E eis que o empresário Laodse de Abreu Duarte, diretor da Fiesp, deve para a União R$ 6,9 bilhões. A dívida é maior que a de 18 estados brasileiros, como Bahia e Pernambuco, segundo revelou a imprensa.
O calote de Abreu Duarte diz muito sobre as relações econômicas do Brasil, um país onde os empresários adoram pregar o Estado mínimo, conquanto que seja mínimo para os outros, porque para os donos do poder a regra é sempre mamar nas tetas bem graúdas desse mesmo Estado.
O discurso padrão da Fiesp e de partidos como o PSDB e o DEM é o de que o Brasil tem um governo imenso, que precisa ser enxugado, que somos um país onde se paga muitos impostos e nada se recebe de volta de um Estado ineficiente e grande.
Essas mesmas pessoas usam do argumento liberal para falar contra programas sociais como o Bolsa Família, dizendo que o governo manipula os pobres ao lhes dar o peixe e não a vara para pescar – a velha história da meritocracia. Vide o pato amarelo da Fiesp, que entrou em cena contra a volta da CPMF e ganhou protagonismo na campanha pelo impeachment.
O calote de Abreu Duarte mostra que não existe liberalismo no Brasil. O que temos é uma classe empresarial que não consegue caminhar se não tiver o Estado a lhe dar mãos, que acha que o Tesouro Nacional é a extensão de sua própria conta bancária. Ainda vivemos um pré-capitalismo, um modelo arcaico de relações econômicas baseadas no velho patrimonialismo colonial.
Vejam só esta notícia, que passou despercebida, ganhando apenas uma notinha no Painel da Folha de S. Paulo, em maio: “Concessionárias de alguns dos maiores aeroportos do país pediram à Anac, que regula o setor, a suspensão de pagamentos e a renegociação de contratos. As empresas que tocam Guarulhos, Viracopos, Galeão, Confins, Brasília e Natal dizem não ter como pagar agora os cerca de R$ 2,5 bilhões estimados para este ano. Culpam a recessão e a falta de crédito.”
Se as concessionárias de aeroportos não têm como entregar a tarefa que receberam nas concessões, por que o governo não as deixa quebrar? Esta e a lógica do liberalismo, a mão invisível do mercado, nos termos de Adam Smith.
Se o Brasil fosse liberal como prega o discurso hipócrita dos capitalistas da Fiesp, o fato de uma empresa não cumprir o contrato significa que ela não é competitiva o suficiente para atuar no mercado. O script liberal diz que ela deve quebrar e outro ator entrará em cena, comprando a massa falida e explorando o serviço.
Mas no capitalismo tupiniquim, mesmo quando o governo faz as privatizações necessárias (porque há serviços que são melhores geridos pela iniciativa privada enquanto outros só podem ser geridos pelo Estado), o setor privado resiste em cortar o cordão umbilical com o Estado. Não bastassem serem financiadas pelo BNDES em condições generosas, na primeira dificuldade as empresas correm pedir ajuda e não têm qualquer cerimônia em dizer: “devo, não nego, pago quando puder”. E nem sempre pagam.
Uma das maiores caricaturas do liberalismo tupiniquim é o candidato tucano à prefeitura de São Paulo, o empresário João Dória (PSDB). Discípulo do Estado mínimo, só que da boca para fora, Dória quer privatizar o centro de eventos do Anhembi e o estádio do Pacaembu porque seria preciso enxugar o governo e abrir espaço para a iniciativa privada, segundo ele.
Mas emails vazados pela imprensa mostraram que o mesmo Dória recebeu quase R$ 1 milhão da Apex (agência federal de fomento a exportações), que era chefiada por um amigo seu, para organizar encontros de empresários no exterior. Dória chegou inclusive a pedir um favorzinho: um financiamento para exposições no exterior de sua mulher, Bia Dória, que se apresenta como artista plástica. Ou seja, liberal tupiniquim reclama de Bolsa Família mas adora um Bolsa Empresário.
E não bastasse serem hipócritas no discurso econômico, os liberais tupiniquins ainda dão o golpe no discurso do liberalismo dos costumes. Para liberais de verdade, o indivíduo é livre pra tocar sua vida e o Estado não deve se intrometer nas escolhas particulares. Já para os liberais tupiniquins, casamento gay não pode, aborto não pode, nova política de drogas não pode. A farsa não tem limites.
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