Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Num país obrigado a procurar caminhos para livrar-se de Michel Temer e escolher seu sucessor em urna, pelo voto direto, interrompendo um processo de destruição de direitos e ameaças crescentes a soberania do país, os brasileiros podem encontrar lições úteis na luta política que produziu a derrocada de Richard Nixon, o presidente norte-americano forçado a deixar a Casa Branca em 1974.
Ignorando, por um minuto, as imensas distâncias econômicas, políticas e geo-políticas entre os dois países e os dois personagens, é possível encontrar traços razoáveis de semelhança entre o Temer que prometeu resistir com todas as forças a toda tentativa de afastá-lo do cargo, mesmo em caso de decisão judicial, e o comportamento de Nixon no último ano de governo, quando sua permanência na presidência mostrou-se insustentável. Há muita diferença mas um razoável número de semelhanças no esforço de dois presidentes capazes de mobilizar - de qualquer maneira - o conjunto das forças do Estado para garantir a própria sobrevivência.
A saída de Nixon costuma ser descrita como "renúncia", palavra presente na Constituição de quase todos os países, e que transmite a ideia de um ato voluntário, mas não foi isso o que ocorreu. O episódio mostra que a renúncia, na verdade, deve ser entendida como a última carta na manga de um presidente para escapar de uma situação desfavorável e proteger o próprio futuro.
Vitorioso em duas eleições presidenciais, não custa lembrar que Nixon iniciou o segundo mandato com a legitimidade à flor da pele, coisa que Temer jamais possuiu. Venceu o pleito em 50 dos 48 estados americanos, um desempenho histórico.
Um ano e sete meses depois Nixon deixava a Casa Branca, vencido numa luta inútil e vergonhosa para manter-se no cargo, numa operação onde multiplicou lances inescrupulosos e ilegais de toda ordem, inclusive mobilizando dinheiro sem origem para pagar operações clandestinas. Foi um atdo forçado. Enquanto era possível, Nixon exibiu a coreografia de presidente da grande potência imperial do planeta e até patrocinou golpes de Estado. Em setembro de 1973, as suspeitas de envolvimento de seus homens de confiança no caso Watergate já estavam nos jornais e provocavam reações de protesto no país. No dia 11 daquele mês ocorreu o golpe contra Salvador Allende no Chile, episódio onde a Casa Branca, Nixon e seu secretário de Estado, Henry Kissinger, tiveram um papel fundamental. A renuncia ocorreu em julho do ano seguinte.
O presidente dos Estados Unidos rendeu-se quando havia a possibilidade de enfrentar um processo de impeachment num Congresso onde a oposição do Partido Democrata tinha maioria nas duas casas. Ele próprio ainda seria obrigado a enfrentar ações na própria Justiça, após a perda do mandato. Já estavam configurados os crimes de obstrução da justiça e abuso de autoridade.
A trama política que abriu a porta de saída foi um decreto de anistia, envolvendo acusações criminais que o atingiam Nixon diretamente. O pacto permitiu ao presidente salvar a própria pele, num momento em que dois assessores diretos cumpriam pena de prisão e cinco haviam feito confissões a Justiça para escapar de uma condenação criminal em função do escândalo Watergate, frente de batallha onde a Casa Branca sofreu derrotas sucessivas e desde o início operou para ganhar tempo e atrasar investigações. O perdão foi negociado com o vice Gerald Ford e assinado em seu primeiro dia no lugar do titular. Pelo acordo, Nixon livrou-se de todas as acusações já existentes contra ele, como obstrução da justiça e abuso de de poderes. Também ficou previamente livre de qualquer outra denuncia que pudesse aparecer -- e que deveria ser imediatamente arquivada.
A imagem de Nixon na saída da Casa Branca, na porta de um helicóptero, mostra um cidadão de braços abertos e um sinal de paz e amor nas duas mãos, um imenso sorriso nos lábios. A cena mostra um país em busca de pacificação mas, na prática, Nixon deixou o posto como náufrago de uma tragédia em três atos.
Fez um governo de prolongada crise econômica, desemprego alto e crescimento baixo. Nunca foi capaz de dar uma resposta convincente ao principal problema político do país -- a guerra do Vietnã -- o que provocou uma insurreição permanente da juventude e dos setores progressistas da sociedade norte-americana, que encurralaram o governo com protestos amplos e crescentes. Na mesma década de 1960, do festival de Woodstock, cujo lema era Paz e Amor, ocorreram protestos em Washington, um deles com a mobilização de 600.000 pessoas. Em 2500 universidades ocorreram protestos contra a guerra e em pelo menos 10% delas ocorreram confrontos violentos com a polícia.
Neste contexto, Watergate mobilizou as atenções país porque desde o início as investigações trouxeram sinais robustos que apontavam para o envolvimento de homens de confiança do presidente -- nada que os brasileiros não estejam vendo em seu país, vamos combinar. Num esforço para embaralhar as investigações, Nixon chegou a mobilizar a CIA para criar obstáculos ao FBI, que desde o início se encontrava a frente da apuração -- soube-se depois que seu vice diretor foi a fonte principal dos repórteres do Washington Post que deram o furo sobre o caso. Quando surgiram indícios de que o próprio Nixon poderia estar envolvido, o procurador-geral solicitou à Casa Branca que entregasse as gravações que desde a década anterior registram todos os diálogos telefônicos no gabinete do presidente dos Estados Unidos. Nixon enviou uma cópia editada, da qual trechos comprometedores haviam sido eliminados. Em decisão unânime, inclusive com apoio de seu presidente, escolhido pelo próprio Nixon, a Suprema Corte determinou que o presidente entregasse as fitas -- em sua versão original. Em vez de atender a ordem, Nixon refugou, alegando que não iria divulgar informações de natureza confidencial. A Suprema Corte repeliu o argumento e o presidente desistiu. Negociou a renuncia e deixou o cargo 16 dias depois.
Ninguém deve imaginar que neste episódio encontra-se uma fórmula política aplicável em toda parte. Até porque há distinções notáveis entre os personagens e instituições envolvidas. Aqui estão os principais ensinamentos.
Longe do papel que viria a desempenhar em 2000, quando decidiu uma eleição a favor de George W Bush, numa postura abertamente favorável ao candidato republicano, em 1974 a atuação da Suprema Corte honrou a independência da Justiça, dando sequencia a uma exigência natural de toda investigação, que é a busca de provas. Não condenou Nixon, não determinou seu afastamento nem o arquivamento do caso. Fez seu papel sem tomar partido político. O mesmo se pode dizer do FBI e do procurador encarregado do caso. Prestando-se a um serviço de natureza política-partidária, a CIA desmoralizou-se, tornando-se alvo de uma investigação a fundo sobre seus métodos de trabalho.
É um comportamento que marca uma notável diferencia com a condução do processo no Brasil, onde o caráter seletivo dispensa comentários e justificativas. O comportamento messiânico das investigações já preocupa até mesmo grandes aliados da Lava Jato, como seu principal porta-voz nos meios jurídicos, o jornal Estado de S. Paulo, que nas últimas semanas elevou o tom de críticas que até agora pareciam limitadas aos aliados do PT. "Num momento em que a justa indignação nacional contra a corrupção começa a alimentar a irracionalidade de paixões pretensamente moralizantes, o império da lei passa a ser visto como óbice e não como condição indispensável ao progresso e à justiça social." Braço civil do golpe de 64, o Estadão levou quatro anos -- até o AI-5 -- para consumar um afastamento com os militares que derrubaram João Goulart. É sintomático que essa visão seja veiculada agora. Passaram-se apenas quatro meses desde a instalação definitiva da ordem que levou Temer ao Planalto, processo definido como "encenação" por Joaquim Barbosa, como "truculento" pelo professor Oscar Vilhena Vieira, da FGV.
Nesta situação, o caráter dependente e subalterno do governo Temer, que impõe ao país que uma depressão que não tem a ver com uma recessão convencional, mas é um processo deliberado de destruição estrutural de instrumentos de crescimento econômico e bem-estar social, joga contra sua sobrevivência. Suas contradições já se tornaram visíveis na reação popular contra o desmonte dos governos estaduais, instituições legítimas da República, com uma função insubstituível na prestação de serviços públicos procurados pela maioria da população. Um primeiro alerta já foi exibido na aprovação da PEC 55, por uma margem de votos ínfima diante de votações anteriores.
No Brasil de 2016, a mobilização popular e a resistência dos setores atingidos diretamente por medidas anti-sociais do governo deve desempenhar um papel ainda mais importante nos rumos da crise. Ao tentar abrir o mercados das aposentadorias ao setor privado, o governo provocou uma reação nacional de indignação, que mobiliza inclusive sindicatos que se mobilizam a seu favor. Ali, na reforma da Previdência, Temer pode encontrar o Vietnã que vai assinalar o fim de seu governo.
Num país obrigado a procurar caminhos para livrar-se de Michel Temer e escolher seu sucessor em urna, pelo voto direto, interrompendo um processo de destruição de direitos e ameaças crescentes a soberania do país, os brasileiros podem encontrar lições úteis na luta política que produziu a derrocada de Richard Nixon, o presidente norte-americano forçado a deixar a Casa Branca em 1974.
Ignorando, por um minuto, as imensas distâncias econômicas, políticas e geo-políticas entre os dois países e os dois personagens, é possível encontrar traços razoáveis de semelhança entre o Temer que prometeu resistir com todas as forças a toda tentativa de afastá-lo do cargo, mesmo em caso de decisão judicial, e o comportamento de Nixon no último ano de governo, quando sua permanência na presidência mostrou-se insustentável. Há muita diferença mas um razoável número de semelhanças no esforço de dois presidentes capazes de mobilizar - de qualquer maneira - o conjunto das forças do Estado para garantir a própria sobrevivência.
A saída de Nixon costuma ser descrita como "renúncia", palavra presente na Constituição de quase todos os países, e que transmite a ideia de um ato voluntário, mas não foi isso o que ocorreu. O episódio mostra que a renúncia, na verdade, deve ser entendida como a última carta na manga de um presidente para escapar de uma situação desfavorável e proteger o próprio futuro.
Vitorioso em duas eleições presidenciais, não custa lembrar que Nixon iniciou o segundo mandato com a legitimidade à flor da pele, coisa que Temer jamais possuiu. Venceu o pleito em 50 dos 48 estados americanos, um desempenho histórico.
Um ano e sete meses depois Nixon deixava a Casa Branca, vencido numa luta inútil e vergonhosa para manter-se no cargo, numa operação onde multiplicou lances inescrupulosos e ilegais de toda ordem, inclusive mobilizando dinheiro sem origem para pagar operações clandestinas. Foi um atdo forçado. Enquanto era possível, Nixon exibiu a coreografia de presidente da grande potência imperial do planeta e até patrocinou golpes de Estado. Em setembro de 1973, as suspeitas de envolvimento de seus homens de confiança no caso Watergate já estavam nos jornais e provocavam reações de protesto no país. No dia 11 daquele mês ocorreu o golpe contra Salvador Allende no Chile, episódio onde a Casa Branca, Nixon e seu secretário de Estado, Henry Kissinger, tiveram um papel fundamental. A renuncia ocorreu em julho do ano seguinte.
O presidente dos Estados Unidos rendeu-se quando havia a possibilidade de enfrentar um processo de impeachment num Congresso onde a oposição do Partido Democrata tinha maioria nas duas casas. Ele próprio ainda seria obrigado a enfrentar ações na própria Justiça, após a perda do mandato. Já estavam configurados os crimes de obstrução da justiça e abuso de autoridade.
A trama política que abriu a porta de saída foi um decreto de anistia, envolvendo acusações criminais que o atingiam Nixon diretamente. O pacto permitiu ao presidente salvar a própria pele, num momento em que dois assessores diretos cumpriam pena de prisão e cinco haviam feito confissões a Justiça para escapar de uma condenação criminal em função do escândalo Watergate, frente de batallha onde a Casa Branca sofreu derrotas sucessivas e desde o início operou para ganhar tempo e atrasar investigações. O perdão foi negociado com o vice Gerald Ford e assinado em seu primeiro dia no lugar do titular. Pelo acordo, Nixon livrou-se de todas as acusações já existentes contra ele, como obstrução da justiça e abuso de de poderes. Também ficou previamente livre de qualquer outra denuncia que pudesse aparecer -- e que deveria ser imediatamente arquivada.
A imagem de Nixon na saída da Casa Branca, na porta de um helicóptero, mostra um cidadão de braços abertos e um sinal de paz e amor nas duas mãos, um imenso sorriso nos lábios. A cena mostra um país em busca de pacificação mas, na prática, Nixon deixou o posto como náufrago de uma tragédia em três atos.
Fez um governo de prolongada crise econômica, desemprego alto e crescimento baixo. Nunca foi capaz de dar uma resposta convincente ao principal problema político do país -- a guerra do Vietnã -- o que provocou uma insurreição permanente da juventude e dos setores progressistas da sociedade norte-americana, que encurralaram o governo com protestos amplos e crescentes. Na mesma década de 1960, do festival de Woodstock, cujo lema era Paz e Amor, ocorreram protestos em Washington, um deles com a mobilização de 600.000 pessoas. Em 2500 universidades ocorreram protestos contra a guerra e em pelo menos 10% delas ocorreram confrontos violentos com a polícia.
Neste contexto, Watergate mobilizou as atenções país porque desde o início as investigações trouxeram sinais robustos que apontavam para o envolvimento de homens de confiança do presidente -- nada que os brasileiros não estejam vendo em seu país, vamos combinar. Num esforço para embaralhar as investigações, Nixon chegou a mobilizar a CIA para criar obstáculos ao FBI, que desde o início se encontrava a frente da apuração -- soube-se depois que seu vice diretor foi a fonte principal dos repórteres do Washington Post que deram o furo sobre o caso. Quando surgiram indícios de que o próprio Nixon poderia estar envolvido, o procurador-geral solicitou à Casa Branca que entregasse as gravações que desde a década anterior registram todos os diálogos telefônicos no gabinete do presidente dos Estados Unidos. Nixon enviou uma cópia editada, da qual trechos comprometedores haviam sido eliminados. Em decisão unânime, inclusive com apoio de seu presidente, escolhido pelo próprio Nixon, a Suprema Corte determinou que o presidente entregasse as fitas -- em sua versão original. Em vez de atender a ordem, Nixon refugou, alegando que não iria divulgar informações de natureza confidencial. A Suprema Corte repeliu o argumento e o presidente desistiu. Negociou a renuncia e deixou o cargo 16 dias depois.
Ninguém deve imaginar que neste episódio encontra-se uma fórmula política aplicável em toda parte. Até porque há distinções notáveis entre os personagens e instituições envolvidas. Aqui estão os principais ensinamentos.
Longe do papel que viria a desempenhar em 2000, quando decidiu uma eleição a favor de George W Bush, numa postura abertamente favorável ao candidato republicano, em 1974 a atuação da Suprema Corte honrou a independência da Justiça, dando sequencia a uma exigência natural de toda investigação, que é a busca de provas. Não condenou Nixon, não determinou seu afastamento nem o arquivamento do caso. Fez seu papel sem tomar partido político. O mesmo se pode dizer do FBI e do procurador encarregado do caso. Prestando-se a um serviço de natureza política-partidária, a CIA desmoralizou-se, tornando-se alvo de uma investigação a fundo sobre seus métodos de trabalho.
É um comportamento que marca uma notável diferencia com a condução do processo no Brasil, onde o caráter seletivo dispensa comentários e justificativas. O comportamento messiânico das investigações já preocupa até mesmo grandes aliados da Lava Jato, como seu principal porta-voz nos meios jurídicos, o jornal Estado de S. Paulo, que nas últimas semanas elevou o tom de críticas que até agora pareciam limitadas aos aliados do PT. "Num momento em que a justa indignação nacional contra a corrupção começa a alimentar a irracionalidade de paixões pretensamente moralizantes, o império da lei passa a ser visto como óbice e não como condição indispensável ao progresso e à justiça social." Braço civil do golpe de 64, o Estadão levou quatro anos -- até o AI-5 -- para consumar um afastamento com os militares que derrubaram João Goulart. É sintomático que essa visão seja veiculada agora. Passaram-se apenas quatro meses desde a instalação definitiva da ordem que levou Temer ao Planalto, processo definido como "encenação" por Joaquim Barbosa, como "truculento" pelo professor Oscar Vilhena Vieira, da FGV.
Nesta situação, o caráter dependente e subalterno do governo Temer, que impõe ao país que uma depressão que não tem a ver com uma recessão convencional, mas é um processo deliberado de destruição estrutural de instrumentos de crescimento econômico e bem-estar social, joga contra sua sobrevivência. Suas contradições já se tornaram visíveis na reação popular contra o desmonte dos governos estaduais, instituições legítimas da República, com uma função insubstituível na prestação de serviços públicos procurados pela maioria da população. Um primeiro alerta já foi exibido na aprovação da PEC 55, por uma margem de votos ínfima diante de votações anteriores.
No Brasil de 2016, a mobilização popular e a resistência dos setores atingidos diretamente por medidas anti-sociais do governo deve desempenhar um papel ainda mais importante nos rumos da crise. Ao tentar abrir o mercados das aposentadorias ao setor privado, o governo provocou uma reação nacional de indignação, que mobiliza inclusive sindicatos que se mobilizam a seu favor. Ali, na reforma da Previdência, Temer pode encontrar o Vietnã que vai assinalar o fim de seu governo.
2 comentários:
O bicão MiSHELL (ou MiEXXON) cairá, quando o Tio Sam quiser !!!
Afinal, este Golpe é do P$DB/U$A, ... via Toga (com os militares fazendo que não estão olhando).
Miro, o conversa afiada do Paulo Henrique Amorim estt sob censura?
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