Por Cynara Menezes, na revista Caros Amigos:
Em 1941, foi lançado um dos mais célebres filmes de todos os tempos, Cidadão Kane, de Orson Welles. A história gira em torno de um magnata da imprensa, Charles Foster Kane, inspirado em um personagem real, William Randolph Hearst, dono de uma rede de jornais e revistas nos Estados Unidos durante o final do século 19 e princípios do século 20.
A vida dos barões midiáticos serviu muitas vezes de inspiração para o cinema e para a literatura. Entre nós, tivemos Chatô, a monumental biografia de Assis Chateaubriand, escrita por Fernando Morais, que se tornou best-seller instantâneo em 1994, transformada mais tarde em filme, aos trancos e barrancos, por Guilherme Fontes. Com uma trajetória pessoal bem menos trepidante que a do paraibano, os proprietários da Folha, do Estadão e da Globo foram retratados em biografias chapa-branca que os tratam como “jornalistas” e não donos de jornal.
Repórteres famosos também tiveram seu dia de glória na tela grande e nas páginas dos livros. Quem não lembra de Robert Redford em Todos os Homens do Presidente (1976), que mostra os bastidores do furo do século, o escândalo Watergate? Mais recentemente, Spotlight (2015) narra como um grupo de repórteres descobriu casos de abuso sexual e pedofilia na arquidiocese de Boston, nos EUA. Em comum, o fato de todos estes jornalistas célebres atuarem como empregados nas “firmas” dos magnatas.
Em 1941, foi lançado um dos mais célebres filmes de todos os tempos, Cidadão Kane, de Orson Welles. A história gira em torno de um magnata da imprensa, Charles Foster Kane, inspirado em um personagem real, William Randolph Hearst, dono de uma rede de jornais e revistas nos Estados Unidos durante o final do século 19 e princípios do século 20.
A vida dos barões midiáticos serviu muitas vezes de inspiração para o cinema e para a literatura. Entre nós, tivemos Chatô, a monumental biografia de Assis Chateaubriand, escrita por Fernando Morais, que se tornou best-seller instantâneo em 1994, transformada mais tarde em filme, aos trancos e barrancos, por Guilherme Fontes. Com uma trajetória pessoal bem menos trepidante que a do paraibano, os proprietários da Folha, do Estadão e da Globo foram retratados em biografias chapa-branca que os tratam como “jornalistas” e não donos de jornal.
Repórteres famosos também tiveram seu dia de glória na tela grande e nas páginas dos livros. Quem não lembra de Robert Redford em Todos os Homens do Presidente (1976), que mostra os bastidores do furo do século, o escândalo Watergate? Mais recentemente, Spotlight (2015) narra como um grupo de repórteres descobriu casos de abuso sexual e pedofilia na arquidiocese de Boston, nos EUA. Em comum, o fato de todos estes jornalistas célebres atuarem como empregados nas “firmas” dos magnatas.
Mas, como em toda história, na história da imprensa há os invisíveis, aqueles que nunca serão lembrados - ou porque não foram barões midiáticos nem funcionários exemplares dos negócios deles. Rara exceção entre nós é Samuel Wainer, que ascendeu socialmente de menino pobre do Bom Retiro, jornalista, a dono de um império de comunicações — e vejam no que deu. É bem verdade que Wainer sempre se sentiu um estranho no ninho entre seus bem-nascidos “colegas” proprietários de meios de comunicação. Nem de longe, porém, foi um “invisível”: talentoso, sedutor, é um personagem à procura de um autor.
Invisíveis mesmo foram os homens e mulheres que se dedicaram a fazer a imprensa do povo para o povo. Refiro-me aos criadores dos jornais anarquistas, comunistas e socialistas que pipocavam por toda parte no Brasil a partir de 1845, quando, ao que tudo indica, surgiu o primeiro: O Socialista da Província do Rio de Janeiro. O destino destes “donos de jornal”, diferentemente dos seus homólogos endinheirados, não tinha nada de glamoroso. A maior parte deles passou a vida entrando e saindo da cadeia, acusados de “subversão” por escrever sob a ótica do trabalhador e não da elite que os barões midiáticos representam.
Um dos fundadores do PCB, Astrojildo Pereira (1890-1965), escreveu um texto que é, até hoje, referência quando se trata de imprensa operária no Brasil (para ser exata, uma compilação posterior dos manuscritos de Astrojildo que serviram de base a uma conferência na ABI em 1947). No texto, Astrojildo fala, por exemplo, do Jornal dos Tipógrafos, editado pelos trabalhadores que imprimiam os três principais jornais do País durante dois meses, durante uma greve em 1858. “Os patrões lançaram mão de todos os meios para liquidar o movimento: a polícia, o ministro da Justiça, o ministro da Fazenda, a Imprensa Nacional, o suborno, a intriga, a difamação, e acabaram vencendo”, conta o jornalista. No início do século 20, Astrojildo estipula que havia dezenas de jornais operários, anarquistas, socialistas e comunistas espalhados pelo Brasil inteiro. Em 1964, a ditadura militar daria cabo dos derradeiros deles.
Quantos destes homens e mulheres que escreveram e publicaram estes jornais foram eternizados em celuloide ou em papel? Que eu saiba, nenhum. Penso na figura, desconhecida para mim mesma até outro dia, do paulista Edgard Leuenroth (1881-1968), que se envolveu com mais de uma dúzia de pequenos jornais anarquistas desde que criou O Boi, em 1897. Leuenroth passou pela prisão três vezes, a primeira delas por denunciar crimes sexuais da igreja – bem ao contrário dos jornalistas retratados em Spotlight, que, na vida real, ganharam o Pulitzer, principal prêmio jornalístico norte-americano.
Envolvida no lançamento do novo site Socialista Morena, ando refletindo sobre o papel que têm as novas mídias de esquerda na comunicação, no jornalismo. E não consigo dissociar nosso trabalho destes quase anônimos que vieram antes de nós. Não os Cidadãos Kane ou os Chatôs da vida e sim os Leuenroth. Fazer imprensa de esquerda no Brasil não é nem um ofício, é praticamente um sacerdócio. Leuenroth sabia disso, eu sei disso e meus colegas da Caros Amigos, também.
Vivemos na ruína financeira, trabalhamos 24 horas por dia, sacrificando a convivência com os familiares, nos envolvemos pessoalmente nesta “missão” de informar os leitores da maneira mais conscientizadora possível. Lutamos, lutamos, lutamos. Se (ainda) não somos presos, tentam nos intimidar com ações judiciais para que nos calemos. Nossa voz, ao contrário da voz dos barões, lhes incomoda, lhes perturba, lhes causa medo.
Invisíveis mesmo foram os homens e mulheres que se dedicaram a fazer a imprensa do povo para o povo. Refiro-me aos criadores dos jornais anarquistas, comunistas e socialistas que pipocavam por toda parte no Brasil a partir de 1845, quando, ao que tudo indica, surgiu o primeiro: O Socialista da Província do Rio de Janeiro. O destino destes “donos de jornal”, diferentemente dos seus homólogos endinheirados, não tinha nada de glamoroso. A maior parte deles passou a vida entrando e saindo da cadeia, acusados de “subversão” por escrever sob a ótica do trabalhador e não da elite que os barões midiáticos representam.
Um dos fundadores do PCB, Astrojildo Pereira (1890-1965), escreveu um texto que é, até hoje, referência quando se trata de imprensa operária no Brasil (para ser exata, uma compilação posterior dos manuscritos de Astrojildo que serviram de base a uma conferência na ABI em 1947). No texto, Astrojildo fala, por exemplo, do Jornal dos Tipógrafos, editado pelos trabalhadores que imprimiam os três principais jornais do País durante dois meses, durante uma greve em 1858. “Os patrões lançaram mão de todos os meios para liquidar o movimento: a polícia, o ministro da Justiça, o ministro da Fazenda, a Imprensa Nacional, o suborno, a intriga, a difamação, e acabaram vencendo”, conta o jornalista. No início do século 20, Astrojildo estipula que havia dezenas de jornais operários, anarquistas, socialistas e comunistas espalhados pelo Brasil inteiro. Em 1964, a ditadura militar daria cabo dos derradeiros deles.
Quantos destes homens e mulheres que escreveram e publicaram estes jornais foram eternizados em celuloide ou em papel? Que eu saiba, nenhum. Penso na figura, desconhecida para mim mesma até outro dia, do paulista Edgard Leuenroth (1881-1968), que se envolveu com mais de uma dúzia de pequenos jornais anarquistas desde que criou O Boi, em 1897. Leuenroth passou pela prisão três vezes, a primeira delas por denunciar crimes sexuais da igreja – bem ao contrário dos jornalistas retratados em Spotlight, que, na vida real, ganharam o Pulitzer, principal prêmio jornalístico norte-americano.
Envolvida no lançamento do novo site Socialista Morena, ando refletindo sobre o papel que têm as novas mídias de esquerda na comunicação, no jornalismo. E não consigo dissociar nosso trabalho destes quase anônimos que vieram antes de nós. Não os Cidadãos Kane ou os Chatôs da vida e sim os Leuenroth. Fazer imprensa de esquerda no Brasil não é nem um ofício, é praticamente um sacerdócio. Leuenroth sabia disso, eu sei disso e meus colegas da Caros Amigos, também.
Vivemos na ruína financeira, trabalhamos 24 horas por dia, sacrificando a convivência com os familiares, nos envolvemos pessoalmente nesta “missão” de informar os leitores da maneira mais conscientizadora possível. Lutamos, lutamos, lutamos. Se (ainda) não somos presos, tentam nos intimidar com ações judiciais para que nos calemos. Nossa voz, ao contrário da voz dos barões, lhes incomoda, lhes perturba, lhes causa medo.
Por que fazemos isso? Porque, como Edgard Leuenroth e tantos outros fazedores de notícias do povo para o povo, acreditamos em uma causa, e sabemos da importância que o jornalismo exerce na luta por esta causa. Desafortunadamente, para eles, ganhamos, com as redes sociais, poderosas aliadas. E o digital barateou tudo, propiciando que até uma pé-rapada como eu possa ter um meio de comunicação na contracorrente da mídia hegemônica. Se é pouco provável que nossa história vire enredo de filme, não tem preço a satisfação de saber que, em vez de apoiar golpes, somos imprescindíveis à democracia.
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