Por Fran Alavina, no site Outras Palavras:
As primeiras ações do plutocrata prefeito de São Paulo são profícuas para se pensar as várias dimensões da intercessão entre o urbano e o político. Suas ações publicitárias fazem do governo municipal um primoroso gestor de imagens, mais do que de ações governamentais. Não se trata tanto do que é feito, mas de mostrar o que se “faz”, remetendo à diferença secular entre a coisa e a sua imagem. É difícil separar o que é publicidade e o que é governo. Remetidos ao campo da imagem, estaremos sempre lidando com simulacros, pois o próprio prefeito é um simulacro: simulacro de trabalhador. A imaginação coletiva é astutamente atraída e cooptada para não poder divisar com clareza a diferença entre ilusão e realidade, entre o feito e o visto. Por isso, as críticas à nova gestão terão que ser dirigidas tanto às imagens, quanto às ações, pois do contrário serão inócuas.
Se em um primeiro momento, a estratégia da gestão de imagens se voltou para a própria figura do prefeito (conforme assinalamos no artigo: Doria: a política sob a forma do ridículo) agora, seguindo a mesma via, não se trata mais da imagem do prefeito, porém da imagem da cidade. E para tanto, Doria apela para uma questão que põe no centro da arena da discussão pública a relação entre estético e político, por meio do tratamento que o novo prefeito tem dado aos pixos e grafites da cidade.
Aqui, se faz necessário ter claro os dois sentidos da palavra estética (o). O primeiro é aquele que remete ao estético como lugar do belo e da arte. Nesse sentido, estético é tudo àquilo que se relaciona à nossa sensibilidade, à criação artística e à beleza como efeito dessa criação. O segundo sentido, mais usual em nosso cotidiano, é apenas sinônimo de cosmética. Éuma vulgarização do primeiro. Fundamenta-se sobre a ditadura dos padrões pré-determinados de beleza, pautando-se por uma alienação dos afetos e um roubo simbólico de nossa sensibilidade. Em um dos sentidos, a beleza e a arte são livres; em outro, a beleza é imposta. Porém, recorde-se que não pode haver beleza nas coisas impostas.
É no âmbito desse segundo sentido que opera o “Programa Cidade Linda”, do prefeito Doria. Seu apelo cosmético é inequívoco. “Cidade Linda” nos remete a um tipo de cosmética peculiar: a cosmética urbana. Mas a função da indústria cosmética é fazer crer que o natural enquanto tal não é plenamente belo: é preciso interferir, como se o nosso corpo fosse um tipo de “borrão” que algumas vezes deve ser apagado; outras, corrigido. Há necessidade dos produtos, das cirurgias e outros acessórios que simulam a ilusão de que a jovialidade é um produto de mercado, como se fosse possível comprá-la. Ademais — por fazer do natural algo incompleto, operando com imposições — trata-se de um tipo de violência: tanto física, quanto simbólica. A cosmética urbana altera o corpo da cidade para tentar forjar um rosto artificial.
É justamente isso que tenta fazer Doria: apagar o autêntico da cidade para dar lugar aos simulacros de sua gestão, operando um tipo de violência material e simbólica. Material, uma vez que é feita nas ruas; simbólica, posto que se trata de alterar nossa relação afetiva com a cidade. Neste programa, o “Cidade Linda”, o prefeito não precisa se fantasiar, mas fantasiar a cidade, manuseando uma imagem que nos é dada como uma coisa óbvia em nossa relação imediata com o urbano: a existência dos pixos e grafites. Nesse caso, Doria explora o máximo possível a manipulação do visível. Sua máquina de criar simulacros nos quer fazer crer que os pixos e os grafites são os reais culpados por uma cidade feia. Sua retórica demagógica joga com o senso comum, empobrecendo o debate sobre a relação entre o artístico e o urbano.
Por um lado, com a desculpa senso-comum de que os pixos e os grafites enfeiam a cidade, o prefeito os reduz a simples elementos estéticos, como se essas expressões artísticas fossem desprovidas de um sentido político.Elas são elementos constitutivos de uma poética do espaço urbano, revelando a cidade como algo não apenas funcional e lugar da homologação. Ao esvaziá-las do sentido político que lhes é inerente, Doria tenta calar as críticas, anulando a expressão do caráter desigual de uma metrópole cada vez mais unidimensional e rancorosa, incapaz de se abrir aos novos sentidos estéticos. Não se trata de uma simples questão estética (cosmética), deixar a cidade “linda”, mas de uma questão política: calar a dissidência e apagar a diferença a fim de criar o simulacro de cidade una e harmônica. Ou seja, uma cidade artificial, de beleza apenas aparente. Tenta-se esconder as marcas de uma urbe excludente, tornando ainda mais invisível suas contradições.
Os pixos e grafites são expressões autênticas dessas contradições, são as veias abertas da metrópole. É natural que as dissidências no interior do corpo da cidade possam se expressar de diferentes modos; impedir isto é um ato de autoritarismo estético e político. A cidade que “caça” os pixos e grafites pode até ser bela, porém será uma beleza cosmética que atestará uma vida democrática horrenda. Entre as coisas não compráveis está um gosto estético apurado.
Reduzindo os pixos e grafites a uma questão estética vulgar, isto é, como se se tratasse apenas de enfeiar ou embelezar a cidade, Doria lhes nega o estatuto de arte. Quando muito, acena que se trata de um tipo de arte menor, consentindo que os grafites existam em lugares indicados e controlados pela prefeitura. Isto é indício que o prefeito tem uma visão aristocrática de arte: reduzindo-a aquele tipo de fruição que se dá nos espaços fechados das galerias e museus, acessível apenas àqueles que podem pagar. Para “quem pode”, a Sala São Paulo; para “quem não pode”, os muros cinzas de uma sinfonia monótona.
Os pixos e grafites, enquanto expressões artísticas de rua, democratizam a relação da cidade com a arte, retirando a criação artística dos espaços fechados e excludentes. Com a implementação do “Projeto cidade linda” temos a afirmação de uma concepção engessada de arte, sem povo, feita para poucos; e, uma concepção de belo uniformizadora que faz da diferença um traço que deve ser apagado. A desigualdade crescente e os lugares de exclusão da cidade parecem não não são coisas feias para o prefeito, pois sua cosmética urbana é uma vulgarização do sentido estético da cidade e uma redução do sentido político da arte de rua. Nele, demagogia e cosmética são uma só coisa.
Certo é que veremos uma usurpação, uma perda da dimensão estética da cidade. O direito à cidade é o direito ao urbano em todas as suas dimensões: material, simbólica, afetiva e estética. Com Doria na prefeitura de São Paulo, a cidade se apresentará com a imagem da metrópole cinza e sorriso amarelo. Por isso, é preciso pintar a cidade com as cores do real! Pois, como já se disse uma vez, só há estética das coisas reais, o resto é cosmética.
As primeiras ações do plutocrata prefeito de São Paulo são profícuas para se pensar as várias dimensões da intercessão entre o urbano e o político. Suas ações publicitárias fazem do governo municipal um primoroso gestor de imagens, mais do que de ações governamentais. Não se trata tanto do que é feito, mas de mostrar o que se “faz”, remetendo à diferença secular entre a coisa e a sua imagem. É difícil separar o que é publicidade e o que é governo. Remetidos ao campo da imagem, estaremos sempre lidando com simulacros, pois o próprio prefeito é um simulacro: simulacro de trabalhador. A imaginação coletiva é astutamente atraída e cooptada para não poder divisar com clareza a diferença entre ilusão e realidade, entre o feito e o visto. Por isso, as críticas à nova gestão terão que ser dirigidas tanto às imagens, quanto às ações, pois do contrário serão inócuas.
Se em um primeiro momento, a estratégia da gestão de imagens se voltou para a própria figura do prefeito (conforme assinalamos no artigo: Doria: a política sob a forma do ridículo) agora, seguindo a mesma via, não se trata mais da imagem do prefeito, porém da imagem da cidade. E para tanto, Doria apela para uma questão que põe no centro da arena da discussão pública a relação entre estético e político, por meio do tratamento que o novo prefeito tem dado aos pixos e grafites da cidade.
Aqui, se faz necessário ter claro os dois sentidos da palavra estética (o). O primeiro é aquele que remete ao estético como lugar do belo e da arte. Nesse sentido, estético é tudo àquilo que se relaciona à nossa sensibilidade, à criação artística e à beleza como efeito dessa criação. O segundo sentido, mais usual em nosso cotidiano, é apenas sinônimo de cosmética. Éuma vulgarização do primeiro. Fundamenta-se sobre a ditadura dos padrões pré-determinados de beleza, pautando-se por uma alienação dos afetos e um roubo simbólico de nossa sensibilidade. Em um dos sentidos, a beleza e a arte são livres; em outro, a beleza é imposta. Porém, recorde-se que não pode haver beleza nas coisas impostas.
É no âmbito desse segundo sentido que opera o “Programa Cidade Linda”, do prefeito Doria. Seu apelo cosmético é inequívoco. “Cidade Linda” nos remete a um tipo de cosmética peculiar: a cosmética urbana. Mas a função da indústria cosmética é fazer crer que o natural enquanto tal não é plenamente belo: é preciso interferir, como se o nosso corpo fosse um tipo de “borrão” que algumas vezes deve ser apagado; outras, corrigido. Há necessidade dos produtos, das cirurgias e outros acessórios que simulam a ilusão de que a jovialidade é um produto de mercado, como se fosse possível comprá-la. Ademais — por fazer do natural algo incompleto, operando com imposições — trata-se de um tipo de violência: tanto física, quanto simbólica. A cosmética urbana altera o corpo da cidade para tentar forjar um rosto artificial.
É justamente isso que tenta fazer Doria: apagar o autêntico da cidade para dar lugar aos simulacros de sua gestão, operando um tipo de violência material e simbólica. Material, uma vez que é feita nas ruas; simbólica, posto que se trata de alterar nossa relação afetiva com a cidade. Neste programa, o “Cidade Linda”, o prefeito não precisa se fantasiar, mas fantasiar a cidade, manuseando uma imagem que nos é dada como uma coisa óbvia em nossa relação imediata com o urbano: a existência dos pixos e grafites. Nesse caso, Doria explora o máximo possível a manipulação do visível. Sua máquina de criar simulacros nos quer fazer crer que os pixos e os grafites são os reais culpados por uma cidade feia. Sua retórica demagógica joga com o senso comum, empobrecendo o debate sobre a relação entre o artístico e o urbano.
Por um lado, com a desculpa senso-comum de que os pixos e os grafites enfeiam a cidade, o prefeito os reduz a simples elementos estéticos, como se essas expressões artísticas fossem desprovidas de um sentido político.Elas são elementos constitutivos de uma poética do espaço urbano, revelando a cidade como algo não apenas funcional e lugar da homologação. Ao esvaziá-las do sentido político que lhes é inerente, Doria tenta calar as críticas, anulando a expressão do caráter desigual de uma metrópole cada vez mais unidimensional e rancorosa, incapaz de se abrir aos novos sentidos estéticos. Não se trata de uma simples questão estética (cosmética), deixar a cidade “linda”, mas de uma questão política: calar a dissidência e apagar a diferença a fim de criar o simulacro de cidade una e harmônica. Ou seja, uma cidade artificial, de beleza apenas aparente. Tenta-se esconder as marcas de uma urbe excludente, tornando ainda mais invisível suas contradições.
Os pixos e grafites são expressões autênticas dessas contradições, são as veias abertas da metrópole. É natural que as dissidências no interior do corpo da cidade possam se expressar de diferentes modos; impedir isto é um ato de autoritarismo estético e político. A cidade que “caça” os pixos e grafites pode até ser bela, porém será uma beleza cosmética que atestará uma vida democrática horrenda. Entre as coisas não compráveis está um gosto estético apurado.
Reduzindo os pixos e grafites a uma questão estética vulgar, isto é, como se se tratasse apenas de enfeiar ou embelezar a cidade, Doria lhes nega o estatuto de arte. Quando muito, acena que se trata de um tipo de arte menor, consentindo que os grafites existam em lugares indicados e controlados pela prefeitura. Isto é indício que o prefeito tem uma visão aristocrática de arte: reduzindo-a aquele tipo de fruição que se dá nos espaços fechados das galerias e museus, acessível apenas àqueles que podem pagar. Para “quem pode”, a Sala São Paulo; para “quem não pode”, os muros cinzas de uma sinfonia monótona.
Os pixos e grafites, enquanto expressões artísticas de rua, democratizam a relação da cidade com a arte, retirando a criação artística dos espaços fechados e excludentes. Com a implementação do “Projeto cidade linda” temos a afirmação de uma concepção engessada de arte, sem povo, feita para poucos; e, uma concepção de belo uniformizadora que faz da diferença um traço que deve ser apagado. A desigualdade crescente e os lugares de exclusão da cidade parecem não não são coisas feias para o prefeito, pois sua cosmética urbana é uma vulgarização do sentido estético da cidade e uma redução do sentido político da arte de rua. Nele, demagogia e cosmética são uma só coisa.
Certo é que veremos uma usurpação, uma perda da dimensão estética da cidade. O direito à cidade é o direito ao urbano em todas as suas dimensões: material, simbólica, afetiva e estética. Com Doria na prefeitura de São Paulo, a cidade se apresentará com a imagem da metrópole cinza e sorriso amarelo. Por isso, é preciso pintar a cidade com as cores do real! Pois, como já se disse uma vez, só há estética das coisas reais, o resto é cosmética.
0 comentários:
Postar um comentário