Por Aldo Arantes, no Blog do Renato:
Uma reforma político democrática deve ter como fundamento a soberania popular. A Constituição, em seu artigo 1º parágrafo único, define que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos temos desta Constituição”. Portanto qualquer reforma política que vise aperfeiçoar a democracia tem que colocar em primeiro lutar, este princípio. Por outro lado a reforma política deve dar respostas às distorções causadas pelo atual sistema eleitoral.
O sistema político brasileiro está em crise por falta de representatividade decorrente do sistema eleitoral e do financiamento empresarial de campanha. Ele é o fator fundamental da corrupção eleitoral e de um parlamento que representa os financiadores e os eleitores. A consequência disto tudo é um parlamento formado por uma grande quantidade de corruptos e insensíveis às demandas populares. Assim explica-se seu desprestígio.
Para enfrentar tais problemas é necessário um sistema de financiamento de campanha e um sistema eleitoral que aumente a representatividade do parlamento.
O STF decidiu pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial abrindo caminho para o financiamento público. No entanto, a aprovação de um Fundo Público de Campanha tem gerado sérias críticas. Este tema traz, em seu bojo, o debate não só do limite do financiamento, mas também do próprio financiamento público.
A discussão mais importante é saber se deve ou não ter financiamento público. O financiamento público é um mecanismo que permite a eleição de candidatos comprometidos com a maioria da população. Sem financiamento público resta o retorno ao financiamento empresarial. E a imprensa já revela articulações neste sentido.
Sem o financiamento público a eleição dos setores com menor poder aquisitivo fica comprometido gerando uma desigualdade na disputa eleitoral. Esta foi a razão da decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal. A democracia, a constituição de um parlamento mais identificado com a maioria do povo tem preço.
O argumento de que o país está em crise e não suporta o financiamento público de campanha é falacioso. O ilegítimo Temer pode gastar milhões para comprar votos de deputados, no entanto não se pode gastar para o avanço da democracia. Quanto ao montante de recursos poder-se-ia minorá-lo com a redução dos custos de campanha, sobretudo, com a proibição da utilização do marketing eleitoral.
O outro aspecto diz respeito ao sistema eleitoral. A adoção do distritão e do distrital misto representam um sério retrocesso político. É o abandono do sistema eleitoral proporcional.
O distritão é um sistema eleitoral que piora o que já é ruim no atual sistema. Elegerá, essencialmente, os candidatos que já têm mandato impedindo a renovação. Fragilizará os partidos políticos pois a campanha será feita em torno do candidato. Eleito ele terá pouco ou nenhum compromisso com o partido. Será uma campanha, na grande maioria dos casos, completamente despolitizada. Não permite a transparência pois o candidato não estabelece compromissos programáticos com seus eleitores.
Este sistema tem um claro objetivo: assegurar a eleição de quem têm mandato. Dos que controlam as direções partidárias e dispõem de recursos e apoio da máquina pública.
É significativo o fato de que toda crítica da grande imprensa recai sobre atual sistema e sobre o distritão. A discussão sobre o projeto de reforma política em tramitação na Câmara dos deputados, no entanto, envolve não só a adoção do distritão em 2018 e 2020 como o distrital misto em 2022. Assim o debate sobre o distrital misto é muito relevante pois como a discussão está polarizada em torno do distritão o distrital misto tem ficado de lado, o que é grave. Este debate é essencial até porque, caso seja aprovada, terá um caráter permanente.
A afirmação da importância do sistema proporcional para a formação de um parlamento que incorpore a diversidade política e social do país foi analisada na Conferência Internacional sobre Representação Proporcional realizada na Bélgica, em agosto de 1885, com participantes de vários países europeus.
A Conferência adotou uma resolução afirmando “que o sistema de eleições por maioria absoluta viola a liberdade do eleitor, provoca fraude e corrupção, e pode dar uma maioria de cadeiras para uma minoria do eleitorado” e ainda “que a representação proporcional é o único meio de assegurar poder para uma real maioria do país, e uma voz efetiva para as minorias, e exata representação para todos os grupos significativos do eleitorado”.
No Brasil a revolução de 1930, abandonou o sistema majoritário para adotar o sistema proporcional que as Constituições de 1946 e de 1988 incorporou.
Durante a ditadura militar foi introduzido na legislação brasileira o sistema distrital misto no País, que terminou não sendo colocado em prática. Com o fim da ditadura o Congresso revogou, em maio de 1985, este entulho autoritário.
Falando sobre o sistema proporcional, em seminário realizado na UNB no ano de 1980, o ex-presidente Tancredo Neves afirmou: “Tenho para mim, com base na minha longa experiência de vida pública, sobretudo encarando o aspecto da realidade socioeconômica do Brasil, que o sistema proporcional é o único capaz, como instrumento de ação política, de promover a rápida democratização das estruturas e das instituições brasileiras. O sistema proporcional é realmente uma ação política que determina que as resistências reacionárias, conservadoras e imobilistas têm que ceder à pressão das reivindicações populares, fazendo que a história siga sua marcha implacável”.
Vários constitucionalistas se manifestaram sobre as vantagens do sistema eleitoral proporcional. Paulo Bonavides se refere ao sistema proporcional, afirmando que ele torna “a vida política mais dinâmica e abre à circulação das ideias e das opiniões novos condutos que impedem uma rápida e eventual esclerose do sistema partidário, tal como acontece onde se adota o sistema eleitoral majoritário, determinante da rigidez bipartidária”.
José Afonso da Silva, após tecer críticas ao sistema eleitoral proporcional de lista aberta praticado no Brasil, afirmou “Afastar pura e simplesmente o sistema de representação proporcional significa afastar um instrumento importante para a consecução de uma democracia social, porque esse sistema é o único que possibilita a democratização da representação parlamentar, com a eleição de representantes mais afinados com os interesses populares. O que é preciso é corrigir-lhe os defeitos…”.
Analisando o sistema eleitoral distrital misto constata-se que sua adoção trará inúmeras consequências negativas como reduzir a representação dos diversos segmentos de representação da diversidade política, social e cultural no Congresso. Significará a redução da presença das minorias no parlamento. Com isto se reduzirá o voto de opinião. Já o sistema proporcional, assegura uma representação política mais próxima da realidade do país.
No sistema eleitoral distrital misto o eleitor vota num candidato pelo sistema majoritário e noutro pelo sistema proporcional. Por este sistema as oligarquias locais terão papel decisivo nas eleições parlamentares, transformando os deputados federais em verdadeiros vereadores federais voltados para a busca de verbas para os municípios que representam. Abandonam, com isto, as atividades específicas de um parlamentar federal que é cuidar dos problema do país.
E mais, o distrito influenciará na votação proporcional contribuindo para aumentar a influência do voto regionalizado em detrimento do voto de opinião. Tal fato fica fortalecido com a a aprovação da emenda que permite um candidato concorrer pelos dois sistemas. Assim a adoção do sistema eleitoral distrital misto propiciará uma representação política elitista e distante da maioria da sociedade onde a representação dos trabalhadores, mulheres e negros será menor do que nos dias atuais.
O atual sistema eleitoral proporcional de lista aberta é criticado, por ignorância ou má-fé, como se fosse a única forma do sistema proporcional. Aliás esta é a menos usada no mundo.
O sistema eleitoral proporcional de lista pré-ordenada é adotado por um grande número de países no mundo. Por este sistema a eleição se dá em torno de um programa para enfrentar os problemas do país. Isto permitirá a elevação da cultura política assegurando, também, o voto consciente. Por outro lado vota-se na lista de candidatos indicada pelos partidos para representarem seu programa.
Por estas razões as propostas em pauta não atendem aos objetivos dos que querem aperfeiçoar nossa democracia. Nestas condições o melhor é manter o sistema atual.
Pela importância do assunto o mais democrático será a convocação, pelo próximo parlamento, de um plebiscito para que o povo decida qual o melhor sistema eleitoral para permitir o avanço e modernização da sociedade brasileira. É falsa a ideia elitista de que o povo brasileiro não estaria preparado para discutir este tema. Tal ponto de vista subestima a capacidade do nosso povo e revela o receio de sua manifestação.
* Aldo Arantes foi deputado constituinte de 1988 e é membro da Comissão Política do Comitê Central do PCdoB.
Uma reforma político democrática deve ter como fundamento a soberania popular. A Constituição, em seu artigo 1º parágrafo único, define que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos temos desta Constituição”. Portanto qualquer reforma política que vise aperfeiçoar a democracia tem que colocar em primeiro lutar, este princípio. Por outro lado a reforma política deve dar respostas às distorções causadas pelo atual sistema eleitoral.
O sistema político brasileiro está em crise por falta de representatividade decorrente do sistema eleitoral e do financiamento empresarial de campanha. Ele é o fator fundamental da corrupção eleitoral e de um parlamento que representa os financiadores e os eleitores. A consequência disto tudo é um parlamento formado por uma grande quantidade de corruptos e insensíveis às demandas populares. Assim explica-se seu desprestígio.
Para enfrentar tais problemas é necessário um sistema de financiamento de campanha e um sistema eleitoral que aumente a representatividade do parlamento.
O STF decidiu pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial abrindo caminho para o financiamento público. No entanto, a aprovação de um Fundo Público de Campanha tem gerado sérias críticas. Este tema traz, em seu bojo, o debate não só do limite do financiamento, mas também do próprio financiamento público.
A discussão mais importante é saber se deve ou não ter financiamento público. O financiamento público é um mecanismo que permite a eleição de candidatos comprometidos com a maioria da população. Sem financiamento público resta o retorno ao financiamento empresarial. E a imprensa já revela articulações neste sentido.
Sem o financiamento público a eleição dos setores com menor poder aquisitivo fica comprometido gerando uma desigualdade na disputa eleitoral. Esta foi a razão da decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal. A democracia, a constituição de um parlamento mais identificado com a maioria do povo tem preço.
O argumento de que o país está em crise e não suporta o financiamento público de campanha é falacioso. O ilegítimo Temer pode gastar milhões para comprar votos de deputados, no entanto não se pode gastar para o avanço da democracia. Quanto ao montante de recursos poder-se-ia minorá-lo com a redução dos custos de campanha, sobretudo, com a proibição da utilização do marketing eleitoral.
O outro aspecto diz respeito ao sistema eleitoral. A adoção do distritão e do distrital misto representam um sério retrocesso político. É o abandono do sistema eleitoral proporcional.
O distritão é um sistema eleitoral que piora o que já é ruim no atual sistema. Elegerá, essencialmente, os candidatos que já têm mandato impedindo a renovação. Fragilizará os partidos políticos pois a campanha será feita em torno do candidato. Eleito ele terá pouco ou nenhum compromisso com o partido. Será uma campanha, na grande maioria dos casos, completamente despolitizada. Não permite a transparência pois o candidato não estabelece compromissos programáticos com seus eleitores.
Este sistema tem um claro objetivo: assegurar a eleição de quem têm mandato. Dos que controlam as direções partidárias e dispõem de recursos e apoio da máquina pública.
É significativo o fato de que toda crítica da grande imprensa recai sobre atual sistema e sobre o distritão. A discussão sobre o projeto de reforma política em tramitação na Câmara dos deputados, no entanto, envolve não só a adoção do distritão em 2018 e 2020 como o distrital misto em 2022. Assim o debate sobre o distrital misto é muito relevante pois como a discussão está polarizada em torno do distritão o distrital misto tem ficado de lado, o que é grave. Este debate é essencial até porque, caso seja aprovada, terá um caráter permanente.
A afirmação da importância do sistema proporcional para a formação de um parlamento que incorpore a diversidade política e social do país foi analisada na Conferência Internacional sobre Representação Proporcional realizada na Bélgica, em agosto de 1885, com participantes de vários países europeus.
A Conferência adotou uma resolução afirmando “que o sistema de eleições por maioria absoluta viola a liberdade do eleitor, provoca fraude e corrupção, e pode dar uma maioria de cadeiras para uma minoria do eleitorado” e ainda “que a representação proporcional é o único meio de assegurar poder para uma real maioria do país, e uma voz efetiva para as minorias, e exata representação para todos os grupos significativos do eleitorado”.
No Brasil a revolução de 1930, abandonou o sistema majoritário para adotar o sistema proporcional que as Constituições de 1946 e de 1988 incorporou.
Durante a ditadura militar foi introduzido na legislação brasileira o sistema distrital misto no País, que terminou não sendo colocado em prática. Com o fim da ditadura o Congresso revogou, em maio de 1985, este entulho autoritário.
Falando sobre o sistema proporcional, em seminário realizado na UNB no ano de 1980, o ex-presidente Tancredo Neves afirmou: “Tenho para mim, com base na minha longa experiência de vida pública, sobretudo encarando o aspecto da realidade socioeconômica do Brasil, que o sistema proporcional é o único capaz, como instrumento de ação política, de promover a rápida democratização das estruturas e das instituições brasileiras. O sistema proporcional é realmente uma ação política que determina que as resistências reacionárias, conservadoras e imobilistas têm que ceder à pressão das reivindicações populares, fazendo que a história siga sua marcha implacável”.
Vários constitucionalistas se manifestaram sobre as vantagens do sistema eleitoral proporcional. Paulo Bonavides se refere ao sistema proporcional, afirmando que ele torna “a vida política mais dinâmica e abre à circulação das ideias e das opiniões novos condutos que impedem uma rápida e eventual esclerose do sistema partidário, tal como acontece onde se adota o sistema eleitoral majoritário, determinante da rigidez bipartidária”.
José Afonso da Silva, após tecer críticas ao sistema eleitoral proporcional de lista aberta praticado no Brasil, afirmou “Afastar pura e simplesmente o sistema de representação proporcional significa afastar um instrumento importante para a consecução de uma democracia social, porque esse sistema é o único que possibilita a democratização da representação parlamentar, com a eleição de representantes mais afinados com os interesses populares. O que é preciso é corrigir-lhe os defeitos…”.
Analisando o sistema eleitoral distrital misto constata-se que sua adoção trará inúmeras consequências negativas como reduzir a representação dos diversos segmentos de representação da diversidade política, social e cultural no Congresso. Significará a redução da presença das minorias no parlamento. Com isto se reduzirá o voto de opinião. Já o sistema proporcional, assegura uma representação política mais próxima da realidade do país.
No sistema eleitoral distrital misto o eleitor vota num candidato pelo sistema majoritário e noutro pelo sistema proporcional. Por este sistema as oligarquias locais terão papel decisivo nas eleições parlamentares, transformando os deputados federais em verdadeiros vereadores federais voltados para a busca de verbas para os municípios que representam. Abandonam, com isto, as atividades específicas de um parlamentar federal que é cuidar dos problema do país.
E mais, o distrito influenciará na votação proporcional contribuindo para aumentar a influência do voto regionalizado em detrimento do voto de opinião. Tal fato fica fortalecido com a a aprovação da emenda que permite um candidato concorrer pelos dois sistemas. Assim a adoção do sistema eleitoral distrital misto propiciará uma representação política elitista e distante da maioria da sociedade onde a representação dos trabalhadores, mulheres e negros será menor do que nos dias atuais.
O atual sistema eleitoral proporcional de lista aberta é criticado, por ignorância ou má-fé, como se fosse a única forma do sistema proporcional. Aliás esta é a menos usada no mundo.
O sistema eleitoral proporcional de lista pré-ordenada é adotado por um grande número de países no mundo. Por este sistema a eleição se dá em torno de um programa para enfrentar os problemas do país. Isto permitirá a elevação da cultura política assegurando, também, o voto consciente. Por outro lado vota-se na lista de candidatos indicada pelos partidos para representarem seu programa.
Por estas razões as propostas em pauta não atendem aos objetivos dos que querem aperfeiçoar nossa democracia. Nestas condições o melhor é manter o sistema atual.
Pela importância do assunto o mais democrático será a convocação, pelo próximo parlamento, de um plebiscito para que o povo decida qual o melhor sistema eleitoral para permitir o avanço e modernização da sociedade brasileira. É falsa a ideia elitista de que o povo brasileiro não estaria preparado para discutir este tema. Tal ponto de vista subestima a capacidade do nosso povo e revela o receio de sua manifestação.
* Aldo Arantes foi deputado constituinte de 1988 e é membro da Comissão Política do Comitê Central do PCdoB.
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