Por Laura Capriglione, de Caracas, no site dos Jornalistas Livres:
Desde abril deste ano, a oposição venezuelana tem promovido protestos diários nas principais cidades do país, que invariavelmente terminam em violência e depredação. Já se conta em mais de uma centena os mortos em episódios de barbárie que incluem dois queimados vivos, um linchamento, um degolado, oito eletrocutados em saques, além de seis soldados e policiais das forças de segurança assassinados.
Mas não há mal que não possa piorar. O presidente Nicolás Maduro Moros, chefe do governo da Venezuela, enfrentará neste domingo (16/julho) mais um difícil desafio, colocado pela oposição organizada na Mesa Unida Democrática, o MUD. Trata-se de plebiscito organizado de modo a recolher um rotundo “Não” ao herdeiro político de Hugo Chávez e à sua proposta de realização, no próximo dia 30 de julho, de eleições para a nova Assembleia Constituinte da Venezuela.
Esta será uma consulta popular que o partido chavista não reconhece e da qual não participa, já que organizada, gerida e fiscalizada por um consórcio de cinco reitores universitários de oposição, em detrimento do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), o Tribunal Superior Eleitoral venezuelano.
O governo acredita que o plebiscito deste domingo, por não ter garantia alguma contra fraudes, seja o espaço mais propício para a fabricação de uma impostura eleitoral amplamente desfavorável a Maduro e à continuidade do governo bolivariano. De posse dos “resultados” do plebiscito, a direita tentará deslegitimar o processo Constituinte convocado pelo presidente, ao mesmo tempo em que deverá fazer recrudescer a violência.
No Brasil, previsivelmente, os órgãos de imprensa tradicionais satanizam a Revolução Bolivariana, acusando-a de violência desproporcional, de ser uma Ditadura de tipo castrista, de ser responsável por uma guerra civil nos moldes da que toca a Síria sob o regime de Bashar Al Assad.
Raríssimas são as chances de escutar os argumentos chavistas –trata-se do velho recurso da invisibilização, sempre usado pela mídia convencional contra seus adversários políticos.
Neste encontro com o chavista Jesús Silva, 37 anos, advogado constitucionalista e professor da Universidade Central de Venezuela (UCV), os leitores brasileiros terão a possibilidade de conhecer a forma com que o governo bolivariano pretende aprofundar a Democracia Socialista do país e entender por que o chavismo chama de “terroristas” os movimentos encabeçados pela Direita.
Por que o senhor chama a oposição de "terrorista"?
Não há um consenso entre especialistas para definir o que é terrorismo, mas eu me atrevo a propor um conceito breve. E me apoio na legislação venezuelana para isso. Trata-se basicamente do uso de violência com fins políticos. Isto é o que ocorre quando uma pessoa ou um grupo de pessoas comete atos violentos —que podem incluir o assassinato— com o objetivo de forçar o governo/Estado a fazer ou deixar de fazer determinados atos.
Aqui na Venezuela, os dirigentes oposicionistas convocam “manifestações pacíficas” entre aspas, já que sempre terminam com mortos e feridos, além da destruição. O objetivo é o de forçar o governo a aceitar suas exigências, entre as quais se contam a antecipação das eleições presidenciais e a renúncia do presidente [Nicolás Maduro], ainda que a ele reste mais de um ano de mandato… Ora, isto é terrorismo: uma violência letal, com a finalidade de submeter o Estado. Nossa Constituição, em sintonia com tratados internacionais, diz que a manifestação é um direito humano, que é um direito civil e político. Mas, evidentemente, essa manifestação deve ser sem violência e sem armas.
Nos últimos seis meses, todas as manifestações da oposição –que não são nem espontâneas, nem livres, ao contrário do que apregoa a mídia burguesa–, foram convocadas por uma unidade política, a Mesa de Unidade Democrática (MUD). Também ao contrário do que diz a grande mídia, essas manifestações não são “pacíficas” já que todas incluem violência e armas nas mãos dos manifestantes. Pois bem, na medida em que essas manifestações que se dizem “pacíficas”, mas encobrem terroristas, perdem o apoio popular, o núcleo terrorista, aquele composto por indivíduos mascarados e armados, se faz mais violento.
Recentemente vimos imagens que mostram essas pessoas usando explosivos contra sete guardas nacionais, que ficaram queimados. Então, não estamos em presença de manifestações pacíficas… não estamos em presença de um rio humano que é produto de uma grave crise econômica e social, que sai às ruas por fome, a reclamar que o governo tome providências. Não! Trata-se de uma estrutura complexa, que inclui uma unidade de mando, a Mesa de Unidade Democrática, que convoca, promove e faz a agenda. É a cabeça.
Conjuntamente com essa cabeça, há massas de pessoas, uma quantidade não desprezível —temos de reconhecer–, que são os verdadeiros manifestantes. É gente que odeia o chavismo, que odeia o governo, mas que não está armada.
Por fim, rodeados por esses manifestantes, estão os bandos armados. São pessoas que têm armas de fogo ou artesanais, são os que usam máscaras ou capuzes e são as pessoas que atacam nossos soldados, guardas nacionais e policiais. Também atacam manifestantes chavistas ou simples pedestres que eles identifiquem como um chavista ou partidário do governo. Geralmente são pessoas pobres, afrodescendentes, gente com camisas vermelhas. Os tais bandos armados atacam como terroristas, queimam, torturam, assassinam.
Esta é a estrutura do terrorismo na Venezuela. Um terrorismo de novo tipo, porque se fundamenta em uma aparência de “manifestação pacífica”, mas que termina com indivíduos fortemente armados atacando gente inocente e os efetivos de segurança.
Poder-se-ia argumentar que essas pessoas só estão se defendendo de uma repressão brutal de um suposto Estado Malfeitor Bolivariano. Mas, se assim fosse, estes senhores fortemente armados não atacariam as forças de segurança antes que se produzisse qualquer ato de contenção.
E aqui é necessário fazer uma diferenciação. Uma coisa é a contenção, que é fazer frente a uma violência aberta por manifestantes. Outra coisa é a repressão, que é quando um Estado Malfeitor e inimigo dos Direitos Humanos agride aqueles que não estão cometendo nenhum ato de violência.
Insisto nesta questão da violência, porque creio que a situação midiática internacional nos é negativa. Creio inclusive que em países que são nossos amigos há a crença de que o Estado venezuelano está se excedendo no uso da força para reprimir manifestações pacíficas. Morderam o anzol.
Recentemente tivemos um helicóptero que disparou 15 vezes contra nosso Supremo Tribunal de Justiça. E isso não mereceu destaque e nem a condenação internacional. Mas um grupo de indivíduos não-identificados entra no Parlamento, enfrenta os deputados da oposição e, em menos de 20 minutos, a CNN em inglês apresenta o fato como uma grande notícia contra o governo bolivariano. A verdade é que eles têm aparatos de informações, têm redes que funcionam com maior velocidade do que as nossas –se é que nós temos essas redes.
O insignificante, nas mãos deles, torna-se grandioso. Já o ataque que sofremos, um ato claramente terrorista cometido por pessoa identificada e notório inimigo do governo, passa despercebido.
Qual a possibilidade de se recuperar o debate político na Venezuela?
Perdemos o espaço do debate político na Venezuela, como produto da ação do inimigo. Estamos no plano do tudo ou nada. Estamos no plano das reações, das agressões. Não estamos no plano da discussão de ideias. Porque o inimigo político de nosso governo, de nosso povo e do socialismo quer uma discussão primitiva. Quer a polarização, a naturalização da violência como forma de fazer política.
As redes sociais, o Twitter, o Facebook, o Instagram, o Whatsapp etc. mostram que chegamos a uma etapa de naturalização da violência. Que é o ambiente mais cômodo para o terrorismo. Aqui se mata um guarda nacional e temos milhares e milhares de venezuelanos que celebram este ato. Por quê?
Porque a cúpula da oposição instalou suas idéias, seus sofismas, sua falsa racionalidade para induzir ao erro. Por exemplo: se um guarda é assassinado, está-se matando um esbirro, uma pessoa que se dedica profissionalmente a executar ordens violentas de uma autoridade, um agente a serviço do regime castro-comunista. Portanto, esse homicídio transforma-se em um ato de justiça do povo. Tinha de matar! Foi merecido!
Esta é a mensagem que os grandes meios repetem todos os dias: Sempre a violência do lado opositor é justa. Enquanto isso, a que é cometida pelos efetivos militares em legítima defesa será injusta.
Eles mandam kamikazes para atacar as bases militares, provocam com violência os soldados, lançam bombas incendiárias para queimar os edifícios públicos… E, quando o efetivos militares respondem, bem, aí os grande meios dizem que ocorre um crime de Estado. Mas o que há é o legítimo direito de defesa! Em nenhum tratado internacional se estabelece que os soldados de qualquer parte do mundo devem se deixar assassinar por terroristas. O que se exige, na legítima defesa, é o uso proporcional da força, de acordo com o ataque que se recebe. Se você me ataca com um pau, eu não posso me defender com uma granada. Mas, se você me ataca com qualquer coisa que possa me matar, eu posso, seja militar ou civil, responder em legítima defesa.
Em 1989, houve manifestações na Venezuela [contra o governo de Carlos Andrés Perez], por causa de um pacote de medidas neoliberais que liberava os preços e promovia privatizações maciças. O povo saiu às ruas. Em aproximadamente três dias, a repressão aplicada pelo governo de então matou 3.000 pessoas, grande parte assassinada pelas costas. Eu acho que qualquer morte é lamentável; não há um número bom e um número mau. Mas precisamos ter as proporções exatas do que está ocorrendo. Estamos há 100 dias com confrontos diários por causa das provocações dos terroristas e temos 100 mortos.
O que é a Assembleia Constituinte convocada por Nicolás Maduro?
A Assembléia Nacional Constituinte deve ser um grande fórum político em que participem setores da sociedade venezuelana de diversos âmbitos. Não é casualidade que o método eleitoral para escolher os membros da Constituinte inclua precisamente o que, no Direito Constitucional Espanhol, se conhece por “discriminação positiva”. Trata-se, por um lado de reconhecer que os grupos socialmente vulneráveis não têm igual possibilidade de participar de entidades políticas. De outro lado, trata-se de criar os mecanismos para que as diferentes classes e setores sociais possam ser representadas. Quer dizer, quanto mais desvantagem sofre um setor social, mais necessária é a discriminação positiva, dando-lhe mecanismos para ele se iguale.
É preciso reconhecer que é ficcional a igualdade em uma sociedade que é profundamente desigual. Não têm a mesma possibilidade de ser membro da Constituinte (caso ela seja eleita pelo voto universal, burguês, classicamente conhecido) o operário e o patrão; o dono dos meios de comunicação e o trabalhador da fábrica, por exemplo.
A direita venezuelana diz que a Assembleia Nacional Constituinte convocada pelo presidente Nicolás Maduro tem um método eleitoral desigual, que está a serviço do partido do governo, que seria uma afronta ao voto universal, direto e secreto. Mas eu reivindico essa metodologia porque, no passado, nosso parlamento, nossa assembleia nacional, nosso congresso, foram claramente órgãos políticos com uma hegemonia de empresários, de donos de meios de comunicação, de proprietários dos meios de produção e obviamente esses parlamentos do passado (me refiro ao período que antecedeu à chegada de Hugo Chávez ao poder) foram parlamentos a serviço do capitalismo, da privatização, do neoliberalismo.
Esta metodologia proposta por Maduro tem embasamento jurídico na Carta Magna vigente, já que aprofunda a possibilidade de participação dos setores excluídos – operários, indígenas, camponeses, pescadores, estudantes, pessoas com deficiências, aposentados e membros de conselhos comunais, que são formas de organização popular para uma democracia direta.
Trata-se claramente de uma igualdade por diferenciação. Dará a possibilidade de disputar uma vaga na Constituinte aos setores que historicamente foram preteridos por sua condição sócio-econômica. Este é o enfoque favorável ao proletariado, favorável à classe social do trabalho, frente ao enfoque clássico, liberal e burguês de que todos pode se eleger e todos têm uma igualdade automática para concorrer nas eleições.
Sabemos que todas as democracias classicamente conhecidas são plutocráticas, já que sempre favoráveis a quem tem mais dinheiro para fazer mais propaganda. Já se sabe que quem é mais pobre perde a possibilidade de fazer mais propaganda e, portanto, de alcançar votos.
A assembleia constituinte com esta ampla oportunidade de participação conferida a todos os setores da sociedade venezuelana servirá para esse grande reencontro nacional dos 30 milhões de venezuelanos e não apenas aqueles que serão eleitos em diferentes setores sociais. Uma vez instalada a Constituinte, é preciso que se estabeleça um regime de trabalho de modo a que diferentes grupos e movimentos sociais participem, proponham, discutam, critiquem e reclamem. E que, nestes seis ou 12 meses que dure essa Constituinte, haja um grande encontro nacional. Isso não pode ser feito por um partido, mas sim por uma constituinte que seja a máxima representação do povo.
E, se a cúpula da oposição quer se auto-excluir, bem, que se auto-exclua. O importante é que fique isolada. Sem povo que a siga. Porque, quando os terroristas têm um povo que os segue, temos um problema político. Quando os terroristas ficam sem o povo, então o problema se converte em um problema policial, militar. São coisas diferentes.
A Constituinte não pode funcionar como o escritório do partido, senão como órgão que convoca todas as pessoas a participar, inclusive a oposição. E que isso apareça em cadeia nacional. Que critiquem, que opinem , e que se oponham, que exijam. que proponham suas idéias, que se mostrem. E que o povo julgue.
Como o senhor avalia o plebiscito de domingo (16/07)?
Se fosse simplesmente uma pesquisa da oposição, estaria tudo ok, seria o exercício de um direito. Mas, no contexto de 100 dias de mortes violentas, é evidente que ante a perda de respaldo popular a toda esta violência, a oposição quer um ato pseudo-jurídico que justifique um reimpulso de sua violência.
Explico: eles celebrarão seu plebiscito ou sua suposta consulta popular sem a fiscalização da autoridade eleitoral. O resultado será que, dos 20 milhões de inscritos para votar na Venezuela, 19,999 milhões “vão querer”, entre aspas, que o governo caia. Isso é o que vão declarar. Os votos serão eles que contarão, dando um amplo espaço para a fraude. O suposto resultado do plebiscito vai ser a exigência de que não se faça uma Assembléia Nacional Constituinte. Que se desaplique nossa Constituição. Então, trata-se de um ato privado, de agentes privados, para exigir dos agentes públicos que deixem de aplicar a nossa constituição e apliquem a lei desses grupos. Obviamente, o Estado legitimamente constituído dirá que não. E a palavra de ordem para os seguidores da oposição será “Saiam às ruas, porque o tirano faz ouvidos moucos para o que está sendo exigido por 20 milhões de venezuelanos”. Não é uma consulta popular. É um episódio que servirá para justificar mais terrorismo, mais marchas, mais ações violentas com pessoas armadas.
Deram-nos golpes muito sérios. Em 2014 nos mataram 43 pessoas, com essa modalidade de terrorismo oculto sob a falsa máscara das “manifestações pacíficas”. Hoje, nos matam 100 pessoas e podem ser muito mais, já que acredito que o conflito está longe de acabar. Não se pode usar a Democracia para delinquir e nem para burlar a legalidade revolucionária. O Estado não pode ser ingênuo e tem de estabelecer um marco de tolerância zero contra o terrorismo.
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