizemos que é esterilizado, não entra na economia depois que sai dos cofres do governo. O gasto com juros gera mais juros, não gera produção e empregos.
Vamos explicar melhor a determinação das taxas de juros no Brasil
Todos os países têm um órgão que cuida da circulação da moeda, que cuida do sistema financeiro e de crédito, que cuida da relação com moedas de outros países, entre outros. No Brasil, esses controles e regras, que chamamos de política monetária, estão a cargo do Banco Central.
Pois bem, uma das tarefas nas mãos do Banco Central é estabelecer a taxa Selic, a taxa mãe de todas as outras taxas da economia brasileira. É dessa taxa que derivam todas as outras taxas de juros da economia brasileira. Quando o Tesouro Nacional vende títulos da dívida pública, isto é, quando o Tesouro toma dinheiro emprestado das pessoas e das empresas, é a taxa Selic que dá a referência para as taxas que serão pagas nesses empréstimos.
As taxas de juros pagas por pessoas e empresas também são influenciadas pela taxa Selic, mas nesse caso entram vários outros fatores na sua composição. A probabilidade do devedor não pagar o empréstimo é um dos componentes mais importantes dessas taxas. Veja que a taxa Selic, em abril de 2016, está em 14,15% ao ano e os empréstimos para empresas usarem com capital de giro feitos pelo Itaú e do Bradesco estão em 30,61% ao ano e 36,75 ao ano, respectivamente, segundo o Banco Central.
A taxa de juros caiu sensivelmente no governo Dilma
O gráfico abaixo mostra a taxa de juros, taxa Selic, acumulada em cada mês desde 1995. Você percebe que nesse gráfico há períodos distintos? O nível mais alto, no início, refere-se ao primeiros quatro anos de governo FHC, repare nos sobressaltos por conta das crises de 1998 e 1999 quando o país teve de recorrer ao FMI. O nível médio é composto pelo segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula. O nível baixo está localizado no segundo mandato de Lula e nos mandatos de Dilma.
No final de 2012 e início de 2013 parecia que, finalmente, teríamos uma taxa de juros no mesmo nível do resto do mundo, mas a partir das manifestações de junho de 2013 tudo mudou. Ainda não voltamos aos níveis do governo FHC, mas voltaremos se o golpe se instalar. A lógica do golpe é concentrar mais a renda e juros altos fazem isso de modo ultra eficiente. Já pensou se o Banco Central fosse completamente independente do(a) presidente(a) da República?
Notas:
1- Para ver mais sobre a dívida pública e a política fiscal: http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC
2- Para ver mais sobre os gastos com o Bolsa Família: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-03/com-r-27-bilhoes-anuais-bolsa-familia-nao-sofrera-com-ajuste-diz-ministra
Para tentar dissipar a névoa que sempre envolve a taxa de juros, gostaria de iniciar compartilhando um importante fundamento: a taxa de juros é um dos maiores, senão o maior, concentradores de rendas do nosso país. Isso quer dizer que a taxa de juros tira dos pobres para dar aos ricos. O Estado brasileiro tem uma dívida pública plenamente compatível com o tamanho da dívida de outras nações. A anomalia não está no tamanho da dívida. A enorme irregularidade está no tamanho da taxa de juros que o governo paga, pela dívida pública, para as pessoas, bancos e empresas que emprestam recursos para o Estado.
Por que a taxa de juros é concentradora de renda?
Precisamos avaliar alguns números. O gasto do governo com juros, em doze meses de abril de 2015 até março de 2016, totalizou R$513 bilhões. Esse valor equivale a 8,64% do PIB, o que é o mesmo que dizer: nos últimos 12 meses quase 9 % de tudo que foi produzido no país foi colocado nos bolsos daqueles quem têm títulos do governo. Em outras palavras, R$ 513 bilhões, que foram arrecadados de impostos, voltaram para as pessoas, bancos e empresas que têm títulos da dívida pública, nos 12 meses terminados em março.
Além de comprar títulos públicos diretamente, as pessoas e empresas fazem aplicações em fundos de investimentos e esses fundos compram títulos públicos.
Gasto com juros é 19 vezes maior do que gasto com Bolsa Família
Para termos uma ideia da ordem de grandeza do gasto com juros, vamos comparar com o Bolsa Família. Você sabe qual é o gasto anual do Bolsa Família? É R$ 27 bilhões. Então, nesses 12 meses, o governo federal gastou R$ 513 bilhões com juros e R$ 27 bilhões com o Bolsa Família. A despesa com juros foi 19 vezes maior do que a despesa com o Bolsa Família. Com a diferença que o Bolsa Família beneficia 14 milhões de famílias, os juros beneficiam cerca de 20 mil famílias. Concorda que, através da taxa de juros, o governo tira dos pobres para dar aos ricos?
Não existe interesse em discutir os juros
Acho que está demonstrado o poder concentrador de renda do juros. Dos impostos e tributos que o governo arrecada uma parcela enorme é direcionada para o pagamento de juros. Repare que todos falam dos gastos com a previdência, com o bolsa família, com os direitos sociais e ninguém fala do gasto com juros.
As elites econômica e política, assim como os economistas que as representam não só não tem interesse em falar sobre os juros, mas quando falam dizem que a taxa de juros é fruto da natureza, que cabe ao Banco Central apenas buscar a “taxa natural de juros”. Bem, não é o objetivo aprofundar aqui essa discussão, mas é certo que há inúmeros economistas que discutem a existência dessa “taxa natural” e, mais ainda, discutem a eficiência do combate à inflação tendo como único instrumento a taxa de juros.
Ressaltamos, no entanto, que a taxa Selic não é fruto da natureza, não brota como uma semente de goiaba. Ela não é determinada pelo mercado, como num leilão ou numa feira livre. A taxa de juros é uma convenção, um contrato firmado em uma sociedade. No Brasil é um acordo estabelecido entre o Banco Central e a elite econômica, representada por seus economistas.
Além de tirar dos pobres para dar aos ricos, o gasto com juros não volta para a economia
Mas há outra consequência perniciosa da taxa de juros alta: os juros não voltam para fazer girar a economia. Vamos comparar: o recurso que vai para o Bolsa Família é todo gasto em consumo, isto é o dinheiro volta para a a economia aumentando as vendas, aumentando a produção e o emprego, aumentando até a arrecadação de impostos pelo governo. O gasto com juros é, quase inteiramente, aplicado novamente em títulos, dizemos que é esterilizado, não entra na economia depois que sai dos cofres do governo. O gasto com juros gera mais juros, não gera produção e empregos.
Vamos explicar melhor a determinação das taxas de juros no Brasil
Todos os países têm um órgão que cuida da circulação da moeda, que cuida do sistema financeiro e de crédito, que cuida da relação com moedas de outros países, entre outros. No Brasil, esses controles e regras, que chamamos de política monetária, estão a cargo do Banco Central.
Pois bem, uma das tarefas nas mãos do Banco Central é estabelecer a taxa Selic, a taxa mãe de todas as outras taxas da economia brasileira. É dessa taxa que derivam todas as outras taxas de juros da economia brasileira. Quando o Tesouro Nacional vende títulos da dívida pública, isto é, quando o Tesouro toma dinheiro emprestado das pessoas e das empresas, é a taxa Selic que dá a referência para as taxas que serão pagas nesses empréstimos.
As taxas de juros pagas por pessoas e empresas também são influenciadas pela taxa Selic, mas nesse caso entram vários outros fatores na sua composição. A probabilidade do devedor não pagar o empréstimo é um dos componentes mais importantes dessas taxas. Veja que a taxa Selic, em abril de 2016, está em 14,15% ao ano e os empréstimos para empresas usarem com capital de giro feitos pelo Itaú e do Bradesco estão em 30,61% ao ano e 36,75 ao ano, respectivamente, segundo o Banco Central.
A taxa de juros caiu sensivelmente no governo Dilma
O gráfico abaixo mostra a taxa de juros, taxa Selic, acumulada em cada mês desde 1995. Você percebe que nesse gráfico há períodos distintos? O nível mais alto, no início, refere-se ao primeiros quatro anos de governo FHC, repare nos sobressaltos por conta das crises de 1998 e 1999 quando o país teve de recorrer ao FMI. O nível médio é composto pelo segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula. O nível baixo está localizado no segundo mandato de Lula e nos mandatos de Dilma.
No final de 2012 e início de 2013 parecia que, finalmente, teríamos uma taxa de juros no mesmo nível do resto do mundo, mas a partir das manifestações de junho de 2013 tudo mudou. Ainda não voltamos aos níveis do governo FHC, mas voltaremos se o golpe se instalar. A lógica do golpe é concentrar mais a renda e juros altos fazem isso de modo ultra eficiente. Já pensou se o Banco Central fosse completamente independente do(a) presidente(a) da República?
Notas:
1- Para ver mais sobre a dívida pública e a política fiscal: http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC
2- Para ver mais sobre os gastos com o Bolsa Família: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-03/com-r-27-bilhoes-anuais-bolsa-familia-nao-sofrera-com-ajuste-diz-ministra
0 comentários:
Postar um comentário