Por Luciana de Oliveira Ramos, na revista CartaCapital:
Não é a primeira vez que situações trágicas são estopim para avanços na sociedade. O estupro em massa da jovem do Rio de Janeiro, ocorrido no dia 20 de maio de 2016, ganhou enorme repercussão não apenas pela atrocidade do crime, mas especialmente depois de a sessão de violência ser gravada e divulgada nas redes sociais.
A brutalidade do episódio foi tão chocante que gerou reações dentro e fora do País. Manifestações que demonstravam a existência de uma cultura do estupro ocuparam as ruas e foram objeto de intensas discussões nos meios de comunicação e nas redes sociais.
A ideia de que os homens têm domínio sobre a vontade e o corpo da mulher se perpetua nas sociedades contemporâneas – em algumas mais, em outras menos. A cultura patriarcal predominante parece dar a alguns seres do sexo masculino a liberdade de invadir a privacidade e violentar mulheres. Essa violência pode ser de diversos tipos: física, sexual, moral e psicológica. A naturalização dessas atitudes torna ainda mais problemática a violência direcionada às mulheres.
Quando, em algum momento, superarmos o estado de “quase barbárie” em que vivemos, com episódios de estupros coletivos e com os reiterados estupros individuais, a missão ainda não terá sido cumprida. As violências se manifestam das mais variadas formas nos mais diversos setores da sociedade.
Estudos internacionais têm surgido recentemente e se debruçam sobre a violência contra a mulher na política. Vale destacar que esses estudos começaram porque, de alguma forma, alguns países já atingiram níveis de igualdade de gênero no Parlamento. Ou seja, há um certo equilíbrio entre a quantidade de homens e mulheres parlamentares.
Tais estudos revelam que apesar do atingimento de uma maior representatividade de mulheres no Legislativo, há diversas formas de resistência à integração política da mulher, que vão desde a violência física e o assédio até o sexismo na cobertura da mídia e plataformas de mídia social.
Esses estudos tratam, portanto, da violência contra a mulher na política e da violência contra a mulher no momento das eleições.
Acontece que o Brasil não conseguiu superar nem essa primeira etapa de minimizar a sub-representação de mulheres no Parlamento. De acordo com os dados das últimas eleições (2014), foram eleitas apenas 51 deputadas federais, de um total de 513 assentos na Câmara, o que representa 9,9% da Casa Legislativa. No Senado, temos 13 senadoras (de um total de 81), o que equivale a 16% de mulheres.
De acordo com o ranking da União Interparlamentar – que faz um levantamento periódico da participação de mulheres no Parlamento em quase todo o mundo – o Brasil está na posição 155, de um total de 185 colocações. Essa péssima posição põe o Brasil como o pior colocado entre os países sul-americanos.
O Brasil também está atrás de outros países onde mulheres costumam sofrer estupros coletivos, como o Sudão do Sul (56ª posição com 26,5% de mulheres) e a Índia (144ª posição, com 12% de mulheres).
Esses dados atestam um evidente cenário de sub-representação de mulheres no Legislativo brasileiro, em especial na Câmara dos Deputados.
Em que medida a baixa representatividade de mulheres impacta na violência contra a mulher (deputadas e senadoras)?
Em primeiro lugar, vale mencionar a fala de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quanto ao avanço da pauta do aborto. Em 2015, o presidente da Câmara disse que a votação sobre aborto só vai acontecer se passarem por cima de seu cadáver dele. Essa afirmação denota uma clara resistência institucional quanto à perspectiva das mulheres a respeito de um tema sensível. Isso significa calar a voz de uma parte importante da sociedade.
Outro exemplo foram os xingamentos direcionados à senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) durante a polêmica sessão do Congresso Nacional que tentava votar mudanças na meta do superávit primário (em dezembro de 2014). Enquanto ela discursava, algumas pessoas que estavam nas galerias a xingaram de “vagabunda”.
Em uma entrevista dada pela senadora sobre esses xingamentos, ela disse que esse não foi um fato isolado. Segundo ela, a o poder político no Brasil é um ambiente muito masculino. A senadora disse ainda que é, muitas vezes, desrespeitada pelos próprios colegas parlamentares. Para ela, fazer uma voz feminina ser ouvida é muito mais difícil, mesmo porque os colegas são os primeiros a desrespeitarem o regimento e se intrometerem quando estão falando.
Nas palavras da senadora, “no fundo, é um pouco aquele sentimento de poder. De que eles podem tudo. Então chegam lá, pegam o microfone, não respeitam a presidência, não respeitam ninguém e mulher principalmente, porque não temos a voz tão grave quanto a deles.”
Mais um caso que merece ser lembrado é a agressão do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em relação à deputada Maria do Rosário (PT-RS). Em discurso no plenário da Câmara, o deputado disse que só não "estupraria" a colega Maria do Rosário, ex-ministra de Direitos Humanos, porque ela "não merecia". Esse é um comentário que reflete claramente a cultura do estupro. Com esse discurso, o deputado dá a entender que sofrer um estupro é uma benesse e não uma violência contra a mulher.
Esses episódios não ocorreram há um século. Eles aconteceram há um ou dois anos. Isso é preocupante e mostra como as mulheres são desrespeitadas dentro do ambiente institucional de democracia representativa.
Não apenas são desrespeitadas como seres humanos, mas são inclusive agredidas dentro do ambiente onde são elaboradas as leis de nossa sociedade. Essas barreiras à integração das mulheres no ambiente político são prejudiciais à democracia e à sociedade como um todo.
Ter voz dentro de uma Casa Legislativa é seu instrumento de trabalho. Limitar a expressão dessa voz é impedir a efetiva participação de mulheres no Parlamento.
Mas parece haver uma luz no fim do túnel. A notícia de que o deputado Jair Bolsonaro virou réu em ação penal por falar que Maria do Rosário não merece ser estuprada é um avanço no sentido de que as instituições de justiça passaram a ser incluídas no debate e têm a possibilidade de dar respostas positivas.
Na terça-feira 22, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu receber duas ações penais,tornando o deputado réu pela suposta prática de apologia ao crime e por injúria. Ao analisar denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) e queixa da própria deputada, a Primeira Turma da Corte entendeu, por quatro votos a um, que além de incitar a prática do estupro, Bolsonaro ofendeu a honra da colega.
Esses episódios revelam que há violências e violências. E cada uma delas merece a devida atenção e requer ações diferenciadas para sua completa erradicação. Mas a raiz do problema ainda precisa ser enfrentada com seriedade.
Somente assim, as nossas filhas, netas e bisnetas poderão ter a liberdade de ser quem quiserem, de sair para onde quiserem sem medo de ser violentadas pelo simples fato de ser do sexo feminino.
A brutalidade do episódio foi tão chocante que gerou reações dentro e fora do País. Manifestações que demonstravam a existência de uma cultura do estupro ocuparam as ruas e foram objeto de intensas discussões nos meios de comunicação e nas redes sociais.
A ideia de que os homens têm domínio sobre a vontade e o corpo da mulher se perpetua nas sociedades contemporâneas – em algumas mais, em outras menos. A cultura patriarcal predominante parece dar a alguns seres do sexo masculino a liberdade de invadir a privacidade e violentar mulheres. Essa violência pode ser de diversos tipos: física, sexual, moral e psicológica. A naturalização dessas atitudes torna ainda mais problemática a violência direcionada às mulheres.
Quando, em algum momento, superarmos o estado de “quase barbárie” em que vivemos, com episódios de estupros coletivos e com os reiterados estupros individuais, a missão ainda não terá sido cumprida. As violências se manifestam das mais variadas formas nos mais diversos setores da sociedade.
Estudos internacionais têm surgido recentemente e se debruçam sobre a violência contra a mulher na política. Vale destacar que esses estudos começaram porque, de alguma forma, alguns países já atingiram níveis de igualdade de gênero no Parlamento. Ou seja, há um certo equilíbrio entre a quantidade de homens e mulheres parlamentares.
Tais estudos revelam que apesar do atingimento de uma maior representatividade de mulheres no Legislativo, há diversas formas de resistência à integração política da mulher, que vão desde a violência física e o assédio até o sexismo na cobertura da mídia e plataformas de mídia social.
Esses estudos tratam, portanto, da violência contra a mulher na política e da violência contra a mulher no momento das eleições.
Acontece que o Brasil não conseguiu superar nem essa primeira etapa de minimizar a sub-representação de mulheres no Parlamento. De acordo com os dados das últimas eleições (2014), foram eleitas apenas 51 deputadas federais, de um total de 513 assentos na Câmara, o que representa 9,9% da Casa Legislativa. No Senado, temos 13 senadoras (de um total de 81), o que equivale a 16% de mulheres.
De acordo com o ranking da União Interparlamentar – que faz um levantamento periódico da participação de mulheres no Parlamento em quase todo o mundo – o Brasil está na posição 155, de um total de 185 colocações. Essa péssima posição põe o Brasil como o pior colocado entre os países sul-americanos.
O Brasil também está atrás de outros países onde mulheres costumam sofrer estupros coletivos, como o Sudão do Sul (56ª posição com 26,5% de mulheres) e a Índia (144ª posição, com 12% de mulheres).
Esses dados atestam um evidente cenário de sub-representação de mulheres no Legislativo brasileiro, em especial na Câmara dos Deputados.
Em que medida a baixa representatividade de mulheres impacta na violência contra a mulher (deputadas e senadoras)?
Em primeiro lugar, vale mencionar a fala de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quanto ao avanço da pauta do aborto. Em 2015, o presidente da Câmara disse que a votação sobre aborto só vai acontecer se passarem por cima de seu cadáver dele. Essa afirmação denota uma clara resistência institucional quanto à perspectiva das mulheres a respeito de um tema sensível. Isso significa calar a voz de uma parte importante da sociedade.
Outro exemplo foram os xingamentos direcionados à senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) durante a polêmica sessão do Congresso Nacional que tentava votar mudanças na meta do superávit primário (em dezembro de 2014). Enquanto ela discursava, algumas pessoas que estavam nas galerias a xingaram de “vagabunda”.
Em uma entrevista dada pela senadora sobre esses xingamentos, ela disse que esse não foi um fato isolado. Segundo ela, a o poder político no Brasil é um ambiente muito masculino. A senadora disse ainda que é, muitas vezes, desrespeitada pelos próprios colegas parlamentares. Para ela, fazer uma voz feminina ser ouvida é muito mais difícil, mesmo porque os colegas são os primeiros a desrespeitarem o regimento e se intrometerem quando estão falando.
Nas palavras da senadora, “no fundo, é um pouco aquele sentimento de poder. De que eles podem tudo. Então chegam lá, pegam o microfone, não respeitam a presidência, não respeitam ninguém e mulher principalmente, porque não temos a voz tão grave quanto a deles.”
Mais um caso que merece ser lembrado é a agressão do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em relação à deputada Maria do Rosário (PT-RS). Em discurso no plenário da Câmara, o deputado disse que só não "estupraria" a colega Maria do Rosário, ex-ministra de Direitos Humanos, porque ela "não merecia". Esse é um comentário que reflete claramente a cultura do estupro. Com esse discurso, o deputado dá a entender que sofrer um estupro é uma benesse e não uma violência contra a mulher.
Esses episódios não ocorreram há um século. Eles aconteceram há um ou dois anos. Isso é preocupante e mostra como as mulheres são desrespeitadas dentro do ambiente institucional de democracia representativa.
Não apenas são desrespeitadas como seres humanos, mas são inclusive agredidas dentro do ambiente onde são elaboradas as leis de nossa sociedade. Essas barreiras à integração das mulheres no ambiente político são prejudiciais à democracia e à sociedade como um todo.
Ter voz dentro de uma Casa Legislativa é seu instrumento de trabalho. Limitar a expressão dessa voz é impedir a efetiva participação de mulheres no Parlamento.
Mas parece haver uma luz no fim do túnel. A notícia de que o deputado Jair Bolsonaro virou réu em ação penal por falar que Maria do Rosário não merece ser estuprada é um avanço no sentido de que as instituições de justiça passaram a ser incluídas no debate e têm a possibilidade de dar respostas positivas.
Na terça-feira 22, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu receber duas ações penais,tornando o deputado réu pela suposta prática de apologia ao crime e por injúria. Ao analisar denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) e queixa da própria deputada, a Primeira Turma da Corte entendeu, por quatro votos a um, que além de incitar a prática do estupro, Bolsonaro ofendeu a honra da colega.
Esses episódios revelam que há violências e violências. E cada uma delas merece a devida atenção e requer ações diferenciadas para sua completa erradicação. Mas a raiz do problema ainda precisa ser enfrentada com seriedade.
Somente assim, as nossas filhas, netas e bisnetas poderão ter a liberdade de ser quem quiserem, de sair para onde quiserem sem medo de ser violentadas pelo simples fato de ser do sexo feminino.
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