Foto: Miguel Schincariol/AFP |
"Dilma insufla ódio", diz o secretário de Redação da Folha de S.Paulo, Vinícius Mota, num artigo cheio de delírios paranoicos e escrito com uma terminologia retrô que parece saída do túnel do tempo.
Possuído pelo espírito do senador americano Joseph McCarthy, Mota denuncia supostos planos da "elite vermelha" (!) para — inspirada nas "derivações subletradas do marxismo" — promover a violência política e o "prazer estético pela depredação", deixar "mortos e feridos" e produzir um "banho de sangue"; mas, ao mesmo tempo, justifica a violência real, não imaginária, que as polícias militares produzem diariamente há décadas no país.
Isso mesmo: enquanto uma jovem é cegada em São Paulo pela polícia por protestar pacificamente contra o golpe de Estado e dezenas de pessoas, em diferentes cidades, são detidas sem motivo, espancadas nas ruas e vitimadas pela violência de um poder público fora de controle que age no vácuo da legalidade, um escriba orgânico dos golpistas faz historinhas de bicho-papão e comunistas que comem criancinhas. Esse filme a gente já assistiu há muitas décadas e não preciso dar spoilers para que vocês saibam como continua.
O senhor quer falar sobre o ódio? Falemos, então. Mas falemos sério, com honestidade intelectual.
Ódio é o que boa parte da imprensa plutocrata desse país promoveu ao longo dos últimos 12 anos e ainda promove, tentando associar todos os males sistêmicos do nosso sistema político (entre eles, a corrupção que gangrena as estruturas do estado, dos partidos, da polícia, da imprensa, das empresas e até do judiciário) a um único partido, fazendo uma cobertura parcial e tendenciosa das notícias que coloca alguns culpados na manchete de capa e outros na lata de lixo da redação. Aliás, essa imprensa não aprendeu, depois de ter apoiado no passado golpes militares e ditaduras!
Ódio é o que promovem os grupelhos fascistas que, nos últimos anos, construíram verdadeiras redes criminosas na internet, dedicadas a espalhar notícias falsas, acusações caluniosas, racismo, machismo, homofobia, xenofobia e todas as formas de preconceito, incitando à violência e promovendo o assassinato de reputação de pessoas honestas por meio da injúria e da difamação — grupelhos aos quais a Folha de S.Paulo deu uma coluna, escrita por um analfabeto político transformado em figura pública pela força da grana dos grupos econômicos que promoveram o golpe.
Ódio é o que provocaram editoriais desse jornal que cobravam mais repressão contra as manifestações cidadãs que não coincidiam com sua linha editorial (porque as que coincidem são tratadas como legítimas expressões da indignação do povo). Editoriais, aliás, que serviram para justificar uma brutalidade policial que atingiu, inclusive, jornalistas desse veículo, trabalhadores que não têm a culpa dos delírios autoritários dos editorialistas.
Ódio é o que se expressa nos ataques contra artistas e políticos em lugares públicos, como livrarias, restaurantes e voos comerciais — lembremos, por exemplo, o que aconteceu com o cantor Chico Buarque, com o ex-senador Eduardo Suplicy e com o ex-ministro Alexandre Padilha —, resultado da campanha raivosa de estigmatização da esquerda, da qual o artigo do senhor Mota é um exemplo paradigmático.
Ódio é o que promovem os pastores fundamentalistas e os políticos fascistas contra a população LGBT e outras minorias, cujos direitos são ameaçados pela chegada dessa quadrilha de homofóbicos ao poder, através do golpe apoiado por parte da imprensa brasileira.
É inacreditável a opção deliberada pela desonestidade intelectual e pela demonização do outro. É inacreditável que em tempos de redes sociais digitais na internet, a Folha adote essa postura em nome dos interesses econômicos e financeiros de seus donos.
É hora de questionar as pessoas sérias que lá trabalham ou que pra lá escrevem se elas continuarão sendo coniventes com isso? Quantas mais além de Gregório Duvivier se pronunciarão claramente contra esse jornalismo? Há anos eu não concedo entrevistas para a Veja nem para a Jovem Pan, e fiz o mesmo, por um tempo, quando O Globo se transformou num panfleto de baixo nível ocupado em difamar Marcelo Freixo. O mesmo farei com a Folha.
Eles podem alegar que minha atitude não significa nada para eles. Será mesmo? E se todas as pessoas de bom senso e democráticas começarem a se recusar a falar com esses veículos? E se mais pessoas cancelarem assinaturas do moribundo jornal impresso, mas também de sua versão online? O que eu posso dizer é que não perdi nada deixando de falar com certos veículos! Nada! O que eu posso dizer é que podemos nos comunicar sem eles!
Não vamos deixar que eles, que tanto ódio promovem, acusem a gente de fazer isso. Nós não temos ódio. Nós lutamos pela solidariedade, pela justiça social, pela fraternidade, pela igualdade, pela liberdade, pelos direitos humanos.
Nós queremos um país que respeite todas as formas de amor, que não discrimine nenhuma forma de crença ou descrença, que permita que o pão chegue a todas as mesas, que assegure o futuro para a juventude.
O que nos move não é o ódio, mas a utopia de um mundo e um país mais justos que vocês, senhor Mota, sempre tentaram impedir.
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