A presença de Rodrigo Janot, Sérgio Moro & Joaquim Barbosa em listas de presidenciáveis tem sido tratada com naturalidade exagerada. O caso merece uma reflexão um pouco mais demorada.
Pouca gente se recorda mas em 1945, após o golpe militar que derrubou Getúlio Vargas, a UDN, partido da oligarquia paulista, ocupou a cena política para exigir "todo poder ao Judiciário." Foi assim que, durante três meses, o país foi governado por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, que entregou a presidência a Eurico Dutra, escolhido pelo voto direto. Em seu governo trimestral, Linhares ficou famoso pelo empenho em empregar parentes e por uma ação política definida. Aproveitou os poderes presidenciais para afastar a maioria dos interventores nomeados por Vargas para os governos estaduais, medida que interessava a oposição que pretendia ir a forra contra Getúlio Vamas não trouxe o resultado esperado.
Setenta anos depois, ilustres desconhecidos até entrarem em cena na investigação de esquemas de corrupção envolvendo políticos, particularmente do Partido dos Trabalhadores, o trio Janot, Moro & Barbosa é formado por figuras populares.
Não vamos debater, aqui, o mérito do serviço prestado nem a formação dos três. Nem o apoio sem críticas relevantes dos meios de comunicação, que têm uma imensa parcela de responsabilidade na criação de candidaturas-instantâneas. Não é disso que se trata.
O que não dá para negar é uma relação de causa e efeito entre uma situação e outra. Caso eles venham a disputar a presidência ou qualquer cargo eletivo, estarão colhendo, nas urnas, aquilo que plantaram nos tribunais.
A personalidade política dos três foi construída pela ação no Judiciário, que é outro Poder da República. A partir de uma posição de força, de quem tem o poder de mandar prender e soltar, condenar e inocentar, o que hoje se faz com ajuda dos tele-jornais, foram capazes de conduzir um processo que, razões jurídicas à parte, consistentes ou não, produziu o extermínio político de cidadãos que mais tarde se tornaram inutilizados ou seriamente incapacitados para pedir votos.
Não acredito num caso pensado, com planilha de Excell, conversa estratégica e assessores profissionais.
Tenho certeza de que os três tentaram fazer seu trabalho, da forma que lhes parecia a mais adequada a cada momento, ainda que, mais tarde, outros fatores passaram a ser levados em conta.
Por exemplo: durante o julgamento da AP 470, um dos assessores de Joaquim Barbosa costumava monitorar as reações de aprovação ou de rejeição das redes sociais à cada decisão do ministro.
Como tantos eventos políticos, muitas vezes as intenções dos atores políticos chegam a ser irrelevantes. Mais decisivas são as consequências práticas. A cada golpe desferido contra personalidades que no futuro poderiam se transformar em eventuais adversários, Janot/Moro/Barbosa ganharam musculatura para atravessar uma fronteira entre poderes, elevando seu cacife para a conquista do poder político.
O caso de Lula é gritante. Para todo e qualquer pretendente ao Planalto na próxima eleição, seja lá quando ela vier a ocorrer, Lula sempre foi o adversário principal.
Mesmo ameaçado já na AP 470, permaneceu, até a Lava Jato, como o mais popular político brasileiro. Seu reconhecido favoritismo para 2018 esteve na raiz confessada de boa parte das conspirações que levaram ao afastamento de Dilma.
Hoje encontra-se em queda e não se pode saber como estará seu Ibope após o novo calvário, agora que seu caso foi entregue a Sérgio Moro. Lula não perdeu um debate no terreno das ideias. As realizações de seu governo conservam uma altíssima aprovação popular. Em muitas pesquisas, segue o melhor presidente da História.
Num ambiente de criminalização geral da atividade política, no entanto, Lula recebe um tratamento de pré-condenado pelos meios de comunicação, embora seja um cidadão 100% inocente. A tentativa de aniquilamento precoce de sua candidatura é feito através de suspeitas repetidas e ampliadas por delações premiadas e vazamentos. O processo incluiu casos de ilegalidade flagrante, como a conversa gravada com Dilma Rousseff, os diálogos entre familiares, de interesse puramente privado.
"Está em curso uma operação para impedir, de qualquer maneira, que Lula venha a ser candidato na próxima eleição presidencial," denunciou ao 247 o historiador James Green, um dos intelectuais mais influentes na articulação contra o golpe de maio-junho de 2016 nos Estados Unidos.
Mesmo sem ter sido sequer julgado, Lula está sendo "deslegitimado," processo político-midiático que, no conhecido artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana, Sérgio Moro defendeu como necessário para o sucesso em ações judiciais contra personalidades com respaldo na sociedade.
Não custa lembrar que o caso mais conhecido de magistrado que atravessou a fronteira da tribunais para assumir o poder político ocorreu na França, com Maximiliano Robespierre (1758-1794). Juiz de profissão, Robespierre foi chefe da Revolução Francesa no período do Terror, quando a Justiça e a Política eram uma coisa só. Meses antes dele próprio ser condenado à guilhotina, Robespierre dirigiu o julgamento de Jacques Danton, que se tornara seu principal adversário político na definição dos rumos da Revolução as vésperas de um período de reação conservadora conhecido como Thermidor. Dirigiu um processo tão generalizado de execuções pela guilhotina que o índice de crescimento demográfico do país chegou a ficar negativo no período.
A questão, na França de 1794 ou no Brasil de 2016, não é jurídica. Acima de tudo, é política.
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