A decisão de Celso de Mello, autorizando a posse de Moreira Franco no ministério de Michel Temer, representa um novo passo em falso da mais alta corte de justiça do país.
Nada se pode objetar contra o voto de Celso de Mello - como decisão solitária. O decano do STF também assegurou que, caso venha ser investigado pela Lava Jato, Moreira Franco não estará submetido a Vara Criminal de Sérgio Moro, em Curitiba. Terá direito a foro privilegiado, aos cuidados de Edson Fachin, em Brasília.
A luz da Justiça, Moreira Franco é um cidadão em pleno gozo de seus direitos e não há motivo para que não possa assumir um cargo relevante da República como ministro da Secretaria Geral da Presidência.
O problema é que essa decisão confronta com uma liminar de Gilmar Mendes, que, em abril de 2016, impediu a posse de Lula na Casa Civil de Dilma Rousseff. Como Moreira Franco hoje, nada havia contra Lula naquele momento. Mas Lula foi impedido de tomar posse como ministro e desde Sérgio Moro se encontra em seu encalço.
Verdade que em abril de 2016 ocorreu uma operação da melhor escola de terror político, com a divulgação ilegal de diálogos - também gravados ilegalmente - entre Lula e Dilma. Também foram divulgados conversas entre Lula e outros interlocutores, com comentários privados que assumiram outra conotação quando vieram a público. Ainda foram exibidas conversas de Marisa Letícia e seus familiares, que nada contribuíam para o esclarecimento dos fatos investigados -- mas traziam aquela linguagem chocante de pessoas que conversam com a ilusão de que sua privacidade não está sendo invadida.
Tudo somado em ambiente de denúncia nos telejornais, criou-se um espetáculo de suspeitas - sem prova - contra o ex-presidente. Com esse ambiente artificial, a posse de Lula foi suspensa. O argumento era o mesmo usado para questionar a posse de Moreira Franco: o ministério, aqui, seria um simples desvio de finalidade, destinado a embaraçar a investigação contra Lula.
Reproduziu-se, ontem, uma situação clássica das decisões judiciais recentes, que envolvem lideranças políticas: dois pesos, duas medidas. O desagradável é que isso não é novo.
Já tinha sido assim na AP 470. Enquanto os petistas foram julgados no STF, inclusive aqueles que tinham direito a um julgamento pela primeira instância, os acusados do PSDB tiveram o julgamento desmembrado. Com o passar dos anos, ocorreu aquilo que todos sabiam que iria acontecer. Enquanto o STF aplicou penas duras mesmo para provas fracas contra aqueles envolvidos no esquema do PT, o desmembramento assegurou uma longa vida de liberdade aos réus do PSDB. Até hoje a maioria não recebeu a sentença definitiva, nenhum foi conduzido para a cadeia e boa parte conta os dias que faltam para sua pena prescrever.
Na etapa final, quando estavam a caminho de cumprir sua pena, os acusados tucanos que enfrentaram julgamento no STF renunciaram ao mandato parlamentar e puderam reiniciar o percurso judicial na primeira instância.
Além da opinião que se possa ter sobre Lula e Moreira Franco, não há argumento plausível para sustentar que havia uma diferença substancial entre os direitos de um e de outro. Eram casos rigorosamente iguais.
Um tratamento tão diferenciado, quando passaram apenas dez meses entre uma decisão e outra, coloca péssimos presságios para o papel do STF, num momento em que o tribunal se prepara para encarar as delações premiadas da Odebrecht e demais empreiteiras. A grande novidade, nesta fase atual, não são denúncias envolvendo lideranças ligadas a Lula e ao PT, em boa parte já cumprindo pena, mas nomes graúdos do PMDB, do PSDB e de outras legendas. Estamos no caminho de dois mensalões?
A observação de que os dois casos envolveram foram decisões opostas, envolvendo ministros diferentes, pode ser útil para a biografia de ambos. Poderá animar grandes debates futuros, dentro e fora da academia.
O veredito da realidade prática, contudo, é outro. Mostra um tribunal incapaz de funcionar coletivamente, com dificuldades cada crescentes para construir uma jurisprudência própria, parte necessária da formação de todo Estado Democrático de Direito.
Num país onde a Constituição diz que não há crime sem lei anterior que o defina, todo cidadão - seja candidato a ministro ou não - tem o direito de saber a diferença entre o certo e o errado. Pela decisão de ontem, a decisão para um não valeu para o outro.
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