Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ao anunciar seu voto contra Dilma Rousseff na Comissão sobre o Impeachment, o senador Cristovam Buarque optou por desempenhar um triste papel no atual momento político brasileiro.
Disse, sem que ninguém lhe tivesse perguntado - sequer é membro efetivo da Comissão - que não iria “votar com medo nem mesmo de ser chamado de golpista.”
No mesmo contexto, o senador repetiu a ideia. Disse “não sou covarde para, com medo desse nome (golpista), decidir meu voto.”
Em dezembro de 1968, presente à macabra reunião do Conselho de Segurança Nacional, que aprovou o AI-5, medida que atirou o Brasil na treva vergonhosa da ditadura escancarada que só seria derrotada em 1985, o coronel Jarbas Passarinho, ministro da Educação do regime militar, fez uma intervenção que entrou para a História.
“Às favas com todos os escrúpulos de consciência”, disse Passarinho, numa frase, como a de Cristovam, mais importante por aquilo que escondia do que pelo que mostrava.
O que estava em debate, naquele momento, era a abolição das últimas garantias constitucionais – como o habeas corpus – que serviam de entrave à tortura no porão militar. Esta era a questão da época: a resistência à ditadura ganhara volume, em grandes mobilizações de rua e também através de organizações armadas, adversárias que o regime pretendia destruir de qualquer maneira.
Os escrúpulos que o coronel-ministro pretendia afastar eram partilhados por uma parcela importante dos aliados do golpe de 64, que, conscientes do rumo dos acontecimentos, já tinham percebido a natureza real do regime criado após a saída de João Goulart. Era necessário evitar culpas e remorsos que poderiam prejudicar o desempenho de missões fora da lei.
Sete meses depois da frase de Passarinho, nascia a Operação Bandeirante, OBAN, organização formada por militares e policiais, com apoio da mais fina flor da FIESP, FEBRABAN e adjacências, que se dedicou a caçar, prender, e executar, quando se julgasse necessário, adversários que faziam oposição ao regime. O resto é história e vergonha.
A intervenção de Cristovam Buarque, ao dizer que não tinha medo de ser chamado de golpista e que não é covarde, é um típico exercício de quem pretende diminuir receios e aliviar temores.
Para quem seguiu de perto os bastidores de Brasília, onde os aliados de Dilma travam uma luta de vida ou morte para conquistar os 6 votos que lhe faltam para derrotar o impeachment, enquanto o Planalto de Michel Temer compromete o orçamento de Henrique Meirelles com promessas, empregos, verbas e o que mais for necessário (“as favas todos os escrúpulos de consciência”), o discurso do senador atende a uma necessidade particular. Entre murmúrios e sussurros, até a véspera ele era visto como um possível voto contra o impeachment.
Viu-se, ontem, que preparava um pronunciamento de estilo clássico. Consiste em apresentar como ato de coragem uma decisão que não tem mérito algum, pois limita-se a assegurar sustentação à derrubada de uma presidente eleita, contra a qual não se apontou um crime de responsabilidade, num processo movido por um rolo compressor corrupto, cujo engenheiro é o suiço Eduardo Cunha e o arquiteto, Michel Temer.
Por essa razão o senador tentou embelezar a posse do governo interino ao comparar o processo em curso, em 2016, com o golpe militar de 1964 e o impeachment de Fernando Collor, em 1992. Disse que o afastamento de Dilma conta com garantias que não foram respeitadas no passado.
Errou nas duas vezes – erros convenientes, sob encomenda para enfeitar o papel que pode ser chamado a desempenhar, como avalista do golpe, mais um “ex-petista" de quem se diz que sabe das coisas “porque esteve lá.”
Em 1992 o afastamento de Collor foi uma causa que uniu o país, um consenso que jamais se repetiu em 2016. A diferença, 24 anos depois, não é casual. É um reflexo gritante da falta de elementos de prova para o afastamento de Dilma, coisa que o próprio Cristovam se dispensou apontar, ontem, dizendo que mais tarde iria explicar-se sobre o ponto fundamental em debate.
Em 1964, João Goulart enfrentou um golpe militar, que incluiu o já inescrupuloso apoio de uma frota naval montada em Washington para prestar auxílio aos rebeldes em caso de guerra civil.
A coreografia das rupturas políticas do passado não deveria confundir políticos experientes e orgulhosos de sua cultura, como um antigo reitor da Universidade de Brasília.
O primeiro ministério de Benito Mussolini, que instaurou uma ditadura de 20 anos, foi constituído dentro da mais perfeita legalidade formal. Enquanto as hordas fascistas atacavam trabalhadores e lideranças democráticas, o rei Dom Vitório Emanuel deu curso à sua prerrogativa constitucional e encarregou Mussolini de montar um novo governo. Na Alemanha dos anos 30, a ascensão de Adolf Hitler foi autorizada pelos votos do Partido Nazista que, sem fazer a maioria do eleitorado, ficou em primeiro lugar na votação de 1933 e a partir de então organizou uma série de truculências e brutalidades para manter-se no poder até a chegada das tropas soviéticas a Berlim.
Ao anunciar seu voto contra Dilma Rousseff na Comissão sobre o Impeachment, o senador Cristovam Buarque optou por desempenhar um triste papel no atual momento político brasileiro.
Disse, sem que ninguém lhe tivesse perguntado - sequer é membro efetivo da Comissão - que não iria “votar com medo nem mesmo de ser chamado de golpista.”
No mesmo contexto, o senador repetiu a ideia. Disse “não sou covarde para, com medo desse nome (golpista), decidir meu voto.”
Em dezembro de 1968, presente à macabra reunião do Conselho de Segurança Nacional, que aprovou o AI-5, medida que atirou o Brasil na treva vergonhosa da ditadura escancarada que só seria derrotada em 1985, o coronel Jarbas Passarinho, ministro da Educação do regime militar, fez uma intervenção que entrou para a História.
“Às favas com todos os escrúpulos de consciência”, disse Passarinho, numa frase, como a de Cristovam, mais importante por aquilo que escondia do que pelo que mostrava.
O que estava em debate, naquele momento, era a abolição das últimas garantias constitucionais – como o habeas corpus – que serviam de entrave à tortura no porão militar. Esta era a questão da época: a resistência à ditadura ganhara volume, em grandes mobilizações de rua e também através de organizações armadas, adversárias que o regime pretendia destruir de qualquer maneira.
Os escrúpulos que o coronel-ministro pretendia afastar eram partilhados por uma parcela importante dos aliados do golpe de 64, que, conscientes do rumo dos acontecimentos, já tinham percebido a natureza real do regime criado após a saída de João Goulart. Era necessário evitar culpas e remorsos que poderiam prejudicar o desempenho de missões fora da lei.
Sete meses depois da frase de Passarinho, nascia a Operação Bandeirante, OBAN, organização formada por militares e policiais, com apoio da mais fina flor da FIESP, FEBRABAN e adjacências, que se dedicou a caçar, prender, e executar, quando se julgasse necessário, adversários que faziam oposição ao regime. O resto é história e vergonha.
A intervenção de Cristovam Buarque, ao dizer que não tinha medo de ser chamado de golpista e que não é covarde, é um típico exercício de quem pretende diminuir receios e aliviar temores.
Para quem seguiu de perto os bastidores de Brasília, onde os aliados de Dilma travam uma luta de vida ou morte para conquistar os 6 votos que lhe faltam para derrotar o impeachment, enquanto o Planalto de Michel Temer compromete o orçamento de Henrique Meirelles com promessas, empregos, verbas e o que mais for necessário (“as favas todos os escrúpulos de consciência”), o discurso do senador atende a uma necessidade particular. Entre murmúrios e sussurros, até a véspera ele era visto como um possível voto contra o impeachment.
Viu-se, ontem, que preparava um pronunciamento de estilo clássico. Consiste em apresentar como ato de coragem uma decisão que não tem mérito algum, pois limita-se a assegurar sustentação à derrubada de uma presidente eleita, contra a qual não se apontou um crime de responsabilidade, num processo movido por um rolo compressor corrupto, cujo engenheiro é o suiço Eduardo Cunha e o arquiteto, Michel Temer.
Por essa razão o senador tentou embelezar a posse do governo interino ao comparar o processo em curso, em 2016, com o golpe militar de 1964 e o impeachment de Fernando Collor, em 1992. Disse que o afastamento de Dilma conta com garantias que não foram respeitadas no passado.
Errou nas duas vezes – erros convenientes, sob encomenda para enfeitar o papel que pode ser chamado a desempenhar, como avalista do golpe, mais um “ex-petista" de quem se diz que sabe das coisas “porque esteve lá.”
Em 1992 o afastamento de Collor foi uma causa que uniu o país, um consenso que jamais se repetiu em 2016. A diferença, 24 anos depois, não é casual. É um reflexo gritante da falta de elementos de prova para o afastamento de Dilma, coisa que o próprio Cristovam se dispensou apontar, ontem, dizendo que mais tarde iria explicar-se sobre o ponto fundamental em debate.
Em 1964, João Goulart enfrentou um golpe militar, que incluiu o já inescrupuloso apoio de uma frota naval montada em Washington para prestar auxílio aos rebeldes em caso de guerra civil.
A coreografia das rupturas políticas do passado não deveria confundir políticos experientes e orgulhosos de sua cultura, como um antigo reitor da Universidade de Brasília.
O primeiro ministério de Benito Mussolini, que instaurou uma ditadura de 20 anos, foi constituído dentro da mais perfeita legalidade formal. Enquanto as hordas fascistas atacavam trabalhadores e lideranças democráticas, o rei Dom Vitório Emanuel deu curso à sua prerrogativa constitucional e encarregou Mussolini de montar um novo governo. Na Alemanha dos anos 30, a ascensão de Adolf Hitler foi autorizada pelos votos do Partido Nazista que, sem fazer a maioria do eleitorado, ficou em primeiro lugar na votação de 1933 e a partir de então organizou uma série de truculências e brutalidades para manter-se no poder até a chegada das tropas soviéticas a Berlim.
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